Coluna Digital – A reinvenção das organizadas

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Hora das torcidas organizadas se reinventarem.

Desta vez o SPFC não foi o pioneiro no quesito romper a relação perniciosa com as torcidas organizadas. E digo perniciosa pelo fato de provocar mais prejuízo do que benefício. Porque se fosse o contrário, obviamente não teríamos todos esses problemas e eu nem estaria aqui escrevendo.

Vou tentar contar a rapidamente a história das Torcidas Organizadas que iniciou nos anos 30, mais precisamente em 1939 com a TUSP, primeira organizada de um grande clube brasileiro. Na sequência de história a grande evolução das torcidas aconteceu nos anos 70 com as enormes bandeiras e o aprimoramento das festas nos estádios especialmente no Morumbi recém-inaugurado. Em 1972 nasceu a Torcida Independente e em 1984 a Dragões da Real. Justamente em 1984 eu comecei a frequentar o Morumbi com 12 anos de idade e a festa das torcidas me encantava demais. Além de ter um timaço, tínhamos uma linda festa da nossa torcida. Os clássicos eram espetaculares na “batalha” dos gomos no Morumbi antes do jogo, quando a PM limitava espaço menor para as torcidas. Com o preenchimento dos espaços na arquibancada, a PM liberava outro gomo/espaço e as torcidas vibravam como se fosse um gol.

Anos 90 foi o início do fim das torcidas organizadas! Já no final dos anos 80 muitos problemas envolvendo torcidas organizadas. O ápice da história das torcidas organizadas foi a final da Supercopa SP de Futebol Jr em 1995 no Pacaembu. Uma guerra campal generalizada que resultou em morte de um torcedor de 16 anos. Culpa de quem? De todos! Desde os organizadores que liberaram um estádio com áreas com reformas e muitas pedras e paus que foram usados pelos bandidos. PM subestimou o evento e o perfil dos torcedores e não destacou efetivo adequado. Era apenas 30 policiais para segurar milhares de torcedores de Palmeiras e SPFC. Saldo de 102 feridos (80 torcedores e 22 policiais) e a morte de um menor de idade. E posteriormente erro grave do poder público que não prendeu e nem puniu ninguém.

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Essa foi a grande oportunidade para as autoridades tiveram de corrigirem e melhorarem as condições dos eventos esportivos.  Após esse fato, muitos outros casos isolados foram dando argumentos para que o Ministério Público definisse em 1997 a proibição das bandeiras e instrumentos musicais no estado de SP. Com isso provou sua total falta de habilidade e competência de exigir das entidades envolvidas o cumprimento das leis que já existem no Brasil.

Voltando para o momento presente, 2016. Quem acompanha o futebol e as notícias sobre as torcidas organizadas no Brasil sabe que o histórico é péssimo. Algumas foram extintas e voltaram com nome diferente. Outras tantas foram punidas diversas vezes. E outras buscam no carnaval a oportunidade de uma sobrevida mostrando envolvimento com a cultura e também com ações sociais.  Nesse período de 1997 até hoje, muitas reuniões que não resultaram em nenhuma evolução de nenhum dos lados. Nem por parte do poder público, MP e PM. Muito menos do lado das organizadas em SP em relação aos jogos no estádio. Hoje estamos com a punição nos clássicos aonde só é permitido torcida única.

Lá nos anos 90, não teve nenhum ser minimamente inteligente para explicar as autoridades na ocasião que existiam um ritual das torcidas organizadas antes e depois dos jogos que o faziam focar na festa. Era preciso chegar 3 horas antes para poder preparar as festas, as bandeiras, instrumentos, além de passar por uma revista especial das bandeiras feita pela PM. As bandeiras eram todas desfraldadas na rampa de acesso as arquibancadas. Todo esse ritual obrigatório, envolvia muitos integrantes das organizadas. Falo com conhecimento porque em 1987 fiz parte de uma pequena torcida organizada criada entre amigos.

Também desconheço brigas nas arquibancadas com bambus, bandeiras, instrumentos musicais, etc. A proibição foi pura idiotice, mostrando total ignorância sobre o que, e como era para se promover as festas das torcidas. Mais fácil proibir do que fiscalizar? Enfim…

Com a proibição os torcedores das organizadas não tinham mais “obrigações” e nem rotina. Desde então eles têm tempo livre para pensar e fazerem o que quiserem fora e dentro do estádio.

Qual a consequência disso? Todos estamos vendo e vivendo, infelizmente.

Enquanto nos outros países e campeonatos pelo mundo existe uma preocupação constante, principalmente nos países que tiveram tragédias campais ou de confronto, eles estão sempre em evolução e a lei é aplicada. No Brasil só involução. Em São Paulo praticamente um comportamento de teatro, aonde a festa que nos anos 70 e 80 levavam os torcedores para os estádios, não existe mais.

E por mais má vontade das autoridades em relação as festas em São Paulo, para mim os dirigentes das torcidas organizadas são os maiores responsáveis por isso. Eles sabendo e recebendo esse tanto de limitações e condições, deveriam ter criado meios de diminuir o envolvimento dos seus integrantes em brigas. Com punições severas e definitivas. É nítido que não fazem isso e o novo ápice que decretou o fim das torcidas organizadas como conhecemos, aconteceu na quarta feira em um jogo do SPFC. Ação que fui julgada por muitos como premeditada e mais uma vez subestimada pela PM.

Eu estaria aqui defendendo as torcidas organizadas se elas se imitassem a promover a festa como fazia antigamente. Defenderia se punissem seus integrantes. Defenderia se tivessem total independência dos clubes. Defenderia se ao usarem a marca do clube, pagassem por isso. Mas infelizmente tudo que disse acima não acontece e pior, promovem na sociedade uma repulsa natural que vai demorar décadas para mudar.

No caminho da evolução, vejo a Dragões da Real atuando de forma mais organizada próximo de uma ONG e separando de forma muito profissional a torcida da escola de samba. E pelo que entendo do trabalho deles, as duas coisas estão focadas em qualidade, não em quantidade. O presidente da DDR, André Azevedo é um dos principais dirigentes das organizadas que luta pela evolução da classe. Mas infelizmente tudo que ele tem feito ou lutado para melhorar, vem abaixo após e situações como da quarta no Morumbi.

Mas eu vejo que nesse último e definitivo episódio que “decreta” o fim das torcidas organizadas como conhecemos, pode ser o renascimento de organizações sérias com foco em promover aquilo que é a razão da sua existência “torcer e promover apoio ao clube de futebol do coração”. Porque hoje não cabe mais em nossa sociedade entidades com administrações duvidosas e levianas. Temos em nosso meio futebolístico a crise da FIFA e suas confederações. Fazendo desse momento a necessidade emergencial de mudança na forma de conduzir as coisas do esporte mais popular do mundo. Da mesma forma vejo que é a oportunidade da sociedade e entidades envolvidas exigir das chamas organizadas a sua reformulação total para poder voltarem aos estádios. Exemplos já existem e podem servir de parâmetro.

E o exemplo está no futebol! Canais e profissionais de comunicação, para que possam trabalhar e realizar suas transmissões, precisam respeitar normas para terem o direito de fazê-lo. Jornalistas e radialistas precisam ser filiados a uma entidade de classe como ACEESP, ACERJ ou ACEB. Precisam se cadastrar on line para todos os jogos informando todos os dados dos profissionais. E quando chegam para trabalhar, todos precisam estar devidamente identificados para poderem entrar nos espaços destinados a imprensa. E sugiro ainda que adotem um sistema de entrada dos torcedores de organizadas como acontece nos prédios comerciais. Identificação com documento e registro de foto. Vai custar menos do que o anti-marketing que aconteceu na quarta feira no Morumbi.

Ministério Público, federações e clubes precisam exigir condições semelhantes para as torcidas organizadas.  Porque o torcedor comum e sócios torcedores passam por esse ritual. Compram o nine com cpf, cartão de credito, etc. Porque torcedores organizados não podem se adequar?

Nesse pacote de exigências também incluiria questões de organização, licenciamentos, ações sociais, entre outros para que a relação entre organizadas seja clara e objetiva.

Como eu disse no começo do meu texto, o SPFC não é o pioneiro ao romper com as organizadas. Mas pode ser caso adote postura semelhante já realizada com os profissionais de imprensa. Com essa atitude vai “forçar” que sejam melhores avaliados os integrantes das torcidas. Ou não? Obvio que elas são hoje um problema social. Vamos ajudar ou vamos marginaliza-los ainda mais?

Sem dúvida sem essas exigências, a reinvenção das organizadas será demorada. Tenho ciência de duas coisas. No caso do Morumbi, os jogos serão mais frios nas arquibancadas, porque gostando ou não, são as torcidas organizadas que ainda davam ânimo aos demais. E nos jogos fora de casa, o apoio também poderá ser menor, porque só as organizadas acompanham o SPFC.

Sinceramente espero que algo seja feito urgentemente. Dou aqui as minhas ideias pelo bem do futebol e das festas no estádio que só podemos ver em eventos não oficiais, como aconteceu recentemente com a despedida do nosso goleiro Rogério Ceni.

Na função de jornalista e estando a frente de um trabalho como a web rádio São Paulo Digital, me sinto na obrigação de quando indico o problema, também trazer a solução. Não adianta nada fazer acusações, generalizar, etc, ajudar jogando gasolina nessa discussão infindável. Se não trouxermos junto do problema uma ideia para a solução, vamos viver até o fim dos nossos dias só discutindo problemas.