De Vitor Birner
Iniciativa do ídolo
Rogério Ceni, nos últimos anos como atleta, comentava com pessoas próximas que pretendia ser treinador quando encerrasse a carreira. Quem o tem em alta conta recomendou exercer outra atividade.
O ex-goleiro, afeito à competitividade e talvez carente da rotina do futebol, se manteve irredutível.
Procurou Carlos Augusto de Barros e Silva, apresentou o projeto com propostas atualizadas de dinâmica de jogo, o presidente gostou e, em meio ao ano eleitoral no turbilhão da política interna nem sempre pautada pela ética e projeto de gestão, decidiu investir na empreitada.
As virtudes para obter êxito
Nas entrevistas, ainda quando atuava embaixo das traves, Rogério Ceni mostrava leitura de jogo. Sabia quais eram os pontos fortes e fracos dos times.
Todo treinador necessita tal sabedoria, mas isso é apenas um dos predicados indispensáveis para quem pretende exercer a carreira. Há outros que o ex-goleiro tem:
Ambição por resultados positivos, a dedicação intensa ao que faz, o inconformismo motivador para querer sempre mais, além de rodagem nos bastidores do esporte.
O que terá de alterar
Nas últimas temporadas, o então goleiro andava deveras impaciente. A irritação ao notar que alguns atletas de carreira com poucas ou nenhuma conquista relevante se dedicavam menos que ele, veterano ganhador e conhecido por treinar com grande esforço e seriedade, foi contraproducente.
Contribuiu para os elencos – aconteceu em mais de um – serem menos unidos que o necessário e o time consequentemente foi incapaz de superar os próprios limites e ganhar torneios.
A questão não era a intenção do goleiro, mas, sim, como poderia agregar e construir a dinâmica ideal para os colegas correrem uns pelos outros e gerarem resultados positivos.
No cargo de treinador muitas vezes será necessário agir de forma distinta em questões similares as que tanto o incomodaram.
É inteligente: se realmente quiser aprender a gestão de elencos, o que na entrevista afirmou ser prioridade, tem capacidade para conseguir. Essa talvez seja a necessidade mais impactante na transição de atleta para treinador no Morumbi.
Os mais longevos e eternos aprendizes
Treinador é o profissional de futebol com maior margem de crescimento na carreira. Enquanto atletas dependem de músculos, fôlego e coordenação motora, o montador e organizador de time necessita do cérebro.
Se tiver humildade tende a ser capaz de aprender o tal do ”gerenciar pessoas”, aprimorar metodologias da preparação técnica e tática, além de escolher e apurar as propostas coletivas que pretende ver dentro do gramado.
Tite, meia década atrás, pertencia ao pacote que hoje tem Marcelo de Oliveira, Oswaldo de Oliveira, Ricardo Gomes e alguns mais.
Agora é reverenciado e quase unanimidade dentro do país.
Teve que rever conceitos e aprender, muitas vezes se equivocando tal qual acontece com todos nós em profissões e outras questões, e fazer adaptações. O próprio técnico mencionou, ao aceitar o convite da seleção, que teria de alterar métodos que se mostraram construtivos à frente da agremiação na qual se consagrou.
A inexperiência pode ser gerenciada
‘Chacho’ Coudet iniciou na função em 2015 no Rosario Central e montou o time competitivo. O ‘hermano’ tem perfil similar ao de Lugano, outro que possui tudo para ser grande treinador. Tanto os iniciantes quanto os experientes podem acertar nas questões técnicas e táticas.
Aprender a ser líder exige mais rodagem. Tem que ser ouvido, unir pessoas que não possuem nenhuma afinidade e permanecerão dias fazendo quase tudo juntas, ‘transformar’ o atleta descompromissado e com potencial em alguém esforçado, mostrar paciência para mostrar aos mais jovens inebriados pela fama o que lhes garantirá êxito como jogadores futebol.
Nada disso será construído com pavio curto, citando o currículo pessoal, gerando medo e antipatia em vez da admiração, e tudo mais nessa linha.
As metas combinadas
O ex-goleiro, nas conversas com Leco, afirmou que precisa classificar o clube à Libertadores e ganhar o torneio na temporada seguinte.
Abreviando o necessário
As contratações do inglês Michael Beale e do francês Charles Hembert como auxiliares foram sinal que Rogério Ceni é realista ao enxergar a empreitada. Em especial a do britânico das categorias de base da agremiação britânica com mais conquistas na Europa.
Antes de ser o treinador, era necessário para o ex-goleiro aprender e aprimorar metodologias, e programações de preparação dos elencos. Ao trazer o especialista, terá quem faz isso e poderá beber no conhecimento prático de quem possui maior formação para o cargo.
Condições favoráveis
As propostas coletivas de futebol que Rogério Ceni menciona quando questionado como quer ver o São Paulo nos gramados são atuais e modernas. Sistema de marcação muito adiantado, transição em velocidade e permanência com a bola devem pautar o que acontecerá no CT da Barra Funda.
O fracasso do time na temporada, por nem se classificar à Libertadores, nesse aspecto é muito favorável para a implementação da dinâmica que pretende. A exigência no estadual é menor, a qualidade da maioria dos oponentes pequena e o tempo para treinar maior.
Há brechas para equívocos e testes que, na Libertadores e no torneio de pontos corridos, seriam criticados por muitos, inclusive torcedores que hoje o apoiam.
O que pretende demora e exige mais treinos e jogos para ser implementado.
Organizar os sistemas de marcação e investir em contra-ataques e cruzamentos, tal qual reza o padrão no país do futebol, é muito menos complicado que tentar se impor com jogo de manutenção de bola no campo de frente e em direção ao gol.
Se for capaz de conquistar os grandes torneios cumprindo tal roteiro no padrão do grande Sampaoli, será inquestionável o legado de Juan Carlos Osório, maior influencia na formatação das ideias do técnico Rogério Ceni, e deixará a marca almejada e quase inexistente em nosso futebol.
Fernando Diniz, com elencos e estrutura menores, tenta na ‘mesma’ linha.