Ex-pupilo de Ceni, Bruno Landgraf se muda para reduto dos Grael por 2016

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GloboEsporte.com – Helena Rebello

Chuva pesada e a falta de vento inviabilizaram a saída na água. Para minimizar o prejuízo, as horas que seriam de treino na Baía foram ocupadas com uma série de estudos sobre correntes e condições climáticas de Medemblik, cidade holandesa que receberá uma importante competição internacional de vela adaptada em maio. Apesar da frustração de um dia de trabalho prático perdido, Bruno Landgraf ainda tem motivos de sobra para comemorar. Agora morando em Niterói, cidade que há anos é reduto da família Grael e de outros atletas da seleção olímpica de vela, o ex-goleiro do São Paulo trocou os treinos em na represa de Guarapiranga pelo palco da modalidade nos Jogos de 2016. E, desde então, está em franca evolução a bordo do Skud 18.

vela paralímpica Bruno Landgraf (Foto: André Durão)Bruno Landgraf agora tem Niterói como base e treina na Baía de Guanabara (Foto: André Durão)

Bruno representou o Brasil nas Paralimpíadas de Londres ao lado de Elaine Cunha. A classificação histórica para a competição acontecera um ano antes, quando os dois disputaram pela primeira vez uma regata com o barco correto para a classe. Como o contato com o modelo correto foi restrito até julho de 2012, a dupla chegou aos Jogos em desvantagem em relação aos rivais. Apesar do esforço para se adaptarem ao equipamento, terminaram a disputa em 11º e último lugar.

A participação na disputa, porém, foi um marco. Com maior apoio financeiro, a Confederação Brasileira de Vela Adaptada (CBVA) pode finalmente comprar os barcos adequados e montar uma equipe de alto rendimento, que hoje trabalha diariamente no Clube Naval, em Niterói. Com apoio do Time São Paulo, Bruno apostou no projeto e mudou-se para a cidade, assim como sua atual proeira, Marinalva de Almeida.

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vela paralímpica Bruno Landgraf (Foto: André Durão)Bruno Landgraf e Marinalva de Almeida no Clube Naval, em Niterói (Foto: André Durão)

– Na represa não era o ideal porque não tínhamos o barco de competição, além das condições de navegabilidade. Sabíamos que seria importante essa mudança, pois já estávamos vindo com frequência para treinar aqui. E vemos como estamos crescendo na parte técnica, aprendendo coisas às quais não tínhamos acesso antes, conhecendo a Baía melhor quanto às correntes, marés, os ventos… É uma vantagem muito grande estar aqui.

A opinião é compartilhada pelo técnico Pedro Paulo Penna Franca, conhecido no meio como PP. Em 2014, Bruno acredita ter vindo ao Rio de Janeiro cerca de 10 vezes para treinar. De março do ano passado até agora, três destes períodos coincidiram com intercâmbios da seleção britânica de vela, a única equipe paralímpica estrangeira que tem vindo ao país para se adaptar às características da Baía de Guanabara.

Segundo a observação de PP, o rendimento de Bruno e Marinalva em relação aos adversários estrangeiros cresceu vertiginosamente, e tende a melhorar ainda mais com os treinos contínuos.

– O Bruno está muito mais confiante. Em 2014 ele teve uma evolução fantástica. Os ingleses vieram em março, em novembro e agora em março de novo. Na primeira vez, não deu nem para a saída. Quando a gente botava os “peguinhas” nos treinamentos, a gente só andava atrás. Na segunda vez eles vieram com um equipamento diferente e nós não mudamos a nossa regulagem. Nós andamos igual ou mais um pouquinho, e os ingleses são top 3 do mundo. Agora em março eles já voltaram com equipamento igual ao nosso, regulagem próxima, e velejamos igual. Repetir aquelas posições anteriores (de Londres) ele não vai repetir. Pode ter certeza que ele vai melhorar bastante na classificação.

vela paralímpica Bruno Landgraf (Foto: José Olímpio)Marinalva e Bruno na Baía de Guanabara, que receberá as regatas da vela em 2016 (Foto: José Olímpio)

Como timoneiro, Bruno é responsável por determinar a direção da embarcação na água. Marinalva, que teve a perna esquerda amputada aos 15 anos de idade, cuida das velas e dos demais ajustes do barco. Com um passado vasto em outras modalidades do paradesporto mas apenas dois anos de experiência na vela, a proeira vê a comunicação entre os dois como fator determinante para o sucesso no mar.

– A gente tem que ter muita sintonia. A gente conversa dentro e fora do barco. Ele não consegue ver o que vem atrás dele, então neste momento eu preciso ser os olhos dele para poder ajudar. Preciso saber também qual informação ele precisa, então ele tem que me passar as instruções. Além de cuidar das velas, dos ajustes, eu preciso ficar atenta. É muita informação, e mesmo que ele esteja vendo é importante que eu passe para ele para ajudar na tomada de decisões. Tem uma troca muito grande.

vela paralímpica Bruno Landgraf (Foto: José Olímpio)Bruno abre mão de regatas na Baía caso haja melhores condições (Foto: José Olímpio)

Apesar do foco na preparação na Skud 18, os velejadores estão longe de ignorar o debate sobre uma possível mudança de localização das raias olímpicas. Na última semana, o chefe da Federação Internacional de Vela (Isaf, na sigla em inglês) cogitou mover os locais de competição dos Jogos de 2016 para mar aberto devido à poluição da Baía de Guanabara. A declaração ganhou apoio sobretudo de atletas estrangeiros, mas foi tida como exagerada por autoridades brasileiras como o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e o presidente do Comitê Organizador, Carlos Arthur Nuzman.

Na opinião de Bruno, a decisão deve ser embasada nas melhores condições de navegabilidade para os atletas. Mesmo criticando a sujeira e mostrando-se aberto a uma possível mudança de local, ele observa uma melhora no aspecto da água na Baía desde sua primeira experiência no local.

– Quando a gente começou a treinar tinha muito mais lixo. Hoje ainda tem muito, mas menos. Duas vezes nos enganchamos em rede de pescador, que não é lixo, mas estava onde não deveria, e também em sacos, caixotes. Vira e mexe a gente tem que parar o barco, levantar os lemes, colocar o barco para andar de ré, ver se tem lixo na quilha e tirar. Isso atrapalha muito, porque qualquer sacola atrapalha na velocidade do barco. Espero que até a época dos Jogos possam dar uma diminuída boa.

LIÇÕES DO FUTEBOL E LIÇÕES PARA LAIS

Bruno era um promissor goleiro da base do São Paulo e figurava sempre nas convocações das seleções brasileiras de base. Costumava ser puxado para categorias com atletas mais velhos e era apontado como um possível sucessor de Rogério Ceni na meta do Tricolor. No dia 11 de agosto de 2006, aos 20 anos, ele estava ao volante quando sofreu um grave acidente de carro na rodovia Régis Bittencourt. Dos cinco ocupantes do veículo, o também goleiro Weverson e a jogadora de vôlei Natália Manfrim não sobreviveram.

vela paralímpica Bruno Landgraf (Foto: Arquivo pessoal)Bruno em visita ao CT do São Paulo em 2010: amizade com Ceni perdura (Foto: Arquivo pessoal)

Ali começava a batalha de Bruno pela sobrevivência e, depois, por sua reabilitação. O diagnóstico era de lesão completa nas vértebras C3 e C4 da coluna vertebral. Foram oito meses internado no hospital, com a família ouvindo diagnósticos que previam a dependência vitalícia de aparelho para respirar, entre outros nada animadores. O trabalho incansável de seu Luiz e dona Neide, junto com profissionais de terapia e com a força de vontade do filho, conseguiu enormes progressos. Hoje Bruno tem mobilidade nos membros superiores e, além da vida de atleta, está no quinto período da faculdade de Direito.

– No começo a gente pensava como seria. A gente não tinha muita noção da gravidade da lesão, então ainda tinha um pouco de esperança dele voltar no futebol mesmo. Eu não acreditava no que os médicos diziam, acreditava que ele ia se recuperar. Quando ele conheceu a vela voltou a esperança de vê-lo competindo, mas em um novo esporte. A força de vontade e a determinação dele são muito grandes. Sabia que ele voltaria a competir e batalhar por medalhas. Ele tinha o sonho de ir às Olimpíadas no futebol mas, como não vou possível, a gente abriu as portas para a vela, e agora ele vai batalhar nas Paralimpíadas. Vai dar certo – disse a orgulhosa dona Neide.

Como ainda não obteve conquistas nacionalmente divulgadas enquanto velejador, Bruno ainda é muito lembrado por sua carreira enquanto jogador de futebol, principalmente pelo bom relacionamento com outros atletas e funcionários do CT da Barra Funda. Dos gramados, ele aproveitou o estilo observador para ampliar seu conhecimento. Mas, agora, espera escrever um novo capítulo em sua trajetória como atleta.

– Foi uma história legal que tive no São Paulo, mais pelas categorias de base, já que em jogos do profissional eu só cheguei a ficar no banco. Todo mundo falava que eu poderia ser sucessor do Rogério. Fico feliz por ele ser um excelente profissional, goleiro e pessoa, que sempre me ajudou antes e depois do acidente. Se eu não tivesse feito coisas boas no São Paulo eu não teria essa lembrança e esse respaldo que eles têm me dado . Mas agora estou procurando fazer outra história para poder não ficar tanto como o ex-goleiro do São Paulo. Agora estamos procurando a imagem de um velejador com mais vitórias. Acho legal ser lembrado por isso, mas quero ser lembrado como velejador também.

Zanetti, Lais Souza, Diego e Daniele Hypolito e Daiane dos Santos copa do mundo de ginástica (Foto: David Abramvezt)Lais Souza sofreu lesão semelhante à de Bruno, na vértebra C3 (Foto: David Abramvezt)

Das lições que aprendeu com a reviravolta em sua vida, Bruno leva a persistência como um dos principais méritos em sua recuperação. Diante dos diagnósticos negativos ou das indicações de cirurgia, ele suou a camisa para recuperar sua mobilidade e obter pequenas vitórias no dia a dia. Com a experiência de quem superou tamanha descrença em sua reabilitação, ele agora transmite seus aprendizados a outras pessoas. Entre elas, a ex-ginasta e esquiadora Lais Souza.

A paulista sofreu uma lesão muito semelhante à de Bruno em janeiro de 2014, quando se preparava para disputar os Jogos de Inverno de Sochi, na Rússia. Com uma fratura na vértebra C3, Lais ficou tetraplégica e se locomove com auxílio de uma cadeira de rodas especial. Tratando-se em Miami, ela teve acesso a tratamentos pioneiros com células tronco, para os quais Bruno se candidatou, mas não chegou a ser convocado para experimentos. Diante deste cenário, ele incentiva a ex-atleta a seguir firme na fisioterapia.

– Acho que o estímulo cada dia tem que ser maior. Só a gente que está passando aquilo sabe. Cada pouquinho pra gente é muito. Quando consegue comer sozinho, por exemplo. Para quem tem os movimentos, não é nada demais, mas para a gente que precisa de ajuda, já é um ganho muito grande. Cada dia mais ela tem que acreditar e fazer a fisioterapia, e buscar cada dia mais melhorar. Ela fazendo isso tem mais chances de voltar os movimentos e ficar cada dia mais independente, assim como eu.