No segundo ano de mandato de Casares, clube fez avanços no aspecto econômico, ao melhorar sua capacidade de pagar dívidas e estancar a sangria, mas ainda tem uma série de desafios
Fosse o São Paulo uma pessoa comum, ela teria aumentado o salário no ano passado e ainda ganhado um bônus. A quantidade de dívidas ainda é exagerada, e esse indivíduo não leva uma vida modesta em relação aos gastos, mas, pelo menos, os problemas pararam de aumentar.
Essa é a simplificação grosseira e talvez otimista da situação financeira tricolor, baseada nas demonstrações contábeis referentes a 2022, segundo ano de administração do presidente Julio Casares. Um ano em que houve boas notícias, porém ainda repleto de sinais para atenção.
Agora em termos mais técnicos e menos lúdicos. No ano passado, o São Paulo elevou seu faturamento e chegou a cerca de R$ 660 milhões. Todas as linhas de arrecadação subiram, o que é positivo, como se verá no detalhamento a seguir. Vendas de atletas e mecanismos de solidariedade respondem pela maior parte e não são recorrentes, no entanto.
O endividamento está na casa dos R$ 700 milhões, estancado pela primeira vez em vários anos, mas ainda em volume e perfil agressivos. Metade disso será cobrada no curto prazo, o que coloca pressão sobre o departamento financeiro tricolor para honrar todos os compromissos.
Por ter uma dívida altamente bancária, consequências negativas são inevitáveis, como a cobrança de juros e o comprometimento de receitas futuras em garantia. Um problema que o São Paulo não tem conseguido aliviar, apesar de ter mais dinheiro entrando no caixa recentemente.
É possível que Casares tenha dado início a um processo de recuperação financeira da associação. Se considerarmos que o primeiro passo para sair do buraco é parar de cavá-lo, este passo foi dado na temporada passada. Outros são necessários para que o objetivo seja cumprido.
Panorama
Ficam claros os méritos e as limitações da diretoria do São Paulo ao comparar a evolução do faturamento (tudo o que foi arrecadado em cada ano) com a do endividamento (o que havia a pagar no último dia de cada exercício). Um melhorou muito. O outro parou de piorar, pelo menos.
Esse é o primeiro passo em uma recuperação financeira. Um cidadão precisa primeiro aumentar a sua renda, para depois ter melhores condições de pagar suas dívidas. Funciona igual para um clube de futebol. A questão é se o dinheiro será corretamente endereçado.
A relação entre receitas e dívidas do São Paulo
Receitas
- Direitos de transmissão e premiações estão ligados ao contrato de televisão do Campeonato Brasileiro e à performance tricolor nas competições de mata-mata, Copa do Brasil e Sul-Americana. Ter chegado às fases finais de ambos os torneios contribuiu para alcançar boa arrecadação nessa linha;
- A área comercial e de marketing ainda gera a metade da receita do Palmeiras, mas, pelo menos, o valor aumentou nos últimos anos. Contam nesta rubrica patrocínios, publicidades e licenciamentos;
- A torcida aumentou consideravelmente sua participação no faturamento, por meio de bilheterias, sócio-torcedor e quadro social. Todos subiram, em especial a venda de ingressos, algo que se explica pela reabertura plena dos estádios, pós-pandemia, e pelo engajamento da torcida são-paulina, que claramente aumentou.
- Transferências de atletas representaram a maior receita do clube em 2022, com 35% do total. Esta é uma grande virtude, ao mesmo tempo em que aponta uma vulnerabilidade. Se por um lado as revelações proporcionadas por Cotia geram vendas e mecanismos de solidariedade em bom volume, esta é uma entrada volátil. O próprio São Paulo está habituado a gerar R$ 120 milhões por ano, e não os quase R$ 230 milhões contabilizados desta temporada.
Dinheiro e performance
O São Paulo da última década combinava custos muito altos com seu departamento futebol e desempenho medíocre dentro de campo. Havia, portanto, um crônico problema de ineficiência. E esse problema começou a ser solucionado na temporada passada.
O clube ainda tem uma das maiores folhas salariais do país – a soma de salários, encargos trabalhistas, direitos de imagem e de arena, premiações e deduções de natureza previdenciária. Mais especificamente, a quinta maior folha do Campeonato Brasileiro.
Esportivamente, pelo menos, o time conseguiu chegar à semifinal da Copa do Brasil e à final da Sul-Americana. Gastou muito e produziu futebol em nível condizente. Só no Brasileirão, com a nona colocação, é que houve resultado aquém do possível diante do dinheiro aplicado.
Dívidas
As boas notícias do ponto de vista operacional – na avaliação de receitas e despesas – começam a dar lugar às preocupações quando se trata do endividamento tricolor. Ainda que tenha permanecido no patamar do ano anterior, esse patamar ainda desafia.
O São Paulo entrou em 2023 com cerca de R$ 340 milhões em compromissos de curto prazo, que precisam ser quitados até o fim da temporada. Por mais que o faturamento tenha aumentado, considerando que também há todos os custos, a conta fica apertada.
Se quiser entrar em uma nova e mais promissora fase financeira, com menos dificuldades para honrar compromissos cotidianos e melhores condições para fazer investimentos, o clube precisará alongar a sua dívida e preferencialmente reduzi-la a um valor menos desconfortável.
- Dívidas bancárias são aquelas feitas com instituições financeiras e representam um dos pontos fracos do São Paulo. Elas carregam juros altos, comprometem receitas dadas em garantia e se concentram no curto prazo (ou seja, serão cobradas em menos de um ano). Os bancos que abriram linhas de crédito para o clube foram Tricury, Rendimento, Daycoval, Bradesco e BTG. Ainda há valores devidos ao agente de atletas André Cury e a Vinicius Pinotti;
- Parcelamentos fiscais são compostos pelo Profut, de meados da década passada, e pelo Perse, programa instituído pelo governo anterior para refinanciar impostos não recolhidos. O valor da dívida fiscal subiu justamente por causa desses novos acordos, cujas extensões variam entre 60 e 145 parcelas;
- Obrigações trabalhistas contam tanto com valores correntes (que dizem respeito ao presente) quanto com acordos feitos com antigos jogadores, treinadores e funcionários. Em 2022, o São Paulo conseguiu reduzir essa parte em quase R$ 60 milhões;
- Em “outros”, constam compromissos com fornecedores, agentes e clubes. Por ser um clube que contrata muitos atletas, essa linha se destaca das demais. São parcelas de direitos federativos e econômicos adquiridos e comissões devidas a empresários;
- Nas contingências, estão ações judiciais movidas contra a associação tricolor. Entra para o cálculo da dívida todo o valor que, segundo o entendimento do departamento jurídico, será executado em processos cuja derrota é “provável”.
Globo Esporte