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Denis foi quem primeiro sofreu na pele. Depois vieram Renan Ribeiro, Sidão e Jean. Com mais ou menos chances, eles construíram uma fila de goleiros que subiram ao gramado do Morumbi talvez mais preocupados com possíveis vaias da torcida do que aplausos. Já não se tratava mais “apenas” das cobranças típicas de se defender um clube grande do futebol brasileiro. Há dois agravantes aqui: o jejum de títulos do São Paulo e a inevitável pressão de suceder um ícone como Rogério Ceni.
Pois Tiago Volpi observou bem essa situação e… simplesmente julgou que não havia melhor cenário para ele retornar ao Brasil. Pressão? Sim, sem dúvida. O goleiro só decidiu encará-la não como um fardo, mas como um incentivo, mesmo. Coisa de maluco? Ou corajoso? Não importa qual definição você considere a mais adequada, o fato é que, de início, a postura do catarinense de 29 anos só deixou a diretoria tricolor mais segura sobre sua contratação.
“Nada melhor do que um grande desafio como vir pro São Paulo. Um clube que a gente sabia que depois da parada do Rogério ainda era uma posição que tava um pouco em aberto, onde se tinham algumas incertezas”, afirmou Volpi ao UOL Esporte.
Eu via o São Paulo, por toda sua grandeza, pelos anos sem ganhar títulos e, principalmente, pela pressão do fator Rogério Ceni, como o clube ideal.”
Volpi talvez ainda caminhe para o auge em sua carreira, mas já sabe o que é ser ídolo. No Querétaro (MEX), ele já estava se tornando dessas figuras cultuadas. Por isso mesmo entendia qual o tamanho da empreitada ao dizer “sim” ao São Paulo. Ao mesmo tempo, só reforça o quão improvável foi seu movimento neste estágio da carreira. Ainda mais quando ele mesmo revela que tenha ficado “muito próximo de vir para outro clube brasileiro, na mesma época”. Para constar: trate-se de um clube carioca, embora não revele o nome.
“É negócio de feeling, de confiar em ti ao ponto de querer ir pra esse desafio, de querer largar tudo que você tá vivendo, de tudo de espetacular que eu tinha lá e vir pra um novo desafio.”
Veja a entrevista com Tiago Volpi:
A força do hábito
Bom, se o próprio Tiago Volpi não se incomoda com a sombra de Rogério Ceni —pelo contrário, parece até curtir sua missão—, podemos dizer como, nos bastidores do Centro de Treinamento da Barra Funda, o goleiro já começa a suscitar comparações com o ídolo.
Não, ele ainda não cobra faltas e nem tem planos para isso —mas, sim, sabe jogar com os pés. Do outro lado, já fez grandes defesas em clássicos e hoje é praticamente uma figura unânime diante da torcida. Mas o que chama a atenção de funcionários de longa data do clube é o seu comportamento e sua dedicação.
Volpi é daqueles que pode abrir e fechar o CT, se dedicando a uma carga horária de trabalho bem acima da média, em sua rotina diária. Ceni tinha esse hábito, especialmente para cuidar do físico nos últimos anos de carreira. Volpi também chama a atenção pela forma rápida como ascendeu na hierarquia do vestiário, se tornando um dos líderes do grupo.
“Esse negócio de chegar bem antes e sair bem depois ele começou lá no México. Sempre fui um cara que treinei muito, em todos os clubes em que eu passei. Mas no México minha cabeça se abriu. Eu treinava com jogadores que já tinham jogado na Europa, em um Atlético de Madri, por exemplo. Eu chegava, talvez, uns 45 minutos antes, e os caras já estavam lá há um tempo. Ia embora, e eles continuavam. Depois entendi que fazia parte de um processo”, disse o goleiro.
O arqueiro, então, contratou um amigo preparador físico para trabalhar especificamente com ele no México. O hábito foi desenvolvido. “Vamos botar aí: é uma hora e meia antes, mais duas horas de treino no campo e aí mais uma hora depois do treino. Umas quatro horas e meia de treinamento diário. É algo que se tornou automático. Eu estranho se eu não fizer isso. Se eu não fizer, eu me sinto mal. Sinto que deixei de fazer alguma coisa importante.”
O ídolo pede tempo
Tiago Volpi só não acha que seja hora para tratá-lo já como um ídolo são-paulino. Num futebol em que os jogadores trocam de clubes com muito mais frequência, em que as relações são bem mais efêmeras, o goleiro ainda pede tempo para ser elevado a este status.
“Não, não, não. Como ídolo, não. Eu me vejo como um jogador querido pela torcida, que tem um carinho bacana, mas a palavra ídolo, pra mim, é uma palavra muito forte”, afirmou o jogador, que, é verdade, viu aquela que é apenas sua segunda temporada no Morumbi ser interrompida de modo abrupto pela pandemia do novo coronavírus.
“Leva tempo, e junto com o tempo a gente precisa de conquistas. Eu quero ir por esse caminho. Eu sinto muito carinho, sim, mas, dentro de mim, eu tenho que um jogador precisa de conquistas”, disse.
O primeiro ano dele a serviço do São Paulo, de todo modo, foi convincente o bastante para a diretoria a comprometer mais de R$ 20 milhões para tirá-lo do Querétaro. Para um clube com situação financeira temerária, não foi pouco. Agora, ele tem contrato até o fim de 2023. Num cenário ideal —para jogador, clube e torcida—, ele chegaria a essa data aí, sim, pronto para assumir uma idolatria. “É um contrato de mais quatro anos. O que eu mais quero é que, dentro desses cinco anos, a gente possa acrescentar títulos e que essa palavra ídolo possa entrar junto nesses cinco anos”, disse.
“Ou tu muda pra goleiro, ou vou te tirar do futebol”
Essa conversa sobre idolatria é realmente mais complicada quando falamos de um goleiro do São Paulo. Agora, o curioso é que houve um tempo em que Tiago Volpi talvez tenha cogitado ser ovacionado como um lateral-esquerdo. Sim, para alguém que hoje é profissional, até que demorou um bocado para ele aceitar de vez essa “vocação” —mesmo que para seu pai, Laudir, ela já estivesse bastante evidente. É uma história engraçada, com dois tempos.
“Eu era muitas vezes expulso por botar a O primeiro: ão na bola. Meu pai ia me ver jogar as competições, na época, em Blumenau. Aconteceu de umas três vezes que ele foi me ver, e eu fui expulso por botar a mão na bola, um negócio meio sem explicação. Ele disse pra mim, na época: ‘Ó, cara, já chega, pô. Toda vez que eu venho ver você jogar, você é expulso. Ou tu muda pra goleiro, ou vou te tirar do futebol'”.
Volpi “brincou” na lateral até uns 13 anos. Até que ele e a família se mudaram para Santa Cruz do Sul (RS). Era hora de o garoto fazer novos amigos. E nada melhor do que se oferecer para jogar no gol numa hora dessas, não? “No primeiro dia de aula, a rapaziada me convidou, e pra me enturmar com o pessoal novo, me disponibilizei pra ir pro gol, por ser um cara novo na cidade”, recordou. “Acabei fazendo duas ou três defesas. Lembro que os meninos, na época, botaram pressão pra que eu fosse fazer teste no time da cidade, porque diziam que eu era goleiro. Me levaram no [Esporte Clube] Avenida. A partir dali eu nunca mais saí do gol.”
Na estrada
De Blumenau a Santa Cruz do Sul, são mais de 700 km de viagem. Tem chão. Mas Volpi, como goleiro, iria ainda muito mais longe. Na base, ele defendeu o São José de Porto Alegre e o Fluminense. Como profissional, ainda jogou pelo Luverdense e pelo Figueirense. Tudo isso em coisa de sete anos. Ele ficou por duas temporadas no clube de Florianópolis até se mudar para o México.
“Com 14 anos, eu já morava sozinho em Porto Alegre, debaixo da arquibancada do São José. Foi só aí que criei essa identidade definitiva como goleiro. Pensei como não tinha mais para onde fugir, que seria isso a minha carreira”, disse o goleiro, que teve o ex-flamenguista Júlio César como seu grande ídolo na posição.
Construindo uma casa no México
Como vimos, Volpi já rodou bastante. A ponto de chegar a Querétaro, uma cidade de padrão de vida elevado no México, situada numa faixa central do país. O goleiro ficou por lá quatro anos e virou referência. Todos em casa falam espanhol hoje. Havia muito conforto em sua rotina, mas ainda assim ele decidiu quebrá-la.
“Realmente cheguei lá muito cedo, com 23 anos. Mas, para falar de México, é sempre positivo. Foi um aprendizado impressionante para mim. Formei minha família, minha primeira filha nasceu lá, e cresci muito como ser humano. O idioma virou o segundo aqui em casa”, disse.
“As pessoas fazem pouco caso ao futebol mexicano e não tem a mínima ideia do quão forte é o futebol por lá. Hoje é o futebol mais rico das Américas. Não tem investimento que se aproxime aqui. Cresci muito como profissional também por isso.”
Volpi cresceu tanto que, depois de dois anos jogando pelo Querétaro, recebeu uma sondagem tentadora.
Foi cogitado porque eu tinha direito de fazer o passaporte mexicano e poder jogar pela seleção, mas foi algo que, desde o primeiro momento quando tive pra me naturalizar, falei que jogar pela seleção eu não jogaria.”
Tem espaço?
Se Volpi hoje nem pensa em jogar pelo México, é porque acredita ter chances de chegar à seleção brasileira. Mesmo sabendo que o páreo hoje é duro.
“A gente, hoje, tem o Alisson, que, pra mim, é o melhor goleiro do mundo. O Ederson está entre os melhore. A gente tem uma vaga aí que tem sido mesclada. Tem vezes que tem ido Weverton [Palmeiras], Santos [Athletico-PR], Cássio [Corinthians]. É lógico que é um sonho, mas o meu maior sonho, hoje, é focalizar minha energia pro São Paulo”, afirmou.
O jogo da virada
O objetivo de ser convocado por Tite passa, naturalmente, por boas apresentações pelo São Paulo. É algo que lhe permite sonhar, e já está claro que confiança não falta a Volpi. Agora, isso não quer dizer que tenha sido fácil para ele tomar conta da posição. Se ele afirmou que enxergava no clube o “desafio ideal”, esse não deixava de ser um enorme desafio ainda assim.
E o goleiro até admite que, nos primeiros meses de 2019, “estava devendo”. Para piorar, já viveu logo de cara uma crise das bravas pelo time —depois da eliminação pelo Talleres (ARG) pela chamada pré-Libertadores. Por isso, tem claro em sua mente qual foi o jogo que lhe valeu a afirmação com a torcida: a volta das semifinais do Paulista, contra o Palmeiras, comemorando a classificação no Allianz Parque, nos pênaltis.
“Eu tava no clube há mais ou menos dois meses já. Ainda era muito contestado por muitas pessoas dentro do clube e contestado até por mim mesmo. Eu sabia que eu não tava tendo o nível de atuação que eu sempre tive”, disse.
“Por isso aquele jogo foi muito marcante. A gente tinha sofrido com eliminação, não tinha feito um grande Campeonato Paulista, tanto que a gente que se classificou meio que aos trancos e barrancos. E eu não havia tido uma grande atuação com a camisa do São Paulo ainda. Esse cenário todo fez daquela classificação no Allianz Parque o jogo mais importante dentro do clube.”
“São Paulo tem identidade: 2020 prometia ser bem animador”
Sabemos da importância para o São Paulo do triunfo diante do Palmeiras, mas que a equipe, no fim, seria derrotada pelo Corinthians na final do Estadual. Já são, então, mais de sete anos de fila. De lá para cá, muita coisa mudou. Vagner Mancini e Cuca estão bem longe. Mas a pressão só aumenta.
Volpi foi um dos entusiastas por trás da contratação do técnico Fernando Diniz. Hoje, faz coro a muitos observadores (de dentro e fora do clube) que acreditavam ver o São Paulo caminhando na direção certa, antes da interrupção do calendário nacional.
“O principal fator do Diniz é a questão da identidade, de você saber o que você vai fazer todos os jogos, a todo momento, independentemente se você tá jogando em casa ou fora. O trabalho do Diniz tem uma identidade pra gente ser a mesma equipe não importa o adversário, respeitando todos da mesma maneira”, afirmou.
“É um São Paulo forte em 2020, mais encorpado que o de 2019, mesmo que praticamente com os mesmos jogadores. Isso se deve muito à confiança do trabalho, o entendimento”, afirma.
“Todos nós tínhamos uma convicção muito grande de que, se tivéssemos uma pré-temporada, as coisas se encaixariam com mais naturalidade. A equipe vinha numa crescente muito grande, vinha jogando um belo futebol. Nos primeiros jogos, talvez, a gente oscilou um pouco em resultado, não em desempenho, mas, depois, já pro final, ali perto da pausa, a equipe vinha jogando bem, ganhando, fazendo gols, sofrendo poucos. Prometia ser um 2020 bem animador pra gente, pro torcedor.”
A gente não sabe até quando vai essa pausa, até quando vai todo esse problema da pandemia do coronavírus, mas a gente acredita muito que, quando o futebol voltar, o São Paulo possa ser um forte candidato.
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