Opinião: Jardine e as contradições de um São Paulo que precisa ir ao divã

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GloboEsporte.com

Alexandre Lozetti

Tricolor aposta em boas ideias, mas exige respostas rápidas contra pior momento de sua história. Incompatibilidade entre expectativa e realidade pode fazer nova vítima.

 

O São Paulo é um dos melhores idealizadores de projetos do futebol brasileiro e um dos piores executores. A planta é linda. A obra é um caos. A efetivação de André Jardine é mais um desenho bonito cuja realidade tem tudo para ser bastante diferente do papel.

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Desde meados de 2015, o São Paulo entregou sua equipe em mãos interessantíssimas – e outras nem tanto. Destacam-se Juan Carlos Osorio, Rogério Ceni e agora Jardine. Todos eles com a mensagem clara de um futebol agressivo, de proposição e imposição de ideias sobre os adversários, de alcançar vitórias pelo caminho mais prazeroso, e não pelo mais fácil.

Só que com apenas um título em 10 anos, o São Paulo exige respostas rápidas para encerrar sua fila agonizante. O perfil de profissional escolhido não é compatível com as metas. Erro básico.

Osorio havia tido êxito nessa experiência, em contexto absolutamente diferente, no seu país, num clube plenamente bem resolvido com suas ideias, o Atlético Nacional; Ceni jamais havia treinado um time; Jardine é um vencedor na base, realidade completamente diferente do futebol profissional de milhões de euros, mimos e pressões.

Ao anunciar que Jardine será o técnico do São Paulo em 2019, Raí fala em “convicção” e “conceitos’. Difícil acreditar. A temporada de 2018 também começou assim, com revelações de Cotia que duraram nada mais do que uma derrota no Paulistão, e nunca mais voltaram. Convicção? Conceitos?

O São Paulo vive o período mais perdedor de sua história. Tem uma final disputada em 10 anos, a do único título, a Sul-Americana de 2012. Todos os demais grandes chegaram e ganharam mais.

Juan Carlos Osorio durou pouco no São Paulo — Foto: REUTERS/Kai Pfaffenbach

Juan Carlos Osorio durou pouco no São Paulo — Foto: REUTERS/Kai Pfaffenbach

Outros incômodos jejuns do Tricolor ocorreram em períodos de enriquecimento patrimonial: a construção e a reforma do Morumbi. Dessa vez, são os rivais que crescem, em patrimônio, dinheiro e conquistas. Corinthians e Palmeiras venceram os últimos quatro Campeonatos Brasileiros, o que amplia a agonia são-paulina a cada ano, mês, semana, dia sem título.

Eleger um técnico de 39 anos, e novato em times profissionais, para quem busca respostas a curtíssimo prazo, parece mais uma incoerência de um clube que não sabe o que quer, não sabe quem é e nem onde quer chegar.

Além das centenas de jogadores e treinadores contratados, emprestados, vendidos e chutados nos últimos anos, o São Paulo precisa de um divã. Hoje, ele é Ruth e Raquel ao mesmo tempo – quem não entendeu, vá ao Google e pesquise “mulheres de areia”.

Jardine não é o problema. Ele parece talentoso. Algumas de suas ideias já se mostraram, especialmente contra o Sport, embora remendadas num time que chegou à penúltima partida do ano tendo de recorrer a garotos para tentar o G4. O problema é o São Paulo, que não entrega um trabalho linear ao seu funcionário e não se mostra preparado para esse tipo de projeto.

Ceni também era talentoso e seu trabalho teve duas etapas: a primeira com buracos defensivos, mas insinuante, bonita e eficiente do meio para frente; a segunda solidificou a zaga, mas tornou o ataque estéril. Tudo isso em seis meses. O técnico estreante, ídolo eterno, não teve tempo para buscar o equilíbrio. Sorte do Fortaleza.

Rogério Ceni foi campeão da Série B com o Fortaleza — Foto: LC MOREIRA/ESTADÃO CONTEÚDO

Rogério Ceni foi campeão da Série B com o Fortaleza — Foto: LC MOREIRA/ESTADÃO CONTEÚDO

Osorio trocava jogadores, sistemas de jogo e fazia o São Paulo jogar invariavelmente bem em meio ao desmanche promovido por uma diretoria que caiu por suspeitas de corrupção. Foi repreendido pelo presidente por WhatsApp. E não era “fake news”.

Esse é outro risco do novo técnico: tornar-se mais um messias, desses que o São Paulo endeusa nos primeiros meses, a ponto de considerá-lo a solução dos problemas, depois começa a encontrar defeitos e torná-los públicos, já construindo a justificativa para se desfazer dele pouco depois. Foi assim com Ceni, Dorival, Aguirre, Maicon, Pratto, até com dirigentes, e por aí vai.

O São Paulo não precisa de um novo messias. A missão é construir um entorno que permita a Jardine dar boas respostas no menor tempo possível. Não repetir erros anuais é um bom início:

  1. O elenco precisa ter jogadores vitoriosos, acostumados às taças, e que se encaixem na proposta de jogo do técnico;
  2. Esse elenco deve durar toda a temporada, e não ser retalhado no meio do ano. A saída de jogadores que não são protagonistas cria desequilíbrio, um abismo técnico entre titulares e reservas e promove estreias quase mensais, em busca de soluções .

Falamos só de futebol. Os problemas do São Paulo vão muito além das linhas. É um clube de mais de 15 milhões de torcedores, cujo presidente foi eleito com 124 votos. Leco insiste em governar para acomodar os 0,0007% de são-paulinos que o levaram ao poder, os conselheiros, também conhecidos como atrapalhadores oficiais.

Até aqui, Leco, assalariado por uma determinação interessante de um estatuto que também é mais bonito no papel do que na prática de jeitinhos, apenas ocupou sua cadeira. Faltaram coragem e competência para tornar seu mandato um momento de transformação de um clube viciado em velhos hábitos e que, hoje, dentre os grandes, está longe de ser o primeiro.