A violência permeia as torcidas organizadas dos grandes clubes brasileiros e, no último fim de semana, ganhou novo capítulo no dia do clássico entre Palmeiras e Corinthians, que terminou com mais de 50 torcedores detidos e um morto, este sem envolvimento algum com as brigas, atingido por uma bala perdida. Mas como as torcidas se mantêm? Em São Paulo, o Tá na Áreaouviu torcedores que já fizeram parte dessas organizadas e que mostraram como a relação com os clubes é estreita.
Mas há exceções nesta relação. O presidente do Palmeiras, Paulo Nobre, rompeu com a principal torcida do clube, depois que torcedores agrediram jogadores em um aeroporto na Argentina em 2013. Por outro lado, em fevereiro do ano passado, Carlos Miguel Aidar, então presidente do São Paulo, não fez questão de esconder no meio de uma entrevista uma conversa com presidente de uma organizada onde afirmou que pagaria o aluguel de 50 ônibus para irem a um jogo do Tricolor. Neste ano, Leco, atual mandatário do clube do Morumbi, disse que não tinha como não ajudar as organizadas em entrevista à “Folha de S. Paulo”.
Torcedor que fez parte de organizada não quis se identificar (Foto: Reprodução / SporTV)Segundo a assessoria do São Paulo, o clube doa R$ 150 mil reais para a escola de samba da organizada, que participa do Carnaval, além de 1.500 ingressos para jogos no Morumbi e 500 para os jogos fora. Mas o “presente” não vai para todos os torcedores das organizadas. Um torcedor que fez parte de uma delas, em São Paulo, por 11 anos, e que por medo não quis aparecer, afirmou que o destino é outro.
– Os ingressos são repassados e a torcida vende. Quem está lá dentro ganha ingresso, já fui em jogo ganhando ingresso, mas quando eu era mais influente e frequente.
Outro torcedor, integrante de uma organizada até 2009, aceitou conversar com a reportagem somente por mensagens e também exigiu anonimato. Na época dele, o Palmeiras ajudava com ingressos e transporte.
– A diretoria dá 10 ônibus. Mas é cobrado para o associado ir. Dá ingresso, mas eles revendem.
O medo é a moeda de troca das organizadas. O ex-integrante de uma torcida do Palmeiras diz que os jogadores davam até dinheiro para os integrantes “para não xingar ou dar uma trégua”. Numa época, Valdivia e Vagner Love não teriam cedido às pressões e foram agredidos por integrantes de organizadas.
– Não quiseram ajudar e aí pegam no pé mesmo (…) – afirmou o torcedor através de mensagens.
Todos os integrantes de organizadas ouvidos pela reportagem disseram que os chefes delas ganham dinheiro.
– Na verdade, a liderança de torcida sempre é corrompida pelo dinheiro. Não tem jeito – disse o torcedor através das mensagens. O outro torcedor ouvido citou exemplos.
Torcedor revela através de mensagens como se dá relação com clubes (Foto: Reprodução / SporTV)– Já vi gente andando de Audi, que é um carro importado. E aí a pessoa chega com relógio de dois, três mil reais no punho.
Outro fato que mostra o estreitamento entre organizadas e clubes é o apoio jurídico que muitos deles dão aos torcedores envolvidos em casos de violência. Um exemplo é o caso de Oruro. Torcedores corintianos participaram da morte do boliviano Kevin Espada no estádio na Bolívia, em fevereiro de 2013. O Corinthians chegou a intervir no Itamaraty para a liberação dos 12 detidos, o que aconteceu cinco meses depois. Um menor, que não foi preso e retornou ao Brasil após o jogo, assumiu a culpa e até hoje ninguém foi punido.
– Existem alguns advogados que o clube cede. Hoje em dia a torcida organizada virou uma empresa, essa empresa tem o lucro e paga advogado. Existe advogado que é da torcida e tem relação com o clube – contou o torcedor.
Como consequência dos casos de violência no último domingo, a secretaria de Segurança Pública de São Paulo anunciou no dia seguinte que os clássicos paulistas até o fim do ano acontecerão com torcida única.
