Adriano Wilkson
Do UOL, em São Paulo
Adriano Wilkson/UOL
Roberto Rojas com as camisas de São Paulo e Colo-Colo, as equipes que mais defendeu
Em uma casa cercada de árvores em São Paulo, vive um senhor de 58 anos que, depois de talhar seu nome no panteão do futebol de seu país, sofreu um golpe do próprio corpo que pouquíssimos seres humanos haviam sofrido antes: uma dupla torção no pulmão.
Era uma manhã de natal recente quando Roberto Rojas, o maior goleiro da história do Chile, acordou com uma dor no peito tão forte que ele achou que ia morrer.
A morte vinha rondando os pensamentos de Rojas desde que ele soubera anos antes que seu fígado estava totalmente comprometido e precisava ser trocado. Agora, a dor aguda acompanhava uma incrível dificuldade de respirar, apesar de o ex-goleiro nunca ter sido fumante.
Tudo aconteceu em uma semana.
Internado, ele foi submetido a vários exames que constataram a torção no lobo médio do pulmão, um evento raríssimo na medicina.
O corpo humano é cheio de pedaços móveis sujeitos a lesões de todos os tipos, e os esportistas convivem desde sempre com o risco de torções em músculos e articulações. Mas o pulmão, um órgão aparentemente bem protegido pela caixa torácica, costuma estar alheio a esse perigo.
Não o de Rojas.
O médico Eduardo Werebe, especialista na área, não conhecia na literatura nenhum caso de torção desse tipo. Em geral, o pulmão pode sofrer torção após uma cirurgia no órgão. O do chileno se contorceu durante uma tranquila noite de sono.
“Em um caso raro como esse”, me explica Werebe, por telefone, “a primeira coisa que fazemos é documentar bem e correr na literatura pra procurar se alguém já viu alguma coisa parecida.” Ninguém tinha.
“É muito inusitado, tanto que levou uma semana para tomarmos uma decisão, mas as imagens e o quadro clínico não deixavam dúvida”, diz o médico. A decisão tomada foi cortar fora um terço do pulmão.
A cirurgia foi um sucesso e hoje Rojas vive e respira bem. Mas o que poucas pessoas sabem é que alguns dias depois da cirurgia, desesperado, ele esteve bem perto de desistir.
Uma vida no Brasil
Quando toquei a campainha da casa de Roberto Rojas, sua televisão transmitia a sessão do Senado que confirmaria a abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff. No Brasil desde os anos 80, o chileno conversa com desenvoltura e quase sem sotaque sobre a turbulência política do país adotivo.
Ele foi contratado em 87 pelo São Paulo depois de se destacar debaixo das traves do Colo-Colo e da seleção chilena. Nos anos 90, chegou a ser preparador de goleiros no Morumbi e, durante alguns meses, técnico.
Também é lembrado por, em 89, quando defendia o Chile em jogo contra o Brasil no Maracanã, ter encenado uma agressão com um sinalizador atirado da arquibancada. Descoberto, foi banido do futebol, mas depois perdoado. Hoje evita comentar o assunto.
Rojas acaba de completar um ano desde que ganhou um novo fígado, depois que o seu deu sinais de que pararia de funcionar por causa da hepatite C. Aos poucos, recupera peso e disposição, perdidos durante a fase mais aguda da doença. Quer voltar a trabalhar em breve.
Deixou para trás a rotina cansativa dos últimos sete anos, boa parte dos quais vividos em leitos de hospitais, consultórios médicos, tomando quantidades absurdas de remédios e sempre temendo o pior.
O dia em que ele pensou em se matar
Alguns dias depois de removerem parte do pulmão de Rojas, os médicos também colocaram uma sonda em seu nariz até a região do abdômen para tirar água que se acumulava ali. A dor e o incômodo eram tão fortes que o paciente se desesperou.
Sentado no sofá de sua sala, ele se emociona ao lembrar do dia em que pensou em desistir de tudo, arrancar a sonda e fazer a dor parar para sempre. “Eu fechei os olhos e falei com Deus: ‘Chega, não quero mais'”
Viviane, sua esposa, diz ter percebido no olhar e no choro do marido seu desejo desesperado de se matar. Quando Rojas iniciou o movimento de tirar a sonda, Viviane e o médico Luiz Gustavo Dias agiram rápido e conseguiram demovê-lo.
“Eu segurei o braço dele e falei: ‘Confia em mim, amanhã essa dor vai passar'”, me disse Luiz Gustavo, por telefone.
Rojas confiou e, no dia seguinte, já começava a se sentir melhor.
A ciência estuda o pulmão de Rojas
As seguidas internações do ex-goleiro ajudaram-no a criar vínculos pessoais com seus médicos e com outros pacientes que, como ele, estiveram na fila do transplante de fígado.
Luiz Gustavo, o médico, revelou-se um apaixonado torcedor da Chapecoense, além de goleiro nas horas vagas. Rojas lhe presenteou com um par de luvas e dicas de como melhorar sua técnica embaixo do gol.
Eduardo Werebe, o cirurgião que extraiu parte do pulmão, teve a chance de publicar um artigo científico na revista “The BMJ”, uma das mais antigas do mundo.
Sua hipótese é a de que a torção do órgão esteja ligada ao acúmulo de água entre o pulmão e a caixa torácica e às inúmeras punções a que Rojas foi submetido para tirar o líquido. Com a publicação do artigo, Werebe espera auxiliar outros médicos e pesquisadores na identificação e diagnóstico de outros casos semelhantes.
O ex-goleiro e ex-técnico do São Paulo espera ter uma vida normal, mesmo sem uma parte do pulmão e com um fígado novo. O fato de ter sido um atleta de ponta e nunca ter sido fumante joga a seu favor.
Grande Rojas, se quiser voltar a pegar no gol do tricolor, já entra de titular.