Rogério Ceni comemora bom início no Fortaleza, mas ainda lamenta saída do São Paulo

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SporTv.com

Vanessa Santilli*

Em entrevista a Cléber Machado, na estreia do quadro “1 x 1” no Seleção SporTV, ex-goleiro fala sobre a vida na capital cearense e a tristeza com a demissão no Tricolor paulista.

Cléber Machado entrevista Rogério Ceni, ténico do Fortaleza e ídolo do São Paulo

Cléber Machado entrevista Rogério Ceni, ténico do Fortaleza e ídolo do São Paulo

Rogério Ceni está feliz em sua nova casa. O técnico ainda aguarda melhorias na estrutura do Fortaleza, mas se diz muito satisfeito com a equipe (que teve a melhor campanha na primeira fase do Campeonato Cearense) e confiante no sucesso do trabalho.

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O ex-goleiro, ídolo de outro tricolor, o paulista, foi o primeiro convidado do “1 x 1”, novo quadro de entrevistas do Seleção SporTV. Na conversa com o apresentador Cléber Machado, Rogério Ceni falou sobre seu atual desafio, sua passagem de um semestre como técnico do São Paulo e muitos outros assuntos.

Ceni chegou a Fortaleza para trabalhar em 26 de dezembro e, desde então, acredite se quiser, foi à praia apenas uma vez.

– Eu saio muito pouco, mas gosto muito de ver o mar todos os dias, talvez seja essa sensação que faça com que eu acorde bem no dia seguinte. Quando a gente olha o mar, a gente se sente melhor. A vida é muito boa por aqui, o povo é receptivo e o clima muito gostoso, para quem gosta de calor, como eu – disse Ceni.

Com a família morando em São Paulo, Ceni passa todo o tempo ligado em futebol. Chega em casa todos os dias após o treino e aproveita para assistir jogos, desenhar treinamentos e estudar outros métodos para implementar no Fortaleza.

– Estou sozinho aqui, minha família são os jogadores e a comissão técnica, com quem convivo de oito a catorze horas por dia. Eu durmo muito pouco e por isso estou sempre pensando em como melhorar, como ajudar o clube, contratações, melhorias, gramado, treinamento. Eu tento melhorar e me aprimorar a cada dia. Eu gosto muito de futebol e essa é uma oportunidade de realmente estar focado no meu trabalho, e por isso estou aqui, para trabalhar muito e sair vencedor – disse Ceni.

Cléber Machado entrevista Rogério Ceni no Fortaleza (Foto: Vanessa Santilli)

Cléber Machado entrevista Rogério Ceni no Fortaleza (Foto: Vanessa Santilli)

Rogério concluiu os dois níveis do curso de treinador da federação inglesa, mas não conseguiu começar o da UEFA devido ao convite do Fortaleza. Perguntado sobre a conclusão do curso, o treinador brincou que não pretende voltar, não.

– Se eu voltar é porque alguma coisa deu errado. Quero ficar e vencer. Talvez no futuro para uma atualização seja necessário. Em dezembro fiz o curso da CBF, onde trocamos ideias com mais de cem treinadores e foi excelente – disse o treinador.

– Eu tenho um conceito de futebol. A minha ideia é abstrair o máximo que eu posso dentro do meu grupo de atletas. Gosto de jogadores com intensidade para poder jogar pra frente. Não sei empatar. Se você não correr risco no futebol, não tem graça.

O ídolo do São Paulo falou também sobre a estrutura do novo clube. É a primeira vez que ele trabalha em um centro de treinamento que não seja o do Tricolor paulista e, na comparação, Rogério conclui que foi uma mudança grande e drástica.

– A estrutura precisa ser muito melhorada ainda, mas tudo é adequado e proporcional ao momento do clube. Eu acredito muito no crescimento do Fortaleza. Foram oito anos na Série C até conseguir o acesso. Além disso, a parte financeira da Série B é muito diferente da Série A. O que me deixa satisfeito é que esses atletas são o que eu era como atleta: muita alma e vontade de vencer.

Rogério também lembrou do São Paulo e da tristeza que sentiu ao ser mandando embora do clube.

– Aceitar o convite para ser técnico do São Paulo foi a decisão mais correta que eu já tomei. Eu gostaria de ter ficado lá durante muito tempo, mas foram apenas seis meses na função e o projeto nem sempre dá certo.

– Eu me cerquei de pessoas muito boas, mas o clube não tinha dinheiro para contratar. Foram trinta trocas e, apesar de toda a dificuldade, aquele time não cairia com nenhum treinador: nem comigo, nem com o Dorival e nem com qualquer outro. Eu não esperava ser mandado embora e, quando o presidente veio falar comigo, eu senti muita tristeza, agradeci e fui embora – completou. Ceni

Perguntado sobre a nova diretoria com Raí, Ricardo Rocha e Lugano, o treinador do Fortaleza deixou claro que só aceitaria esse tipo de cargo em outro momento da carreira. Agora ele só quer saber de ser técnico.

– A imagem dos três é muito positiva e forte, são ídolos do clube, cada um em sua época. Eu fico contente que ex-atletas e pessoas que fizeram história dentro do São Paulo ganhem espaço lá dentro. Não penso nessas funções no momento da minha carreira. Quero viver o que eu gosto: campo e céu aberto. Não gosto de ambientes fechados. Quero viver a emoção de ganhar ou perder.

Rogério Ceni: feliz no Fortaleza (Foto: Vanessa Santilli)

Rogério Ceni: feliz no Fortaleza (Foto: Vanessa Santilli)

Veja abaixo a entrevista completa de Rogério Ceni a Cleber Machado:

Você tem mais de 25 anos de futebol?

“De futebol eu tenho 28 anos”

Titular do São Paulo?

“19 anos”

Mais de 100 gols?

“Mais de 100 gols, 131. Alguns vou lembrar, outros não.”

Títulos no São Paulo, foram todos? Só faltou…

“Copa do Brasil. Por ausência muitas vezes também, em função da Libertadores. Nós jogamos umas nove edições da Libertadores, então perdemos nove oportunidades de ganhar a Copa do Brasil.”

Quantos jogos como treinador?

“Vocês contam amistosos? Entre 40 e 50. Poucos.”

Como está a vida em Fortaleza?

“Muito boa. Um povo receptivo. Agora começou uma época de chuva, meio pesado, então a gente encontra um pouco de dificuldade porque os campos acabamba ficando enxarcado. Mas assim, não sou muito de sair na cidade, mas um povo bastante receptivo, caloroso. Um clima gostoso, todo mundo fala do calor, do calor, mas eu gosto, prefiro o calor do que o frio. Mas está sendo uma grande experiência, uma grande oportunidade.”

Você parou de jogar bola mesmo, né? Quantas vezes você já ouviu que ia parar?

“Não jogo nem rachão. Não jogo mais futebol. Nem extraoficialmente. Eu fiquei acho que durante dois dezembros, era para eu ter encerrado a carreira e posterguei essa decisão nas duas últimas temporadas, até quando chegou 2015 eu parei com uma lesão no tornozelo, ainda fiz um jogo de despedida com a lesão. Dois anos e meio aqui… nem rachão. Eu trabalho muito com os jogadores dentro de campo, gosto de estar próximo deles. Tento acompanhar, logicamente não consigo acompanhar o ritmo deles. Mas eu gosto dessa interação, dessa proximidade, do falar, de escutar a voz, de comando, eu trabalho muito dentro de campo com eles. Na hora do rachão nem apitar eu apito, para não ter problema.”

É difícil parar mesmo como dizem?

“É difícil, é muito difícil quando você toma a decisão. Se você achar que tem condições físicas, e tem alguém que queira que você jogue, acho que você deve continuar jogando. Agora, quando você vê que chegou no teu limite, o corpo não responde mais… quando eu vi que as lesões começaram a aumentar nos últimos anos, e as dores principalmente. Eu cheguei aos 42, quase aos 43 anos jogando. Passou muito rápido, passa rápido. Você lembra do primeiro jogo, estreia no São Paulo… agora segunda temporada como treinador. É uma decisão difícil de tomar, mas depois de tomada, para mim foi bem tranquilo. Eu não lamento nada, fiz o melhor que podia nos anos que tive oportunidade de jogar.”

Deve ter sido a primeira vez que você entrou em outro CT, sem ser o do São Paulo, para trabalhar…

“Primeira vez, nunca. Esse é o centro de treinamento da categoria de base. Temos o campo, onde fica o estádio do Fortaleza, e ele foi trocado, feito a drenagem, estamos construindo uma academia, um campo anexo para não estragar o gramado. E decidimos no final do ano vir conhecer aqui, e eu achei, dentro das condições, relativamente bom para que a gente viesse. Aqui tem os quartos para eles descansarem, na pré-temporada principalmente, com treinos de manhã e tarde, daqui até a cidade são 50 minutos. Para você vir de manhã, voltar para almoçar, para voltar à tarde, não teria condições de fazer. Foi aí que aceleramos as coisas. Agora, você pegou uma época que os campos estão muito pesados, que tem chuva, chuva, chuva todos os dias. Mas quando começamos os trabalhos, esse campo de cima está perfeito. Mas a estrutura tem que ser melhorada, lógico.”

Você sentiu uma mudança muito grande na estrutura?

“Sim. É uma mudança drástica, sim. Mas é algo adequado com o clube, com o momento do clube. Um clube que ficou oito anos na série C, você não pode exigir que ele tenha a mesma estrutura que um clube da série A. É proporcional ao momento do clube. Mas eu acredito que subindo para a Série B, a imagem do Fortaleza sendo divulgada para o Brasil todo, acredito em um crescimento. Está sendo construída uma nova sala de musculação. E isso é uma coisa que fica para o clube, não para mim. Mas é uma coisa que, se possível, vou utilizar disso, mas mais do que isso, fica de legado para o clube. Eu tento (ajudar), com opiniões, algum patrocínio, conhecimento, pessoas… acho que tudo isso é importante para que o clube cresça como um todo, para que tenha estrutura para se manter na Série B, chegar na A quem sabe. Tudo isso passa pela estrutura do clube.”

Como é trabalhar no Fortaleza?

“São situações distintas porque a parte financeira é muito diferente, a cota da Série A é muito diferente da Série B. Você falou de responsabilidade, eu acho que vinha uma cobrança muito grande do torcedor para sair da Série C e ascender para a Série B. Então acho que até deu uma acalmada perto do que estava. E o campeonato aqui, o time sempre brigando com o Ceará, Ferroviário… acho que o Ceará tem mais opções de equipe e um poder maior de aquisitivo para contratações, salários até melhores, mas esse grupo que eu trabalho é um grupo que tem muito coração, muita alma. Eu estou muito satisfeito com o desejo, o desempenho, que é fundamental, a vontade de vencer. Eu me identifico muito nesses atletas o que eu era como atleta. Isso é uma coisa bacana. Eu sempre fui muito competitivo, eu sempre quis vencer, e eu vejo esse desejo neles. É um grupo muito enxuto, um grupo com praticamente, temos sete meninos da base, tem 27, 28 jogadores, dos quais quatro são goleiros. Um clube com 18 jogadores mais ou menos com condições de atuar. Contratamos o Osvaldo por três meses, ele fica até o final de maio. Mas precisamos trazer mais uns dois, três, quatro jogadores para tentar ter um time competitivo na Série B.”

Como foi a negociação com o Fortaleza?

“É uma coincidência. Me ligaram na sexta-feira em São Paulo e eu tinha um evento para fazer aqui em Fortaleza no sábado. O Bosco estava aqui ainda, que trabalhou comigo no São Paulo, campeão mundial comigo, acabou de voltar para os Estados Unidos. Mas ele estava aqui. E o presidente, doutor Girão, junto com ele, foram se encontrar comigo no hotel na noite que eu cheguei aqui. E aí começamos a conversar e eles fizeram o convite. E eu disse que queria conhecer o centro de treinamento primeiro. Eles me falaram do projeto, o time ascendeu para a Série B, comecei a pesquisar um pouco, voltei para São Paulo e nisso teve uma troca de presidente. O Marcelo Pazza assumiu, o Girão entregou o cargo para ele, e ele foi a São Paulo conversar comigo. Fiz uma série de observações, queria saber qual era o orçamento, tinha alguns jogadores com contrato renovado, trouxemos 14, 15 jogadores, contratamos dois terços do time. Isso em menos de 30 dias. Então assim, ainda conseguimos formar um grupo bom de arrancada no campeonato e algumas peças ainda faltam. Acho que primeiro, Fortaleza é uma ótima cidade, o clube é um clube de tradição que não vivia um momento bom. Sempre quando você pega um clube no momento de baixa, sua chance aumenta de ter sucesso. A data muito bacana do centenário. Eu gosto de trabalhar com o futebol. Quando eu jogava no São Paulo eu imaginava muitas coisas no futebol, qual a motivação de você tem de jogar… não estou citando o caso do Fortaleza, mas você ia no interior de São Paulo e sabia que ia ganhar. São Paulo, Corinthians, Palmeiras e Santos, raramente com uma exceção, ia dar Ituano, São Caetano, como deu. Qual era a motivação de você ir trabalhar num clube que você tinha certeza que não chegaria em uma final. A gente vê com o passar do tempo que o futebol, dentro das suas proporções, é igual em todo o lugar. É interessantíssimo o desafio. Primeiro porque é um clube que tem condição de ser campeão cearense. E segundo que é um clube que vai… Eu disse que são poucos os casos, se não me engano que só sete nos últimos vinte anos que ascenderam da Série C para a B e da B para A. Tem muitos mais casos de times que ascenderam da C para B e da B para a C. Então acho que assim, claro que o sonho do torcedor, nosso desejo, é fazer essa dupla subida em dois anos. Mas acho que o clube precisa se estabilizar, estruturar, tem que ter calma, o ímpeto, o desejo, mas entender que é difícil fazer essa subida em dois anos consecutivos. Mas vamos brigar primeiro pelo cearense, já tivemos o clássico, infelizmente perdemos com um jogador a menos no segundo tempo. Mas nós vamos cada vez conhecendo mais o adversário e tentando encorpar a equipe. Vamos tentar brigar com Ferroviário, Ceará e os outros três times que vão participar do hexagonal final.”

Você, quando começou, era para ser técnico do São Paulo ou de futebol?

“Eu gostaria de ser técnico de futebol durante muito tempo pelo São Paulo. Na verdade, assim, o tempo se faz necessário. E nós pegamos um momento no São Paulo, acho que foi um trabalho muito bom e eu me cerquei de pessoas muito boas para trabalhar comigo, pessoas com um conhecimento profundo, conhecimento do futebol moderno… Falando de comissão técnica, pessoas mais próximas. Alguns que eu já conhecia da estrutura do São Paulo. Mas o problema é que eu cheguei no momento em que o clube, a primeira… E eu soube, não é uma surpresa. Nós não temos dinheiro para contratar. Foi me dito isso. E por isso que eu passei duas semanas em Cotia olhando jogador, por isso trouxe Araruna, Eder Militão, Shaylon, Brenner, Junior Tavares. Fomos fazer a Florida Cup, quando ganhamos, dos 23 jogadores de linha, 12 formados no São Paulo. Só que nós trabalhamos durante 20 dias esse grupo lá, e o clima muito bom de trabalho, com trabalhos novos, bacanas, modernos, diferentes todos os dias. E surtiu efeito, nós jogamos contra River Plate e Corinthians, não jogamos contra qualquer time. É um torneio preparatório? Mas é um torneio preparatório contra Corinthians, contra camisas pesadas e equipes que estavam na mesma situação que a gente, pré-temporada. Aí quando você volta ao Brasil, aí você começa. O futebol, se você não tem velocidade, no futebol hoje em dia, intensidade para jogar, o estilo de jogo que eu gosto, eu preciso desse jogador. Aí você vende o Neres, que nem chega a praticamente trabalhar com a gente. Aí depois perde o Wellington Nem na segunda rodada machucado. Mais para frente você vende o Luiz Araújo depois de um ótimo jogo contra o Palmeiras, onde jogamos contra um time superior ao nosso naquele momento, mas em um sistema que propiciava jogar no contra-ataque. Então assim, preparamos um time com jovens, promessas, que o São Paulo colheria frutos com esses jogadores. Tanto que vendeu quase 180 milhões de reais em seis meses, com mais de trinta trocas entre saídas e jogadas. Quando você tem trinta trocas em um período de seis meses, você me desculpa, mas nem a televisão funciona. Não tem como você mudar um grupo, porque tem uma metodologia de trabalho, o ideal dos mundos é você montar o time em janeiro, fazer umas ou duas contratações, mas manter esse grupo. Ele vai entendendo a maneira como você trabalha.”

Como você avalia seu trabalho? Como você estudou para ser teinador? E qual é do conceito que você deu treino diferente e tava tudo bem?

“Porque eu tenho a consciência, porque eu trabalhei 25 anos sendo treinado. E eu sei, de cada treinador, o que cada um fazia. Eu fui para a Europa, olhei no mínimo dez times de liga inglesa e espanhola, eu vi treinamentos, pude fazer dois cursos na Inglaterra com 120 horas de curso de prática, teórica, pude acompanhar jogos… Mas mais do que isso, é a bagagem de quase 1300 jogos jogados dentro de campo. Então você vai tirando as coisas boas e vai aprendendo. Nunca serei o melhor treinador do mundo, não existe isso, quem ganhou naquele dia. O melhor é quem ganha e quem perde não é o melhor. Então assim, eu aprendo a cada dia, aprendo com os atletas, mas tem uma coisa muito boa que é lida diária com os atletas. Aqui no Fortaleza estamos a 60 dias trabalhando, não tivemos um atraso, nenhum problema. E no São Paulo? Da mesma maneira. Atrasos ocorriam pela cidade, trânsito. Pergunte aos atletas. Uma das poucas coisas que tenho consciência no futebol é que o nível de treinamento, de qualificação dos jogadores é muito bom. Vinte e cinco anos de futebol… se eu dizer que você não entender de televisão eu vou estar cometendo um crime contra você. Eu acho que consigo transmitir, trouxe gente qualificada para desenvolver treinamentos, aprender no dia a dia com essas pessoas. Estamos no treino 51, se não me engano, da temporada, nós não repetimos treinamento até hoje, a não ser a parte tática de jogos, dois, três dias antes do jogo para desenvolver o que a gente quer.”

Qual o seu conceito, inspiração, o seu futebol?

“Meu conceito é extrair o máximo que eu posso dentro dos limites que tenho dos atletas. Se eu tivesse todos os atletas que eu gostaria, o gramado ideal para se jogar… Se eu jogasse sempre no Castelão por exemplo. Meu time é um time ofensivo, posse de bola, que joga para sempre, tenho dois sistemas de jogo que gosto de jogar. Mas eu gosto de jogadores com muita intensidade, jogadores de boa relação com a bola, centroavante de área, sempre com muita ultrapassagem de alas e laterais. Gosto de jogar para a frente, tanto que não empatei um jogo aqui. Jogamos dez partidas, ganhamos oito e perdemos duas. Até falam, não sabe empatar? Não. Quando eu estou ganhando eu quero terminar o jogo e quando estou perdendo eu vou jogar para poder superar o adversário. Já tivemos de sair perdendo, virar jogos, já perdemos duas partidas, as duas saímos perdendo. Jogador hoje comemora quando faz 50 jogos, então treinador também quando faz 50.”

Você já conseguiu essa fórmula… “o que tenho e o que penso para executar”?

“Esse é o grande desafio daqui. Hoje temos um nove de área, e eu não vou contar com ele em todos os jogos. Mas estamos atrás de outro nove, para manter o sistema de jogo. Se até o São Paulo está atrás de um nove, também temos direito de estar, mas é difícil você achar a peça que quer. Você tem que ir procurando e tendo paciência. Eu não tenho quem faz o que ele faz. Não posso mudar a característica de um atleta, tenho que mudar a maneira de jogar. Quando eu jogo contra times que eu tenho superioridade, eu vou jogar sempre para pressionar. Eu tenho zagueiros que jogam, tem um contra um. Correr riscos… Se você não correr riscos no futebol aí não tem graça. O meu jeito de jogar é para frente. Mas quando eu jogo com uma equipe que, em tese, é superior, eu tenho que armar um sistema de contragolpe. Eu tenho que ter discernimento para saber contra quem eu jogo.”

O futebol brasileiro conseguiu marcar melhor do que marcava, mas atacar pior do que atacava?

“Sim. Acho que o marcar muito melhor fez com que a gente não conseguisse atacar tanto quanto atacávamos antes.”

Como é que passa, joga, cria chance de gol?

“Gramado. A velocidade do jogo no Brasil, com exceção a quatro ou cinco estádios no Brasil, jamais terá a mesma velocidade de jogo na Europa. Não podemos comparar o nível dos atletas. Mas nós temos um orçamento de 750 mil por mês aqui, não preciso nem chegar no Barcelona. Agora, eu jogando no Castelão, meu time joga de uma maneira. Se eu jogar no Presidente Vargas, joga de outra maneira. É um gramado rápido, feito para Copa do Mundo, e um gramado de um estádio mais antigo, grama mais alta e pesada. Com exceção do estádio do Corinthians, Vila Belmiro… tem muitos da Copa que estão com gramado mal cuidado.”

Você acha que tem muito segredo no futebol que escapa?

“Todo mundo sabe fazer um comentário, mas você não sabe o segredo que existe atrás das câmeras. Eu sei falar de futebol, mas talvez se eu sentar atrás de uma câmera eu vou ficar pressionada. Talvez eu não tenha a velocidade de raciocínio para concluir um pensamento. Isso não quer dizer que eu não saiba fazer um comentário, mas eu não consigo me moldar rapidamente ao que você quer. E o futebol é a mesma coisa. Todo brasileiro gosta e entende de futebol, muitos não sabem executar, dar treino. Eu conheço um monte de gente fantástica, mas na hora de falar com o atleta, explicar um exercício, não vai. De futebol todo mundo entende. Devagarinho eu vou melhorando a cada dia, a cada treinamento, a cada desenho que eu faço. Eu toda noite vou lá e faço um desenho de treino.”

O treino tem que mostrar aos 30 atletas que todos são importantes, é difícil isso?

“É. Nosso caso não temos 30, e eu sou muito feliz em não ter. Prefiro trabalhar com um grupo de 22 ou 23 atletas de linha, é o ideal para você trabalhar. Primeiro porque você deixa menos gente descontente, e segundo porque você pode, quando o orçamento é baixo, elevar a faixa salarial e contratar melhores jogadores. Sim (isso serve para outros times), principalmente quando você tem uma boa categoria de base. O segredo é o investimento na base e ter 18, 19, 20 jogadores de alto nível. Você tem 30 jogadores, tem que ter no mínimo seis a nove jogadores feito na base. Aqui a gente vem jogando jogos mais espaçados agora, temos uma semana inteira de treino. Quando você joga de quarta a domingo, dá menos gente, dá lesão, cartão, é muito rápido. O ideal do calendário brasileiro é que você tivesse jogo domingo, quarta, domingo… E quarta vazia.”

O passo não foi maior que a perna?

“Não. Acho que foi a decisão mais correta que eu podia ter tomado, aceitar e me cercar de gente competente que pudesse me ajudar. Mas durou seis meses só. Não sai, sai com um enriquecimento muito grande. Como treinador eu só tive coisas boas, o resultado realmente, estávamos em 17º, mas a equipe iria sair da situação. Mas facilitaria muito mais se tivéssemos mantido o mesmo grupo que começou. O grupo patinou muito.”

Você teria dúvida de um técnico iniciante para tirar um time de uma zona de rebaixamento?

“De jeito nenhum. Comigo, com o Dorival ou com outro técnico aquele time não cairia. Era um time que tinha mais qualidade que outros elencos. Correu o risco, mas…”

Em momento nenhum você falou “hum o negócio tá feio”?

“Não, porque eu conheço o São Paulo.”

Quem te mandou embora?

“O presidente”

O que ele te disse?

“Nós decidimos trocar o comando técnico.”

Você esperava?

“Não esperava.”

O que você sentiu?

“Tristeza. Mas eu disse ok, só isso, agradeci. Eu fui (foi embora?), vou fazer o que? Como vou argumentar alguma coisa se o cara quer te mandar embora. O contrato era para ele não me mandar embora. Tristeza foi o sentimento maior. Mas eu entendo que quando você se sujeita a uma profissão como treinador, você pode passar por uma situação como essa. Mas o carinho pelo clube, pelo torcedor, pela entidade São Paulo Futebol Clube sempre será eterno. Foi onde me formei como ser humano, como homem e como atleta. Pessoas tomam atitudes e estão lá para tomar. Eu acho que eles erraram, acho que o presidente errou. Não tem justo ou injusto no futebol. De jeito nenhum (ficou com raiva do Rodrigo Caio?), Rodrigo é um menino ótimo, não tem nada a ver. Eu fui original, se eu fui mal ou não é como o justo e injusto, eu não faria.”

Falta alguém no futebol que cobre o treinador com bons argumentos?

“Com bons argumentos e conhecimento. Hoje talvez o São Paulo tenha na figura do Raí, do Ricardo, pessoas que jogaram e enxergar mais o futebol. Acho que é muito positivo você ter alguém para te supervisionar, questionar minimamente alguma decisão, mas quando ele vem de alguém que não tem conhecimento nenhum sobre futebol, aí fica complicado. O técnico não é absoluto. Um técnico não dura cinco meses em média no Brasil. Por exemplo, aqui temos um acordo de tentar trazer jogadores em comum acordo entre direção e treinador. Acho que esse é o mais importante. Treinador não deve ser acima de ninguém, agora, ele é o responsável quando entra em campo. Se você me perguntar se eu queria vender o Neris, Luiz Araujo, Thiago Mendes, Lyanco? Eu não queria. Aí chegam e falam que eu concordei. Claro, eu concordei, disseram vende o Neres ou o Araujo. Venderam os dois. Era para vender um em um ano e o outro em outro ano.”

E o Guardiola?

“O Guardiola é genial, ele é genial.”

Ele fala que você pode ganhar todos os campeonatos possíveis, mas quando você perder vão cobrar…

“Tem uma poesia gaúcha que fala que ‘a vida é um crédito aberto que é preciso utilizar, guardar dias para o futuro é sempre uma grande tolice, porque o juro é sempre a velhice, e dia que adianta esse juro, se é o índio mais queixo duro, o tempo amansa na sede e o gastar é o melhor remédio, no repecho ou na descida, porque na conta da vida não adianta saldo médio’ e isso é uma grande verdade. A vida é um crédito aberto todo dia que você tem que utilizar, você tem que viver. Você tem que aproveitar aqueles 90 minutos, porque eles não voltam mais. Você tem que fazer seu melhor a cada 90 minutos, a cada treinamento.”

Desempenho é mais importante que resultado?

“Depende. Para mim, você chegar as oportunidades de gol é mais importante do que eu fazer um gol ao acaso, uma bola parada, e ganhar o jogo. Ser superior ao trabalho nos quesitos principais do jogo, isso é o meu trabalho. Eu prefiro que esse gol me arrebente dessa maneira do que eu estragar o futebol. Prefiro que o futebol estrague minha carreira do que eu estragar o futebol. O Tite é um treinador fantástico, era o cara certo, vai fazer uma grande Copa do Mundo, entra como favorito e muito se deve ao resgate feito por ele. A Seleção joga um futebol convincente. Você acredita que pode ser campeão pelo que ele mostra dentro de campo. O Brasil é uma equipe que joga para frente, atacando.

Brasil é favorito na Copa?

“Eu vejo França muito forte. E aí tem os de sempre, Alemanha que tem que respeitar, Argentina… Surpresa acho difícil. Para mim eu acho que é Brasil, e o Brasil tem um azar desgraçado com a França, tem que torcer para não pegar.”

Messi, Cristiano Ronaldo…

“São caras acima da média. Pude ver eles trabalharem de perto. O Cristiano Ronaldo comemora gol em treino, é um cara que quer ganhar, nasceu com um talento fora de série. E o Messi é um gênio. No todo ele é o melhor. Ninguém fiz dez anos entre os dois melhores do mundo, e os caras lá.”

E os outros?

“O Neymar está sempre competitivo, e agora nessa última transferência ele se torna protagonista. Se o objetivo dele é se tornar o melhor do mundo ele tem que ser protagonista, é uma tentativa dele de subir. Vai depender muito para onde ele vai levar, da equipe dele. É um baita time. Agora deu azar de pegar a camisa mais pesada da Champions League.”

Você sonha com futebol?

“Eu não lembro dos meus sonhos, mas já chutei muita parede. Assistindo jogos, eu tô sentado no sofá, eles chutam a bola, sabe quando você mexe o braço? Quando tem um lance bem rápido, você ainda mexe. Todo mundo que jogou futebol ainda sonha como atleta. Como treinador você vice. O legal de ser treinador é que você começa sendo burro.”

Está acompanhando o futebol paulista?

“Eu vejo o Palmeiras, e era esperado, uma equipe que vem montando, remontando, fortalecendo, é natural que ele esteja destoando. O Corinthians eu vejo como natural essa oscilação. O Santos montou um novo time, mas é engraçado como consegue se reinventar. O campeonato regional, até chegar na semifinal, vai dar a lógica, que são os grandes. E o São Paulo que vem em um momento conturbado.”

O que é essa conturbação?

“O resultado quando não vem, é natural. Em clube grande, você joga oito rodadas no Paulista, perde quatro, ninguém quer saber. Mas hoje não estou mais lá dentro, não vou emitir opinião, hoje não posso te dizer do São Paulo.”

Não tem passado no futebol, quando se trata de respeito aos ídolos?

“Na política não existe passado. Quem é político faz política o tempo todo. Você tem que apresentar resultados, mas para isso tem que ter respaldo, atletas… se você não tem dinheiro, acho que já tem que ter uma gratidão muito grande com quem ousou a fazer isso. Você tirar cinco jogadores titulares praticamente, o Neres vem fazendo sucesso, vende a velocidade do Luiz Araújo, vende o box to box do Thiago Mendes, aí você quebra qualquer conceito que tem dentro do futebol.”

Ficou ressentimento?

“Não é crítica. Você veio até aqui, se você perguntar do São Paulo até aqui eu preferiria não tocar no assunto, mas eu não vou deixar de responder você que veio de São Paulo. Juro mesmo, acho que foi conduzida de maneira errada a situação, o time foi desmanchado no meio do campeonato… se eu gostaria que o trabalho tivesse continuado? Pô, pelo amor de Deus. Se o trabalho ia dar certo? Com certeza, desde que fossem contratadas peças certas. Agora, eu não aceito contratar um jogador que eu não quero por exemplo. O São Paulo me deu a condição de viver, eu não vou gastar dinheiro em um jogador que não vai ser útil. Eu prefiro falar. Vai trazer um jogador, não vou utilizar, para que vou gastar esse salário? Eu cuido do São Paulo. É que nem se eu pegar seu carro emprestado, não vou passar num buraco cheio da água, vou tomar cuidado. É você querer o bem do clube, a saúde financeira, e disso eu não abro mão.”

Volta para lá?

“A gente nunca sabe, quem sabe. É igual ao do São Paulo o Fortaleza, bonito, tricolor.”

Com a molecada é difícil de lidar?

“Não. Difícil é lidar com jogador que não tem qualidade, seja novo ou velho. Jogador bom é sempre fácil de lidar. Se puder unir os dois, eu prefiro que tenha vontade de vencer. Se ele for só talentoso, não tiver desejo, alma, coração, eu prefiro que tenha alma e coração. Em algum momento vou achar os dois.”

E o Neymar?

“Depende do intuito que ele queira para a carreira. As decisões que você toma podem ser pessoais ou você pode tomar uma decisão que seja pensando no todo. Isso é besteira (pênalti com Cavani), tem que bater quem o treinador determinar. No último jogo nosso o Bruno ia bater e o Gustavo quis bater, ele não é o batedor. Na hora do jogo não vou falar nada, na reapresentação vou dizer que ele não é, para na próxima vez ele deixar o jogador. Na área, é ele, no pênalti tem alguém na frente dele. Você tem que trabalhar com alguém que lute pelo prato de comido, luta por aquilo no dia a dia, isso é legal.”

Como é trabalhar nesta era da internet?

“Para quem analisa ou deixa de analisar, o que vale é minha convicção. Eu não leio comentários, jamais vou me basear em um comentário da internet para uma escalação de jogo, uma troca de jogador… se eu não tiver essa capacidade, desculpa, não tenho capacidade para ser treinador. Eu leio notícias, mas não comentário.”

Quem é o goleiro da sua vida?

“Se for buscar lá no passado, Dasayev , foi um grande goleiro que vi jogar. Foi quando eu comecei a ver Copa do Mundo, não vi o Yashin jogar por exemplo. Dino Zoff, baita goleiro. Aí você vem para uma geração mais nova, Buffon, Neuer. Mas eu gosto muito dos goleiros modernos, vejo o Ederson fazendo um grande trabalho no City e desenvolvendo um jogo muito bom com os pés. Eu acho que ainda é Alisson, está muito bem na Roma. São esses dois e mais um, tem no mínimo cinco ou seis mais um.”

Um técnico

“Ancelotti ou Mourinho.”

Qual zagueiro você queria ter na sua defesa a vida inteira?

“Eu gosto muito do Miranda. Ele tinha um ótimo jogo um contra um, não é um excelente cabeceador, mas é um jogador muito confiante. Eu fui campeão porque os zagueiros eram muitos bons.”

Um atacante?

“Romário. Acho que ele era um cara, dentro da área, diferente. Sabia finalizar como poucos.”

O gol que você evitou?

“O mais importante, contra o Liverpool talvez. É emblemática. É como o Dasayev para um garoto que assistia a Copa do Mundo.”

E o gol feito?

“O mais importante para mim foi o primeiro, contra o União São João em Ararás. Sem ele, naquele momento, talvez não teria existido essa história. Foi o Muricy, não sei como ele fez isso.”

Um gol que você queria fazer

“Se eu tivesse habilidade para fazer o gol do Roberto Carlos contra a França, ou do Nelinho, aquele contra a Itália. Se eu tivesse a habilidade de bater na bola dessa maneira. Nunca fiz gol batendo por fora da bola. Um chute com o pé invertido.”

O maior batedor

“Do futebol moderno eu diria que o Juninho Pernambucano. Jeito de bater, sem distancia, um metro da área ou a quinze metros, com força ou com jeito, de algum jeito ele te dava trabalho. Outro cara que eu escolheria é o Zico.”

O jogo da vida

“Tem um jogo apaixonante, que eu não ganhei nada, paramos na semifinal da Libertadores. Foi a volta do São Paulo a Libertadores em 2004. Foi o jogo mais marcante para mim na história do Morumbi. Nós vencemos o Rosário Central por 2 a 1, você narrava o jogo, uma vitória nos pênaltis por 5 a 4, viramos o jogo. Nos pênaltis nós perdíamos por 4 a 3, faltava duas penalidades, eu tinha que pegar o pênalti e fazer para levar para as alternadas. Fiz, peguei, foi para as alternadas, Gabriel faz o gol e eu pego novamente. Aquele dia eu podia ver as pessoas se abraçando e chorando. Agora, o jogo mais marcante para mim é São Paulo e Guaraní, esse sem eu estar jogando. Gol do Careca de perna esquerda. O jogo mais emocionante.”

Defina o São Paulo em poucas palavras

“Para mim o São Paulo é o grande sentido da minha carreira no futebol.”

A música do Rogério

“Putz meu, eu escuto de tudo. Desde o bom e velho Rock and Roll, AC-DC, Pink Floyd, Dire Straits, até Raimundos, Fagner, Belchior, Zé Ramalho. Eu gosto muito da música mais antiga. Tenho 45. Mas gosto muito das músicas das décadas de 70.”

O recado do Rogério para o nosso país e futebol

“Que as pessoas que comandam o futebol brasileiro pudessem pensar com carinho no futebol em si. As melhorias que podem ser feitas nos estádios, gramados, administrativamente. Pensar no futebol como o maior meio de entretenimento desse país. Lógico que são negócios, mas quem comanda que visse que é o maior meio de entretenimento do mundo, do nosso país nem se fala. Que o futebol fosse bem realizado, investisse na parte estrutural. Esses dias teve a questão do árbitro de vídeo… ah, mas custa. Não custa. Tudo que vem para o bem do futebol não custa, porque é diluído para 200 milhões de pessoas, qualquer coisa que for para o bem do futebol tem que ser feita e aprovada.”

Cléber Machado entrevista Rogério Ceni (Foto: Vanessa Santilli)

Cléber Machado entrevista Rogério Ceni (Foto: Vanessa Santilli)

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