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Juliano Costa
Em 2014, Audax levou de quatro do São Paulo e provocou risos na torcida tricolor. Hoje, time de Osasco pode encarar qualquer grande paulista de igual para igual
Começo o texto dizendo que já fiz piada com o Audax e obviamente me arrependo muito por isso. Depois da segunda ou terceira derrota causadas por um erro absurdo de saída de bola (como os do primeiro vídeo abaixo), critiquei muito no Twitter. “Louco” foi um dos adjetivos que usei para me referir a Fernando Diniz.
Era 2014, e o Audax havia acabado de chegar à elite do futebol paulista. Ninguém estava preparado para as propostas de Diniz – nem eu, nem o próprio Audax.
Duvida? Na primeira vez em que Audax e São Paulo se enfrentaram, há dois anos, foram tantos erros absurdos do time de Osasco que a torcida tricolor no Morumbi se divertia, gritando “toca pro goleiro”. O Audax, que ironia, acabou levando de quatro de um São Paulo já comandado por Ganso.
Mas o tempo passou. Diniz suportou as críticas, ignorou as piadinhas, continuou trabalhando. A direção do Audax o bancou. Os jogadores compraram sua ideia. O time encaixou. Se vai ou não ser campeão paulista, não se sabe (Corinthians e Santos, até pela vantagem do mando de campo, são favoritos). O fato é que as críticas diminuíram, os elogios começaram a surgir. Poucos ainda fazem piada. Diniz não tem nada de louco. E eu, sem o talento de um Marcelo Adnet, deletei meus tuítes antigos – não tenho vergonha nenhuma de dizer que errei, mas não quero que ninguém dê RT nas baboseiras que escrevi.
Feito esse preâmbulo todo num texto meramente opinativo, aceitemos: o Audax é a maior e melhor novidade do futebol paulista nos últimos anos, e isso não tem nada a ver com a determinação de “não dar chutão”, um mero detalhe na engrenagem da equipe. O grande barato é compactação, movimentação e, principalmente, ousadia.
O Audax não joga como pequeno. O time é tão bem treinado e tão entrosado que nada parece ser capaz de abalar seus jogadores, ultraconfiantes no trabalho de Fernando Diniz – nem mesmo um gol do adversário gerado numa pixotada numa saída de bola inibe os atletas de, no minuto seguinte, tentarem sair jogando novamente. Para quem ainda não ligou os pontos, “Audax” significa “audácia”, em latim. O estilo de Fernando Diniz é ideal para um clube que não tem a pressão de uma torcida fanática, ávida por resultados. E aquela derrota em particular para o São Paulo, há dois anos, não sai da cabeça do treinador.
– Aquela derrota por 4 a 0 foi um dos dias mais felizes da minha vida. Todo mundo ficou falando do resultado, mas, se você for ver as estatísticas do primeiro tempo, nós tivemos sete chances de gol no Morumbi contra duas ou três do São Paulo, e todas elas geradas em erros nossos. No segundo tempo, tivemos um jogador expulso logo no início, e depois um gol de cabeça, e aí tudo desandou. Sabia que a imprensa ia cair em cima de mim, mas não me deixei abalar – conta Diniz.
– A questão é que se você tem convicção no seu trabalho, você só cede se for muito covarde. Não é o meu caso. Sou apaixonado por futebol e tenho convicção no que estou fazendo – completa o treinador.
Contra o São Paulo no domingo (veja no vídeo acima), no jogo mais importante da ainda curta história do clube, o Audax entrou para jogar como naquela noite no Morumbi, há dois anos – com o intuito de valorizar ao máximo a posse de bola, sempre agindo em bloco. Não foram poucas as vezes em que o Audax atacou com sete, oito jogadores ao mesmo tempo. O segredo, claro, é ter a bola. Se você está com ela, o adversário que se vire para correr atrás. E quanto mais perto seu colega de time estiver, menor a chance de o passe sair errado. Por isso, poucas vezes se cruza a bola na área – já que o risco de a zaga adversária ganhar a disputa pelo alto, gerando um contra-ataque, é muito grande.
– Existem zonas do campo em que você pode perder a bola e tentar recuperá-la sem o risco de ceder um contra-ataque. Se sua equipe estiver compactada, e você não sair atacando simplesmente por atacar, o risco (do contragolpe) diminui – explica Diniz.
Lançamentos longos são raros. Talvez até por isso a zaga do São Paulo tenha se sentido tão vendida no lance do segundo gol – uma bola longa de Yuri, do campo de defesa, para Ytalo completar de primeira, sem deixar a bola cair, num golaço que, guardadas as devidíssimas proporções, lembrou o de Van Persie contra a Espanha na Copa do Mundo de 2014 (veja no vídeo abaixo).
– Se você só toca curto, vira previsível – diz Fernando Diniz.
Muito se fala sobre a troca de passes na defesa, e da coragem do goleiro (antes Felipe Alves, hoje Sidão) em sair driblando, mas o mérito do Audax não está nos toques para trás. É com a presença massiva de seus jogadores se movimentando em bloco, tocando pra frente e em constante movimentação, que o time de Osasco quebra a defesa do adversário.
Deu certo contra o São Paulo, deu muito certo contra o Palmeiras, deu parcialmente certo (só no primeiro tempo) contra o Santos, mas não deu nada certo contra o Corinthians. Coincidência ou não, o Audax perdeu para os dois times mais técnicos do Paulistão. Quando há o equilíbrio na posse de bola, a qualidade técnica faz diferença. Fica a dúvida, portanto, como seria se Fernando Diniz comandasse um time grande, com jogadores ainda melhores do que os que tem atualmente.
Não que os atletas do Audax sejam ruins. Longe disso. Como lembrou o repórter Dassler Marques, do UOL, sete titulares do time de Osasco foram formados em clubes grandes, mas nunca estouraram: Bruno Paulo e Camacho (Flamengo), Mike e Ytalo (Inter), Juninho e Yuri (Palmeiras) e Bruno Silva (São Paulo).
– Quando busco um jogador para a minha equipe, não me importa por que ele não deu certo em outro clube, mas as características que ele pode apresentar no Audax. E é aí que está uma das coisas que mais me deixam felizes: ver o jogador se desenvolvendo, dando a ele todo o suporte para que possa desempenhar seu futebol.
Os jogadores compram não só as ideias de Fernando Diniz, mas também o discurso do treinador. Quando um repórter pergunta a um deles se “o sistema de jogo é perigoso”, a resposta é muito parecida com a que Diniz usa: “Perigoso é para o adversário, que não tem a bola“. Ytalo, atacante que fez dois dos quatro gols sobre o São Paulo no domingo, foi além:
– É (um estilo) suicida para os times que tentam marcar (o nosso) em cima. Porque, quando não conseguem, acabam deixando espaço pra gente lá na frente.
Independentemente do resultado das semifinais do Paulistão e de um possível convite para treinar um time grande no Brasileirão, Diniz diz já se sentir um vitorioso:
– Meu planejamento é feito para o treino de hoje, para o jogo de amanhã. Não faço planos. Hoje, pra mim, o Audax é grande.
Tão grande quanto foi o erro da crítica em tom jocoso deste que assina o texto. Que o futebol brasileiro conte com mais gente interessada em fazer futebol e menos em analisar resultados.
*O artigo em questão não traduz, necessariamente, a opinião do GloboEsporte.com; é de responsabilidade de seu autor”