Coach explica como empoderou Beraldo, do São Paulo, com postura corporal e “sorriso de Coringa”

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Beto Ferraz, profissional que trabalha com o zagueiro, faz com que ele entre em “estado de flow” nos jogos e passa exercícios para elevar concentração: “Máximo desempenho e performance”

A cabeça erguida, o peito estufado e o sorriso do “Coringa” de Lucas Beraldo quando entra em campo pelo São Paulo não são meras casualidades. Os gestos que “empoderam” o zagueiro são parte de um trabalho tão importante quanto os treinos físicos do dia a dia.

É o que diz o coach executivo e de alta performance do jogador, Beto Ferraz. Em entrevista ao ge, o profissional que faz um trabalho com o zagueiro de 19 anos há oito meses explicou como a postura corporal pode influenciar na concentração de um jogador momentos antes de um duelo.

– A gente não controla as emoções. Por mais que você tente controlar o medo, a raiva, a insegurança, em algum momento elas vão vir. O que você pode fazer é gerenciar isso quando elas aparecem. Existem algumas técnicas que a gente usa: técnicas de respiração, disparo de “âncoras”, a “PNL”, as rotinas de treino mental… E para isso os ajustes de postura, de expressões faciais, ou seja, um ajuste da fisiologia – afirmou.

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– Como que é a postura de uma pessoa confiante? Ela vai estar com o peito aberto, vai estar sorrindo, olhando para frente ou para cima. É isso que o Beraldo faz no Hino Nacional. É uma forma de fazer ele alterar a fisiologia pra uma postura mais positiva, fazendo com que ele consiga acessar um estado de confiança, de felicidade, empoderamento que faz ele entrar mais feliz, mais leve, mais alegre em campo. A minha orientação foi para ele fazer isso no vestiário, só que ele falou que ele se sentia tão bem que queria continuar esse estímulo até o início do jogo – acrescentou.

Mesmo com a pouca idade, Beraldo entendeu que seria importante para a sua carreira fazer um trabalho voltado à concentração, para sentir o mínimo de pressão possível com a camisa de um clube da grandeza do São Paulo.

Beraldo, do São Paulo, ao lado de seu coaching — Foto: Arquivo pessoal

Titular absoluto do Tricolor nesse ano, o zagueiro começou a mostrar essa maturidade jogo após jogo. Segundo Beto, o trabalho que Beraldo tem feito é diário. Além de fazer o treino físico, no CT da Barra Funda, ele tem que chegar em casa e fazer os treinos mentais.

– Eu uso muito para ajudar os atletas nessa parte de concentração, o que a gente chama de fazer o atleta entrar em campo no ‘estado de flow’. É um estado de máximo desempenho e performance. É um estado onde não existe mais nada, é aquele estado onde o crítico interno desaparece. Não tem aquela voz dentro de campo dizendo assim: ‘E se você errar esse passe? E se você errar esse chute? E se você perder essa bola?’. Não existe isso, ele não ouve ninguém a não ser a torcida no momento do gol. É um estado que só existe o aqui e o agora

– Esse ‘estado de flow’ a gente desenvolve através de rotinas de treinos mentais que ele aplica todos os dias e também de alguns exercícios específicos que ele faz antes do jogo. É isso que faz com que ele entre concentrado, focado. Treinar seu foco para estar no momento presente é uma das habilidades mais importantes para um atleta, porque se você não está bem mentalmente, se você não consegue entrar focado no treino físico, o treinador não vai fazer milagres por você.

A disciplina mostrada por Beraldo nas atividades impressiona Beto. O coach considera que o zagueiro é um de seus clientes mais dedicados, e as atitudes comprovam essa afirmação do profissional.

O jogador, por exemplo, é praticamente proibido de acompanhar qualquer coisa relacionada ao futebol nas 24 horas que antecedem uma partida em que ele atuará com a camisa do São Paulo. Nas tardes de Liga dos Campeões da Europa, Beraldo só fica sabendo do resultado no dia seguinte…

– As sessões sempre são feitas um pouco antes dos jogos, porque assim eu consigo entender também como é que está o estado dele, se precisa fazer algum ajuste. Em uma dessas, fiz uma pergunta para ele: “Lucas, jogão agora à tarde entre Manchester City e Real Madrid. Quanto você acha que vai ser”? Ele falou: “Não sei, não vou assistir”. É disso que eu preciso.

– Porque às vezes acontece alguma coisa no jogo, como aconteceu, com o Militão, fazendo um gol contra. Ele é zagueiro… O Beraldo pode começar a pensar: ‘E se acontecer a mesma coisa comigo?’. Pode ser uma interferência externa, que pode afetar ele. A gente tenta bloquear, como no caso de negociações, de cifras, valores… Eu trabalho com ele para que ele não fique vendo – comentou Beto Ferraz.

Para o coach, os jogadores de futebol no Brasil estão cada vez mais entendendo a importância da parte mental para conquistar melhores resultados. Há ainda uma resistência por parte de alguns.

– O que a parte mental pode fazer por um atleta é a questão da clareza. É muito engraçado a questão da clareza do seu papel. Eu pergunto para atletas: “Qual é o papel do jogador de futebol?” 99% não sabe responder. A resposta geralmente é: “Jogo bola”. E não é isso. Esse é o primeiro ajuste mental que precisa ser feito, porque jogar bola jogo eu, joga você, com os amigos.

– Você (jogador) é um profissional, você não joga bola, você serve ao clube, você serve ao técnico, à torcida… E aí é que começa a ficar legal, porque você serve ao técnico quando você joga, quando você não joga. O atleta ele tem mais facilidade de entender o que ele tem que fazer, como ele vai ajudar quando ele joga. Mas ele não tem clareza do papel dele – finalizou.

Os métodos utilizados por Beraldo devem aparecer mais uma vez nesta quinta-feira, às 19h (de Brasília), diante do Tolima, pela Copa Sul-Americana. Com um Morumbi cheio, ele entrará concentrado para buscar a classificação para as oitavas de final de forma antecipada.

Globo esporte