Kaká: Perseguido por rótulos

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Kaká fala de virgindade, religião, aposentadoria, divórcio, namoro. E também sobre futebol

Karla Torralba e Vinicius Mesquita Do UOL, em São Paulo

Kaká não foi diferente só dentro de campo. Quando surgiu para o futebol, aos 18 anos, criou uma legião de seguidores. Uma parte impressionada pelo talento com a bola nos pés. A outra, apaixonada pelo rosto de cantor de boy band. Jogador celebridade desde o início, o garoto talentoso ainda precisou conviver com rótulos criados por suas próprias convicções.

Ele foi “virgem”, “bom-moço”, “crente”, “amarelão”, “melhor do mundo”, “decepção”. Kaká nunca se envergonhou das escolhas que fez, mas admite que foi difícil lidar, algumas vezes, com tantas alcunhas.

Ao longo de quase duas horas, falou ao UOL sobre a própria carreira, passou, um a um, por cada rótulo que o acompanhou e contou como procura tirar lições de tudo, mesmo quando o assunto o incomoda. E contou como, aos 35 anos, está lidando com o mais novo desses rótulos: o “aposentado”.

AP Photo/Eraldo PeresAP Photo/Eraldo Peres

O “virgem”

Kaká foi uma das primeiras personalidades no Brasil a anunciar que esperaria o casamento para perder a virgindade. Virou personagem de revistas de fofoca e ganhou o rótulo de “jogador virgem”. As brincadeiras continuaram mesmo depois que se uniu a Carol Celico, aos 23 anos.

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“Essas piadas nunca me incomodaram porque realmente era minha convicção. Em nenhum momento isso foi um peso. Falei numa boa. E foi até os 23 anos, até quando eu casei. Não teve nenhum problema. Agora, se você perguntar: faria de novo? Acho que eu não falaria sobre o assunto. Teria feito do mesmo jeito, não precisaria dessa exposição. Com a experiência que tenho hoje, não teria aberto essa área tão privada da minha vida. Teria me preservado um pouquinho mais”.

“Eu acho que é muito legal ser exemplo e referência, mas é muito importante, também, que cada um tenha sua convicção pessoal. Sinceramente, não acho que o cara vai chegar com a namorada e lembrar de mim na hora. Prefiro pregar a minha convicção em relação a Jesus do que falar para ele fazer ou não fazer”.

É agressivo pra um menino de 17 ou 18 anos, desconhecido que, do nada, vira famoso. Passa a ter tudo da noite pro dia. Quando eu comecei a jogar, ter um salário um pouco mais alto, começaram a aparecer as menininhas. Você começa a pensar fora da casinha, sabe? Começa a dar uma flutuada

Kaká, sobre o começo da fama e o assédio

Foi o momento de cortar as asas. Ganhei um salário um pouco mais alto e falei: “Pai, quero comprar um carro”. Ele disse: “Vem cá. Calma aí, senta aqui que não é assim”. O fato de os meus pais terem ajudado nisso, a entender qual que era a realidade em todos os momentos, foi fundamental

Kaká, sobre o papel de sua família em seu crescimento profissional

O “bom-moço”

 

 

O “crente”

Kaká comemorava seus gols com as mãos para cima. Era uma forma de agradecimento a Jesus. Falar de religião marcou a carreira do astro. Nessa fase, virou o “jogador crente”.

“Nunca falei que Deus fez gol para mim. Sempre levantei a mão e agradeci pelo momento que estava vivendo. É um agradecimento. Mas começam discussões, pequenas coisas que cada um vai pegando, para criar esse tipo de polêmica”, diz Kaká, que se negou a mudar seu jeito. “Eu não podia ser na frente das câmeras o Kaká jogador de futebol e, longe dela, o Ricardo cristão. Os valores eram os mesmos”.

Frequentador dos cultos, ele era o fiel mais conhecido da Igreja Renascer. Até expôs troféus ali. Porém, teve sua imagem ligada aos problemas na justiça que envolviam os donos da instituição, Sônia e Estevam Hernandes. Em 2010, Kaká decidiu se distanciar da Renascer, mas conta que ainda tem relações com os dois.

 

O “amarelão”

 

Kevork Djansezian/Getty ImagesKevork Djansezian/Getty Images

A “decepção”

Melhor do mundo, campeão da Liga dos Campeões, do Campeonato Italiano. Era hora de procurar novos desafios. Em 2009, Kaká decidiu aceitar uma proposta do Real Madrid. O sonho virou frustração: ele não conseguiu repetir o sucesso do Milan, sofreu com as cobranças e com a dificuldade de aprovação de José Mourinho. Viveu uma das fases mais difíceis da carreira.

“Eu estava completamente perdido. Quem eu sou? Quando vou da Espanha para a Itália sou Kaká, melhor jogador do mundo, e todo mundo me ama. Quando volto para Madri, todo mundo quer que eu saia dali. Como que eu vivo isso? Como é isso dentro da minha cabeça? Foi um momento em que falei: ‘Olha, tenho de tirar essa roupa. É muito legal que as pessoas me reconheçam como jogador de futebol, mas é uma fantasia. A minha roupa de verdade é quem eu sou’. Foi quando eu cai na real”, relata.

A relação com Mourinho era respeitosa, mas complicada. “Foi um treinador muito difícil pra mim. Quando eu achava que ele ia dar uma oportunidade, não acontecia… Na minha cabeça eu podia provar para ele que tinha condições de ser melhor usado nesse período dele. Mas não funcionou. Eu treinava, batalhava, orava. Sem conseguir uma satisfação dentro de campo, a alegria que tive com ele foi receber uma mensagem quando ele foi embora do Real Madrid. Disse que eu fui um dos jogadores mais profissionais com quem ele trabalhou”.

O “divorciado”

 

O “aposentado”

Kaká colocou um ponto final em sua carreira de atleta aos 35 anos, apesar dos pedidos para que continuasse por mais alguns meses de São Paulo, Milan e Orlando City. A decisão de parar envolveu uma pesquisa de campo, contato com a torcida do Milan e do Real Madrid e trabalho mental.

“Procurei diferentes situações. O Ronaldo foi um cara que me ajudou bastante nessa decisão, porque passou por um momento de lesão, um momento difícil no Corinthians. Ele falou: ‘não quero mais isso. Chega’; Conversei com o Beckham. Com ele foi mais planejado. Fez um período de seis meses no Paris (PSG). Conversei com o Casagrande, um cara que também me deu umas ideias muito legais. Com o Elano, que foi recente. A gente é muito próximo. Falei com Roberto Carlos, Fábio Luciano, Caio… Vários jogadores. Fui fazer uma pesquisa, um catado, pra ver o que cada um sentia”.

A decisão final aconteceu após entrar em campo para uma homenagem. “Fui assistir a um jogo do Real Madrid contra o Borussia na Champions e um jogo do Milan no San Siro. Entrei em campo, a torcida gritou o meu nome e senti todo aquele calor do estádio. Percebi que eu estava no lugar em que queria estar: na arquibancada, assistindo e torcendo”.

 

O que o “Kaká aposentado” quer ser?

 Eu estou num momento de visualizar o que que eu quero fazer. Eu gosto muito de dedicar o meu tempo àquilo que eu faço. Não quero fazer nada de qualquer forma ou dar meu nome pra que aquilo aconteça. Eu quero realmente me dedicar a isso 

Kaká , sobre novos projetos

Se você falar: “Hoje, quer ser treinador?” Eu falo que não. E também não quero ser comentarista. Mas não descarto. Hoje eu escolheria ser dirigente. Mas eu não tenho que tomar essa decisão agora. O momento está excelente

Kaká, sobre ser treinador ou comentarista de TV

Em campo, você pensa em cortar só uma cabeça, a do treinador. Fora, tem que administrar outras coisas. Tenho conversado com o Raí e me aproximado do clube. Acredito que, no futuro, posso voltar a trabalhar no São Paulo

Kaká, sobre voltar ao São Paulo

Lucas Lima/UOL Lucas Lima/UOL

“Não conquistei nada com o São Paulo”

O início da carreira profissional de Kaká foi meteórico. Com 20 anos, já era campeão do mundo e estava encaminhado para ir a um clube europeu. Acabou não dando tempo de conquistar um grande título no seu clube do coração.

Kaká deixou o São Paulo um ano depois da promoção ao profissional. Ganhou só título menor, o Rio-São Paulo de 2001. “Se alguém falar para desenhar minha carreira, desenharia com um grande título com o São Paulo. Mas aquilo que aconteceu comigo no São Paulo é excelente. Foi um título inédito: um Rio-São Paulo. A forma como aconteceu comigo, dois gols na final, aparecendo naquele momento… Tinha acabado de subir pro profissional, pra mim foi muito importante”.

“O vínculo que eu tenho com o São Paulo transcende ao campo. É um vínculo muito mais institucional, porque, realmente, de campo, o que que conquistei? Nada. Não conquistei nada com o São Paulo. Mas se criou esse vínculo muito forte. É um jogador que foi formado no clube e chegou no topo do futebol mundial”.

Giuseppe Cacace/AFP PhotoGiuseppe Cacace/AFP Photo

Milan, onde virou astro

No Milan, Kaká virou astro e até hoje é estrela em Milão. O garoto vendido pelo São Paulo ao time italiano por 8,5 milhões de euros, “preço de banana”, como ridicularizou o presidente do clube Silvio Berlusconi, logo se tornou indispensável. As seis primeiras temporadas (até 2009): conquistou o Campeonato Italiano, a Liga dos Campeões, o Mundial de Clubes. Foi eleito melhor do mundo. Teve a pior derrota da carreira, contra o Liverpool, na Liga dos Campeões de 2005.

“Considero a pior derrota, uma das mais sofridas e ao mesmo tempo uma das maiores lições que eu tive no futebol. Eu aprendi que eu não tinha como controlar a vitória. Surgiram depois várias especulações que ouviram a gente celebrando no intervalo, isso não existe até pela experiência que tinha aquele time. O time era um dos melhores times da história, uma das melhores defesas que já existiu, que tomou três gols em seis minutos”.

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O último brasileiro melhor do mundo

Há dez anos, Kaká se tornou o melhor jogador do mundo. Era jogador do Milan e tinha acabado de conquistar a Liga dos Campeões, sendo artilheiro do torneio. Foi o último eleito antes de Cristiano Ronaldo e Lionel Messi dominarem o cenário do futebol no planeta.

“Fico muito honrado e torço pra que Cristiano e Messi continuem ganhando. Assim, toda vez que um dos dois ganharem, vão lembrar da minha Bola de Ouro”, diverte-se. “Se falar assim: ‘Quem ganhou antes do Kaká?’. Poucos vão saber. Agora, todo mundo lembra quem foi o último a ganhar antes deles. Então, vou continuar torcendo. Claro, vai chegar uma hora que isso vai terminar. E se puder terminar com um brasileiro, vou ficar muito feliz. E se for com o Neymar, mais feliz ainda”.

 

Em Orlando, Kaká aprendeu a ser anônimo

No Brasil e na Europa, Kaká era reconhecido nas ruas. Celebridade e estrela de futebol. Mas quando disse “sim” ao projeto do Orlando City para ajudar a desenvolver o futebol nos Estados Unidos, virou anônimo.

“Como não é o esporte mais popular do mundo por lá, tinha lugar em que eu ia e falavam: ‘Legal, é o Kaká, jogador do Orlando City”. Legal, mas não é tudo aquilo. É a mesma coisa se fosse um cara da NFL no Brasil. É legal, mas OK, não precisava de tudo isso… Depois, com o Orlando City na cidade, foi aumentando um pouco a popularidade do clube e dos jogadores na cidade”.

“Em algum momento as pessoas não me reconhecerão”

 

AFP PHOTO/GABRIEL BOUYSAFP PHOTO/GABRIEL BOUYS

O 23º jogador da seleção de 2002

Kaká não entrou em campo na final Brasil x Alemanha da Copa do Mundo de 2002, o juiz apitou o final de jogo antes. Mas valeu. Vinte anos e pentacampeão, com direito a 25 minutos contra a Costa Rica, ainda na primeira fase. Uma espécie de estágio para se tornar, quatro anos depois, uma das maiores estrelas do time.

“Para mim, foi muito importante ir para a Copa. Era o 23º jogador, mas a minha convivência ali, ter jogado aqueles 25 minutos, para o meu crescimento profissional, foi muito importante”.

Entre as Copa de 2002 e de 2006, que chegou com status de estrela, qual ele escolhe? “A de 2002 foi mais legal, porque chegou, classificou cambaleando. Era uma seleção desacreditada. Tinha a questão do Romário na época, da pressão pela convocação. Uma série de coisas acontecendo e a seleção chegou desacreditada. Tudo que acontecia estava ótimo”.

Copa 2006: “um ambiente de reality show”

Copa de 2010: a culpa pelo fracasso de 2006

Do quadrado mágico de 2006 só restou Kaká na Copa seguinte. Era o craque experiente com a obrigação de resolver em campo. A relação com o técnico Dunga começou complicada, principalmente pelo fracasso do Mundial anterior. A confiança precisou ser reconquistada, mesmo para um astro como Kaká.

“O período de 2006 a 2010 com ele (Dunga) não foi fácil. Ele colocou alguns jogadores como culpados: eu, o Ronaldinho Gaúcho”, conta. “Ele não me convocou nas primeiras vezes e, depois, foi convocando aos poucos. Veio o Gaúcho, depois eu vim no banco, fui ganhando o meu espaço”, conta.

“Depois que você ganha a confiança dele, o Dunga é um cara fantástico. Tivemos excelentes resultados juntos. É um cara por quem eu tenho um carinho especial”.

 

“Fiz de tudo para ir para a Copa de 2014”

O plano era jogar a Copa de 2014. Kaká voltou ao Milan e se dedicou ao máximo. Foi convocado por Felipão para um amistoso, mas não apareceu na lista final. “Fiz de tudo pra ir pra Copa de 2014, mas não podia chegar e me convocar”, lembra.

“A primeira decisão foi sair do Real Madrid. Eu não ia ter tanta oportunidade e precisava ir pra um lugar onde eu poderia errar, pra voltar a ter confiança de jogar, ter continuidade. Então, eu optei pela minha volta pro Milan. Não fui convocado, tudo bem. Não tem nenhuma amargura ou rancor com relação ao Felipão”, ressalta.

Kaká aproveitou para curtir a Copa com a família: levou o filho Luca para a estreia do Brasil contra a Croácia e viu pela televisão o 7 a 1, quando a preocupação foi com os amigos em campo. “Foi aquele sofrimento, toda a família junto. E o principal sofrimento é saber a consequência daquele resultado. É um peso muito grande, sabe? Pra carregar. Quem estava ali carrega diariamente esse peso. É um pouco desumano”.

Luiza Oliveira/ UOLLuiza Oliveira/ UOL

Kaká tenta proteger os filhos de notícias falsas sobre casamento

Kaká divorciado, solteiro ou, agora, em um relacionamento. Ele é sempre prato cheio para revistas de fofoca. O ex-jogador respeita o trabalho da imprensa, mas faz de tudo para proteger os filhos. A preocupação é quando alguma mentira é publicada. Ele e Carol Celico orientam as crianças.

“O único ponto ruim em relação ao divórcio é quando entra traição, que mexe com valores e caráter. Sempre será desmentido, porque em nenhum momento houve traição. De nenhuma das duas partes. Foi uma escolha pessoal, de um momento. Aí se respeita aquele momento”, explica.

“O problema é que hoje cria histórico. Se for atrás, pesquisar, vai sair um monte de notícia. Conforme eles (os filhos) foram tendo entendimento maior, a gente foi falando para eles: ‘tudo que ler ou tiver dúvidas, perguntem para o papai ou para a mamãe, que a gente vai explicar para vocês’. Com relação ao divórcio, vai chegar a hora em que eles vão entrar em questionamentos mais profundos. Aí será a hora de, realmente, falar o que aconteceu”.

Tenho minha base de valores e acredito no casamento, por mais que vá contra a correnteza da sociedade. É uma das coisas mais legais que tem na vida. Eu sou completamente a favor do casamento. Estamos namorando, mas vamos ver para quando vai. Não tem data, não estou noivo. Gosto muito de criança, vou deixar essa aí. Gosto muito de criança e vamos ver

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Confira o vídeo da entrevista:

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