Além das expectativas

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UOL

Beatriz Cesarini e Pedro Ivo Almeida


Grafite, o jogador que começou no futebol apenas aos 22 anos, hoje é revelação como comentarista na TV

Rodrigo Castro

Que jogador se dá bem com uma carreira que começou aos 22 anos de idade? O Dina conseguiu, mas você não o conhece assim. Atacante, foi campeão da Libertadores, do Mundial de Clubes e do Campeonato Alemão. Hoje, faz sucesso no SporTV. Dina, no caso, é mais conhecido como Grafite.

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O início foi tardio, mas pensa em uma experiência acelerada… Matonense, Ferroviária de Araraquara, Santa Cruz, Grêmio, Anyang Cheetahs e Goiás. Parece o currículo da carreira inteira de um jogador, mas foram os primeiros quatro anos de Grafite como profissional.

Depois de pular de time em time, Grafite finalmente chegou para ficar no São Paulo em 2004 e estourar no futebol brasileiro. Depois da enxurrada de clubes veio a enxurrada de títulos. Em apenas um ano, conquistou Paulistão, Libertadores e Mundial e chegou à seleção brasileira. Foi para a Europa e convocado para a Copa de 2010.

Grafite parou de jogar no ano passado. E aí mais uma trajetória corrida. Descobriu que tem talento como comentarista e se tornou revelação do SporTV. Grafite mudou de nome de novo e agora é Graffa para os amigos da TV. Desacelerar só no tom de voz. Em conversa com o UOL, fala sobre a nova carreira, pizzas embaixo do braço e como é difícil criticar seus antigos companheiros boleiros.

Com pouco tempo de aposentadoria dos gramados, e amigos do outro lado, Grafite é cauteloso ao comentar atuações dos jogadores. Até porque não gostava de ouvir críticas.

“Na maioria das vezes, procuro ver o que passa na cabeça do jogador. Entendo o que passa com torcedor também. Me profissionalizei com 22 anos e até 21 frequentava estádio, sei o que passa, já xinguei muito. Consigo fazer essa distinção”, disse Grafite.

“Procuro manter o padrão formal. Não quero ser o que fica em cima do muro. Se tiver que falar, vou falar. Mas vou procurar fazer o melhor, mais justo, para não denegrir imagem porque somos geradores de opinião. O que falo, às vezes, repercute. O torcedor está em casa, ouve, vai ao estádio e comenta ‘Ah, o Grafite falou que esse jogador não presta para jogar em Flamengo, São Paulo, Corinthians’. Tem que ter discernimento porque atrás do jogador de futebol tem um cidadão, um pai de família, um filho de alguém, um pai, um irmão”.

AFP

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O cara que nunca jogou, eu respeito a opinião como jornalista. Julgar com estatística, saber jogadores do passado que foram melhores que eu. Saber se meu momento é ou não é bom. Mas o fato de não ter vivido ali dentro, o jogador de futebol não aceita. Eu, quando jogava, não aceitava

Grafite

Rodrigo Castro

Rodrigo Castro

Assim que parou de jogar, Grafite não tinha certeza dos próximos passos que daria na vida. Empresário, dirigente, técnico… Nenhuma área atraiu o ex-jogador. A vontade de ficar mais tempo com a família depois da vida agitada, somada a um incentivo de um repórter de Recife, fez Graffa pensar na carreira de comentarista. 

Ele, então, topou fazer participações como comentarista em jogos transmitidos pela Globo Nordeste e, com isso, despertou o interesse do SporTV.

“Acho que o pessoal daqui já tinha interesse de que eu viesse pra cá por eu ser um jogador conhecido, falar bem, me expressar bem. Sempre tive bom relacionamento com todo mundo da imprensa durante minha carreira. Sempre solícito na maneira que eu podia, dentro dos limites do clube… Acho que casou. E eu sempre acompanhava. Mesmo jogando fora do país, acompanhava o futebol brasileiro, via entrevista pós-jogo. Sempre fui muito comunicativo. Vem dando certo e tenho muito a aprender”.

No quesito desenvoltura e boa expressão, Grafite sempre foi craque. Mas o tom de voz suave e tranquilo se tornou um obstáculo. “George Guilherme, diretor da Globo Nordeste, me convidou para fazer alguns jogos e ele falou que levava jeito: ‘Você é um pouco tímido, fala para dentro, tem que falar mais para fora e expressar melhor’. Teve jogo que saiu gol, o narrador com a voz bem alta, e eu entrei com o comentário na voz bem baixa. ‘Não, você tem que entrar mais alto’. E esse timbre aprendi bastante com o [narrador Gustavo] Villani durante a Copa”, contou Grafite.

Reprodução

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Foi durante o Mundial da Rússia que Grafite se destacou: após a estreia do Brasil, o ex-jogador entrou para os comentários pós-jogo e surpreendeu com a análise sobre o gol marcado pela Suíça no empate por 1 a 1.

“No lance em que o Brasil tomou gol, o pessoal estava falando que o Alisson tinha falhado. Aí o Villani perguntou para mim a minha opinião e falei: ‘Vila, acho que o Alisson não falhou porque aquela bola, quando passa baixa no primeiro pau, não dá tempo de o goleiro sair. E ali começou. Fui ali no telão explicar, de última hora, improvisado, tropeçando. Quase caí e aí deu certo”.

Acho que eu correspondi à altura. Fui até um pouco além das expectativas que eles imaginavam, porque foi tudo muito rápido o que aconteceu na Copa

Grafite

Arquivo Pessoal

Arquivo Pessoal

Grafite não é fã das redes sociais. Criou uma conta no Instagram depois de muita insistência da filha. Mas a rejeição não é um capricho. O ex-jogador sofreu um trauma ao vivenciar o sequestro da mãe em 2005, quando atuava pelo São Paulo.

“Às vezes, o cara até deixa de falar o que sente e pensa por causa das redes… Tomo muito cuidado com isso. Eu não gostava de expor família. Já tive problema de sequestro. Minha mãe foi sequestrada quando eu estava no São Paulo e nunca gostei de expor o que tinha ou o que gostava de fazer, porque atrai atenção”, relembrou.

Ilma, a mãe de Grafite, estava em sua casa em Campo Limpo Paulista quando foi surpreendida por três homens e levada para um cativeiro na zona rural de Artur Nogueira, município de São Paulo. A polícia conseguiu encontrar, no dia seguinte, o local onde os bandidos mantiveram a dona de casa e fizeram o resgate.

Me profissionalizei com 22 anos e até 21 frequentava estádio. Sei o que passa dos dois lados. Já xinguei muito”.

De certa forma, o lado comentarista de Grafite aflorou antes mesmo de ele se tornar um jogador profissional. Até os 21 anos, Dina ia ao estádio de futebol e cornetava muito, como qualquer torcedor comum.

Grafite começou a carreira no interior de São Paulo, na Matonense, e se profissionalizou tarde, aos 22 anos de idade, quando já estava quase sem esperanças de seguir carreira no futebol. Com isso, o ex-jogador não passou por categorias de base. Tudo o que aprendeu sobre a modalidade veio da várzea, da pelada com os amigos.

Enquanto fazia testes nos clubes paulistas, Grafite vendia sacos de lixo e recebia não atrás de não. Ele tentou a sorte no Juventus da Móoca, no Nacional da Comendador Souza… E foi assim até os 22 anos de idade, quando conseguiu uma vaga na Matonense.

Taís Vilela/UOL

Taís Vilela/UOL

“Quando recebi este apelido não gostei. Quem deu foi o Estevam Soares. Ele falou: ‘Qual seu nome?’. ‘Meu nome é Edinaldo’. Ele mandou: ‘Você não tem apelido, não?’. ‘O pessoal me chama de Dina’. ‘Ah, mas Dina é meio meigo, não é não? Acho que não vai vingar no futebol. Nem liguei.

Aí ele: ‘Grafite’. Eu perguntei por que Grafite. ‘Porque eu joguei com um cara parecido com você. Tinha altura e era bem magro’. Começou Grafite, os caras tirando onda, brincando. Quando você não gosta, o apelido pega, não adianta. Apelido marcante. Quando a pessoa ouve, não esquece do Grafite.

Lembro até hoje do primeiro gol pela Matonense passando no Globo Esporte. Na época, a apresentadora era a Milena Ceribelli. Foi contra a Ponte Preta. E ela falou: ‘O Grafite fez o gol da Matonense. Isso mesmo que vocês ouviram: Grafite’. Até hoje não esqueci disso. Marcante”.

Após fazer um ótimo Campeonato Brasileiro com o Goiás treinado por Cuca, Grafite foi contratado pelo São Paulo em 2004. Finalmente viu seu nome ficar em evidência no cenário do futebol nacional. Na agremiação da capital paulista, ele conquistou o Campeonato Paulista, a Copa Libertadores e o Mundial de Clubes em 2005. Virou ídolo.

Graças às glórias no São Paulo, Grafite alcançou um sonho: a convocação para a seleção brasileira em maio de 2005. Seu nome uma surpresa. Ronaldo pediu dispensa da Copa das Confederações para Carlos Alberto Parreira. O técnico, porém, decidiu cortá-lo já na partida das Eliminatórias. Assim, Dina vestiria a camisa canarinho pela primeira vez. Mas tudo foi por água abaixo.

Grafite lesionou o joelho em um duelo contra o Palmeiras na Copa Libertadores. Seguiu treinando e jogando até que em um confronto contra o Tigres, a articulação não aguentou e o ex-jogador deixou o gramado às lágrimas.

Roth, Gustavo/TBA/FOLHA DE S.PAULO

Roth, Gustavo/TBA/FOLHA DE S.PAULO

Em um dos seus melhores momentos, Grafite precisou ser submetido a uma artroscopia, mas quando voltou da operação, descobriu que a situação era pior: o ligamento cruzado estava rompido – lesão que tiraria qualquer jogador de campo por meio ano.

“Quando abriu o joelho e puxou, meu cruzado veio todo. Aí teve que abrir mais e refazer o cruzado. Voltei a jogar em quatro meses e 28 dias. Era para ser seis meses. E voltei a jogar nas últimas três rodadas do Brasileiro e fui ao Mundial. Fui o único jogador do banco que entrou durante os jogos”.

Após o Mundial, veio uma proposta do Le Mans, da França, e chegou a hora da despedida. Foi um período conturbado. A diretoria tricolor não cobriu a oferta dos franceses – um salário cinco vezes mais alto em três anos de contrato.

“A negociação foi meio malconduzida pelo pessoal [os seus empresários]. Fizeram mais às escondidas do São Paulo, porque eu tinha multa rescisória baixa. Se depositassem, eu poderia sair. O Le Mans fez o depósito e aí foi a bronca toda. Não culpo eles também, porque eram meus empresários, procuraram fazer o melhor para mim. Aí os assessores marcaram entrevista e foi um jogando no outro a culpa. São Paulo para o meu lado e eu para o lado do São Paulo”, explicou.

Então presidente, Marcelo Portugal Gouveia disse que o atacante era “ingrato e demonstrou mau-caratismo” no episódio. “Não me arrependo de ter ido, mas da forma como tudo foi conduzido. Má- condução do meu lado, o São Paulo tentando se defender. Naquele momento, eles tinham o Amoroso, tinham contratado o Aloísio, eu não sabia se iria jogar, se iria vir outra proposta, eu ainda não tinha feito a minha independência financeira… Enfim, foi uma negociação meio conturbada”.

AP Photo/Joerg Sarbach

AP Photo/Joerg Sarbach

AP Photo/Joerg Sarbach

Após atuar por uma temporada na França, Grafite chegou no Wolfsburg em 2007 para cair nos braços da Alemanha. O ex-jogador atingiu o auge da carreira no futebol europeu: foi artilheiro e melhor jogador na conquista do primeiro Campeonato Alemão da história da equipe. Além disso, o ex-atacante garantiu o prêmio de gol mais bonito do time em uma votação realizada pelos torcedores em abril de 2009.

“Eu era o grande nome brasileiro na Europa. Marquei 28 gols, fiquei a quatro, acho, da Chuteira de Ouro [Messi foi o vencedor da temporada com 34]. Tive perto de ir para o Liverpool naquele ano, um ano bom para mim, fantástico”, relembrou.

Veio, então, mais uma convocação para a seleção brasileira, desta vez para um amistoso – após corte de Luis Fabiano. No ano seguinte, veio a convocação para a Copa do Mundo de 2010. Mas Grafite não era o mesmo de 2009.

“O grupo vinha com Dunga desde o pós-Copa de 2006. Eu cheguei depois e já não era o mesmo. Não estava naquele ápice técnico, tático, até porque o Wolfsburg já não estava naquele mesmo nível. E ainda não vinha treinando bem. O Dunga fazia muito coletivo, não tinha muitas alterações durante o treinamento. Luis Fabiano estava bem, o Robinho também e eu e Nilmar éramos opções”.

Eduardo Knapp/FOLHAPRESS

Eduardo Knapp/FOLHAPRESS

Em uma rádio, um comentarista disse que ‘não pode, Grafite na Copa não existe’. O Neymar e o Ganso estavam surgindo. Não eram o que são hoje, mas a minha vaga e a do Júlio Baptista, na cabeça das pessoas, eram deles

Grafite

Foram críticas duras, mas eu estava com 31 anos, era experiente. Se tivesse 20, 22 anos, eu não assimilaria da maneira que assimilei. Minha chance era mínima. Aquela vaga era do Adriano. Não tinha como dizer que não era

Grafite

Foi pesado, mas tranquilo. Estava extasiado: vou jogar uma Copa do Mundo, estou entre os 23 que vão defender o Brasil. Nem liguei para isso

Grafite

As diversas lesões fizeram Grafite decidir dar um ponto final na carreira de jogador de futebol profissional em 2017. O ex-atacante não aceitou jogar ‘mais ou menos’: sabia que, sem estar no auge físico, não poderia cumprir com as expectativas.

“Fui duas vezes eleito o jogador estrangeiro do ano nos Emirados Árabes [jogando por Al-Ahli e Al Sadd]. Quando voltei ao Brasil em 2015, 2016, no Santa Cruz… [Foram] umas sete lesões musculares. Aí veio a lesão no Atlético-PR, também. Rotina muito desgastante. E estava sendo muito sofrido treinar para poder jogar bem. Aqui no Brasil, você sabe: por mais que tenha nome, se você não jogou bem, não marcou gol, esquecem o que você fez. Isso não influenciou, mas não conseguia corresponder à altura o que esperavam de mim. Achei melhor parar. Não ser aquele negócio de ‘os caras pararam com o Grafite'”.

Taís Vilela/UOL

Taís Vilela/UOL

Ser empresário, dirigente ou comentarista, era uma dessas frentes. Treinador não dá para mim, não. Comandar vestiário não é fácil. Aí começou a surgir coisa de empresário, mas com todo respeito, existem os de muito caráter, virtude, mas outros são aventureiros e atravessam negócio mesmo. E lidar com jogador não é fácil, principalmente os mais novos, meninos que já querem ter aquele carro, quero isso, quero aquilo, ligando. Não tenho paciência

Grafite