São Paulo não foi rebaixado no SP-90. Quem virou a mesa foi a FPF

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Mauro Beting – UOL

O São Paulo não foi rebaixado no Paulistão de 1990. Mas teve de disputar em 1991 o módulo inferior do campeonato estadual da elite, na primeira parte do torneio. Por tabela, ganhou vantagem indevida pelo regulamento burro da Federação Paulista e acabou vencedor de um campeonato em que havia sido “rebaixado”, como dizia o vice da entidade, Antoine Gebran, ligado ao Corinthians, e mesmo os cartolas tricolores, logo depois da eliminação prematura no SP-90, como mostra reportagem da Folha de S.Paulo, de 21 de junho de 1990:

 

sao paulo rebaixado, folha de sp

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Mas foi mesmo para a “segunda divisão” o Tricolor em 1991?

Manchete do jornal Folha de S.Paulo disse ainda em 1990 que o Tricolor havia sido rebaixado para a Segundona de 1991 (acima). Ingressos daquele campeonato diziam – ou não – nos jogos do São Paulo que eram partidas da segunda divisão (abaixo).

 

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Telê admitiu tempos depois o rebaixamento em programas de TV (ele dirigia o Palmeiras na época, em 1990). O sentimento do torcedor tricolor era esse. O dos rivais, claro, ainda mais. E de quase toda a imprensa, também.

Mas o São Paulo não foi rebaixado. Ele não se classificou para a fase decisiva do SP-90 e, por tabela, teve de disputar módulo inferior em 1991. “Apenas” isso. Foi feio. Foi vergonhoso. Mas não foi rebaixamento.

Mais feliz ainda o são-paulino por ter sido beneficiado por um regulamento absurdo nas fases decisivas do SP-91. A FPF comparou bananas com laranjas (com a complacência de alguns bananas de pijamas e cartolas) e o timaço de Telê teve vantagem nos critérios de desempate contra os rivais nas fases decisivas de 1991. Erro crasso. Mas não virada de mesa. Não havia como ter “rebaixado” no SP-90 o então campeão brasileiro de 1991.

Questão de regulamento.

A ele: o São Paulo e outros nove clubes que não se classificaram para a quarta fase do Paulistão de 1990 tiveram de disputar o módulo inferior em 1991. Uma brilhante sacada regulamentar que desinflou o SP-91, repetida depois no SP-94. Quando o presidente da Federação Paulista Eduardo José Farah terminou a geniosa obra de deixar o campeonato estadual com apenas 16 clubes, rebaixando outros 32 que o aplaudiram e aclamaram na reunião do Arbitral, em 1994.

Não sabendo o que liam.

Não sabendo o que aprovaram: a própria queda de divisão.

Na canetada genial e maquiavélica.

 

A JOGADA DE FARAH

Resumidamente: como aconteceu em 1991, em 1994 não havia como tirar da elite 32 clubes em São Paulo. O que fez a FPF? Dividiu o futebol paulista em três módulos de campeonato, com 16 clubes em cada. Mais ou menos como nos outros anos, quando vencedores de módulos menores disputavam a fase semifinal do Paulistão. A diferença é que, em 1994, estava escrito claramente no regulamento que o vencedor do campeonato em turno e returno, pontos corridos, seria o “campeão paulista” – como foi a Via Láctea montada pela Parmalat para o Palmeiras de Luxemburgo.

Campeão e mais os melhores times do SP-94 se juntaram a vencedores dos módulos inferiores (Araçatuba, da segunda divisão, e o Nacional, da terceira divisão) para a disputa da Copa Bandeirante, disputada durante a Copa do Mundo de 1994; o torneio dava ao campeão (o Corinthians) a vaga para a Copa do Brasil. Torneio que o Timão conquistaria em 1995, contra o Grêmio.

A grande sacada de Farah foi aproveitar a desatenção dos cartolas para “rebaixar” os outros 32 que não estavam na “primeira divisão” em 1994. Quase nenhum clube percebeu. A esmagadora maioria da imprensa, também não (como aconteceu comigo e com os colegas no ”rebaixamento” do SP-90). Quando perceberam, os clubes de menor investimento já estavam fora da elite, a partir de 1994.

Em 1990-91, a situação foi semelhante – limpando a barra tricolor, mas sem configurar virada de mesa. Para tirar da principal divisão 10 clubes ainda no SP-90, foram criados os módulos no Paulistão. Para não caracterizar rebaixamento, foi dada a chance à turma que foi “rebaixada” em 1990 para vir do módulo inferior com chance de disputar o título de 1991.

Para a semifinal daquele ano, os cinco melhores do grupo de elite se juntaram aos três melhores do grupo inferior (onde estava o Tricolor de Telê) para formar dois quadrangulares em turno e returno. Foi a sorte do São Paulo. Ele tinha o melhor time do Estado – e do país, conquistado no primeiro semestre daquele 1991. Teve também o SPFC a seu favor o regulamento com critério de desempate mais estúpido – já que deu o mesmo peso aos pontos conquistados pelo Tricolor numa divisão inferior àqueles conquistados pelos times que disputaram o módulo principal. Por isso, o Palmeiras, mesmo empatado em pontos na fase semifinal com o São Paulo, e com maior número de vitórias, foi eliminado pelo Tricolor pela ”campanha” que, obviamente, tinha mais pontos contra rivais mais frágeis; por isso o Corinthians também entrou sem a vantagem do empate na decisão do SP-91. Mas não há muito a contestar: o primeiro jogo foi vencido pelo Tricolor de Raí por 3 a 0, e o São Paulo levou o título no segundo jogo no empate sem gols.

spfc1990

REVISTA PLACAR, 1990

SP-91. ENTENDA. OU NÃO.

No frigir das bolas: o São Paulo começou o SP-91 na divisão inferior – mas não foi tecnicamente rebaixado. Mais ou menos como acontecia a partir de 1980 na primeira divisão do Brasileirão. Os estaduais eram classificatórios para o torneio nacional. Quem não conseguisse vaga no estadual tinha de disputar a Segundona (a Taça de Prata). As equipes melhor classificadas nas primeiras fases dessa Segundona brasileira subiam no mesmo ano para a primeira divisão –  a Taça de Ouro. Modelo que inspirou o “rebaixamento” de 1990 para 1991 no futebol paulista.

A mesa não foi virada para beneficiar o São Paulo – apenas foi um truque discutível da FPF, ainda em 1990, e sem saber que um grande passaria pelo vexame tricolor. A sacada de Farah foi brilhante para rebaixar sem ações na Justiça dez clubes do SP-90 para o SP-91.

 

O SP-90. É MAIS FÁCIL DE ENTENDER

O regulamento do SP-90 era “claro” para os padrões brasileiros para planejar o campeonato de 1991. Parágrafo 1º do artigo 5ºde 1990: “Para o Campeonato da Primeira Divisão de Futebol Profissional de 1991, o Grupo I será constituído pelas 14 associações classificadas para disputar a quarta fase do Campeonato de 1990 e o Grupo II será constituído pelas dez associações restantes que não se classificaram para a quarta fase e mais quatro advindas da Divisão Especial de 1990”.

O Parágrafo 2º é claro – para não dizer definitivo no que há de definitivo no futebol brasileiro: “No campeonato da Primeira Divisão de futebol profissional de 1990, não haverá descenso à divisão especial de futebol profissional. Mas a partir de 1991, ou a cada ano haverá o descenso de uma associação da Primeira Divisão de Futebol Profissional e o acesso de uma associação da Divisão Especial de Futebol Profissional”.

A tal “divisão especial” era um dos tantos eufemismos para designar, então, o que de fato era a segunda divisão do futebol estadual. Para evitar problemas jurídicos, a primeira divisão era um coração de mãe de cartola: sempre cabia mais um voto, opa, clube.

Isto é: não havia rebaixamento. Para São Paulo, Corinthians, Palmeiras, Santos ou qualquer outra equipe em 1990. Como já acontecera em 1989 e 1988.

 

A VIRADA DE MESA DE FARAH, NÃO DO SÃO PAULO

O SP-91 teve na prática quatro clubes a mais (28) que o campeonato de 1990. Mas a FPF (Federação de Posse do Farah) já estava se preparando para o “ataque final” aos clubes menores, com a necessária racionalização da festa no interior paulista: no SP-92, o número de equipes que poderiam ser campeãs paulistas ainda era o mesmo – 28. Mas, desta vez, seis equipes da divisão de elite se juntavam a apenas dois clubes do módulo inferior para os quadrangulares semifinais. No SP-93, outra assoprada no interior para dar uma mordida ainda maior no futuro próximo: no grupo de elite, em vez de 14 clubes, eram 16. E os seis melhores passavam para os quadrangulares semifinais. Continuavam 14 clubes no módulo inferior, e apenas dois deles se classificavam para os quadrangulares semifinais.

O SP-93 teve 30 clubes. Mais dois do interior chegaram à “elite”. Mas apenas os melhores sobreviveriam à foice que viria em 1994, e eles – os clubes – não sacaram: disputaram o SP-94 apenas os 16 do módulo principal. Sem cruzamentos de chaves, sem semifinais. Com a esmola dada aos demais clubes da participação na Copa Bandeirante, explicada acima.

Os cruzamentos de chaves que beneficiaram o São Paulo em 1991 só voltariam a acontecer no SP-95, quando apenas o campeão da segunda divisão (o Mogi Mirim) foi para os quadrangulares semifinais, enfrentando os sete melhores entre os 16 da primeira turma do futebol paulista. No SP-96, o Palmeiras venceu os dois turnos e cancelou as finais. Mas já estava cancelado desde o início os cruzamentos entre os grupos. Não havia mais a intersecção entre as “divisões” do futebol estadual. Eduardo Farah, chefão da FPF, simplesmente inchara o Estadual desde 1990 para logo depois esvaziá-lo, contando com a anuência dos clubes para evitar uma batalha jurídica nos tribunais.

Nesse contexto, o São Paulo foi o grande vencedor e beneficiário da grande e discutível sacada dos cartolas da FPP em 1990-91.

Não houve virada de mesa. Nem rebaixamento. Apenas mais uma feliz jogada do destino a favor do São Paulo.

 

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