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Pedro de Luna
Salve, devotos do maior Ronaldo,
Se é verdade que a vida é uma escola, não é delírio algum imaginar que parte tão fundamental da nossa existência, o São Paulo Futebol Clube, seja ele próprio uma espécie de colégio, carregando em cada corredor suas tortuosas e educativas metáforas. É bem verdade que o Dia dos Professores passou lotado sem que eu deixasse nenhuma maçã sobre qualquer mesa, mas não dá para deixar de notar o quão curiosa é essa relação que nós, tricolores, desenvolvemos ao longo do tempo com os mestres. Por exemplo, o maior docente da nossa vida letiva vira e mexe tem as duas sílabas de seu nome entoadas em uníssono nas arquibancadas da quadra, e mesmo já falecido, ainda povoa nosso imaginário, mascando seu chicletinho e sorrindo seu sorriso raro. Quando as coisas vão mal pros são-paulinos, é sempre Seu Telê quem nos guia, de algum lugar do cosmos.
Um quarto de século se passou e hoje é Seu Dorival, um candidato a mestre, quem se vê diante de uma classe tão talentosa quanto problemática, tentando escrever as páginas de sua própria história. Com uma aquarela de alunos vindos de cantos tão distintos quanto Recife, Nova Iguaçu ou Dracena e outros chegados de intercâmbio do Equador, Peru, Argentina e Uruguai, cabe ao professor mostrar aos pupilos o caminho das pedras, gerar algum tipo de senso de coesão na turma e convencê-los de sua capacidade para superarem seus percalços, inseguranças e limitações. A meninada fica um pouco tensa, até porque correm rumores de que, de semestre em semestre, dá a louca no diretor da escola, o Seu Leco, e ele transfere vários alunos de uma só vez para outros colégios. Os poucos que sobram recebem dezenas de novos colegas e iniciam o ano letivo tendo de fazer novas amizades e trabalhos em grupo, tudo da estaca zero, como num incessante trabalho de Sísifo.
Embora a nota mínima para não repetir de ano seja 5, os rigorosos pais da escola tricolor não toleram nada abaixo de 7 e, no fundo, sonham ainda mais alto: querem ver seus rebentos como os melhores alunos entre todos, como verdadeiros campeões. É bem verdade que implicam com alguns, às vezes meio gratuitamente, às vezes pela dificuldade em pegarem a matéria, mas no geral eles têm estado cada vez mais presentes, comparecido a reuniões de pais e mestres e saído do sofá para participar ativamente da educação, o que é importantíssimo para a garotada. Esse ano certamente não vai dar, mas quem falou que para 2018 é proibido sonhar com um boletim repleto de notas 10? Bem, talvez se a diretoria fizesse um trabalho melhor, ficaria mais fácil.
A sala é bem diversa, devo dizer. Na turma do fundão, da zoeira, senta um baixinho peruano de cabelo engraçado e jeito carismático. Ele é brilhante, mas corre à boca pequena que já foi visto até tomando umas Itaipavas escondido do bedéu. Seus pais, na época, não ligaram. As notas estavam em dia e, bem, ele que fizesse o que quisesse nas horas livres. Mas a partir de quando o desempenho escolar começou a ir ladeira abaixo, o jovem geniozinho inca teve de ouvir um belo pito e foi cobrado por seus responsáveis – não sem razão. No meio dos galerosos, ele tem fama de abusar um pouco da merenda, frequentar a lanchonete até demais e preferir o recreio à aula, mas sinceramente não sei se isso é verdade.
Há também outras grandes figuras na sala do Professor Dorival, como o rapaz argentino que não parou de estudar um segundo sequer até conseguir melhorar suas notas; ou então o melhor aluno da classe, um pernambucano gente finíssima que fica soltando frases filosóficas e proféticas quando dá na telha e, com isso, leva todo mundo a momentos de inspiração coletiva. Ah, e como esquecer do menino do interior que, mesmo novinho, já é um gentleman, ainda que nem saiba direito o que é isso? Certa vez, um bedéu flagrou um outro rapaz de um colégio rival supostamente colando na prova. Quando ia encaminhá-lo pra diretoria, o menino do interior, que tinha visto tudo, apareceu para esclarecer o mal entendido e livrar sua cara. O pai dele não gostou, disse que não era problema dele, mas a mãe ficou orgulhosa da dignidade do seu rebento.
Bem, por mais estranho que possa parecer, o método de avaliação é com base em notas coletivas, em forma de disputas com salas de colégios diferentes. Por exemplo, outro dia teve prova contra a escola rival, os coríntios, e o desempenho são-paulino foi positivamente espantoso: os meninos do Seu Dorival tiraram uma nota 9. Todo mundo se dedicou, estudou, fez a lição de casa, foi lindo, pena que o trio de professores do dia corrigiu muito errado umas questões e não deu pra tirar 10. Uma baita sensação de injustiça, já que incrivelmente a prova terminou empatada. Em seguida, entretanto, contra uma classe de alunos pernambucanos, a molecada foi bem mal na prova e tirou um 5, mas ganhou porque foi salva pelo menino Sidão, um aluno que tem uma ou outra dificuldade, mas quando você menos espera, ele brilha. O problema é que quando você mais espera, ele falha.
Com 10 dias pra estudar, a meninada se preparou pra uma prova importantíssima contra um colégio mineiro, um tal de Atlético alguma coisa. A expectativa era alta, mas a realidade foi cruel: quase ninguém acertou questão nenhuma. O profeta acordou com o pé esquerdo (e pior que isso poderia ser bom, já que ele é ambidestro), o menino peruano faltou porque estava viajando, o argentino chutou, achou que sabia tudo de cabeça, mas errou… Pra falar a verdade, o Sidão foi bem, estava inspirado nesse dia, mas os mineirinhos atropelaram, principalmente por causa dum moleque que escrevia pedalando. O trio de professores até corrigiu uma questão errada a nosso favor e o novato Shaylon, quando entrou na prova, acertou todas as questões, mas não tinha como vencermos essa disputa tirando uma mísera nota 4. Se fosse nos tempos do Seu Telê, essa classe ia voltar com a orelha ardendo de tanta bronca.
Professor Dorival falou de “situações”, reuniu as tropas e tentou arrumar a casa pra prova contra uma escola do Paraná, que parece que tinha o mesmo nome daquela de Minas. Esse teste era complicado, se perdêssemos poderíamos repetir de ano, e o filme não foi fácil. Sidão tava em grande fase, mas errou uma pergunta facinha, facinha. A classe não se desesperou, o genial menino peruano brilhou, o obstinado argentino acertou o que precisava e um aluno que tava meio esquecido, de figurante ali na sala, foi quem resolveu a prova no finzinho. Xeque-mate e, com uma nota 7, ganhamos. Mais que isso, provamos que todos têm importância na hora H.
Amanhã vamos ao Rio, disputar contra um tradicional colégio fluminense. Parece que os alunos deles são mais novos que os nossos e passam por um momento tão instável quanto. Eles têm um dos professores mais carismáticos do país, o Seu Abel, e uma garotada boa. Acho, contudo, que a nossa é melhor. Se quisermos passar de ano, é bom nos concentrarmos muito, estudar e responder tudo certinho, sem segredo. Viu, Seu Dorival? Deixa os garoto brincar e, antes que eu me esqueça, com algum atraso, feliz Dia dos Professores. Confiamos em você. Se bater alguma dúvida, leva um chicletinho no bolso e pensa: “O que o Seu Telê faria?”. Costuma dar certo.
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