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Celso Paiva e Diego Salgado
Um mergulho no mundo de Aloísio Chulapa, herói do futebol, mito do Instagram e astro de reality show
Lucas Lima/UOL
Todo mundo acha que Aloísio Chulapa é folclore. É verdade, mas não é só isso. Por trás do homem que deu um novo significado ao “danone” existe um homem que comprou o clube de sua cidade em que foi proibido de entrar quando era criança. Tudo para que outros garotos não sofressem, como ele sofreu, preconceito.
Em quase duas horas de entrevista ao UOL Esporte, Chulapa repetiu bordões criados por ele, esbanjou o carisma que todos conhecem e relembrou momentos marcantes da vida, muitos deles dramáticos, mas disfarçados pelo sorriso fácil e constante. O ex-jogador de 44 anos falou sobre infância, começo da carreira e causos no futebol.
Emocionou-se ao falar da relação com o pai, vivida sempre em Atalaia, Alagoas, lugar onde a felicidade é vivida plenamente mesmo depois de tantas andanças pelo mundo. De São Paulo a Paris, de Goiânia a Kazan, de Curitiba ao Rio de Janeiro.
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O pai do danone não é Chulapa. E, pasmem, anos atrás nem Chulapa sabia que a famosa marca de iogurtes é sinônimo para a popular cervejinha. O termo lhe foi apresentado em 2008 por Adriano Imperador, logo em sua chegada ao São Paulo. À época, a dupla se reencontrou depois de pouco mais de uma década – os dois chegaram a morar juntos no Morro da Viúva, prédio em que os jovens do Flamengo ficavam alojados.
Empolgado, Adriano chamou Chulapa para ir a um bar depois do treino e lembrar dos tempos mais difíceis. E citou “danoninho com colarinho”, confundindo o amigo de longa data.
“Eu perguntei ‘Que danone? Vamos tomar uma cervejinha’. Ele disse: ‘Esse é o danone mesmo’. Dali pegou. Eu levei o danone para Atalaia. Eu estou mais famoso com o danone do que quando eu jogava, para te falar a verdade, mas foi ele que inventou esse negócio do danone”, relembrou Chulapa.
Segunda não dava pra beber, principalmente quando o jogo era quarta. Quando não tinha jogo quarta, só no fim de semana, na segunda você dava descansada, na terça também. Aí tinha quinta e sexta pra tomar. Agora, tem gente que quer beber terça, quarta, quinta, sexta. Vai render como?
Aloísio Chulapa
De vez em quando, eu dava uma exagerada porque tava muito boa. Aí o papai Muricy já sabia. Quando eu chegava no dois toques, que era sábado de manhãzinha, era só o dois toques, ele olhava pra mim e já me via segurando na trave, quietinho. Ele: “Vai pra muscula e corre pra mim no domingo”
Aloísio Chulapa
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Chulapa vive confortavelmente ao lado da esposa e dos três filhos – o quatro nascerá em abril. O ex-jogador também ajuda a mãe, o irmão e a irmã, que moram todos em casas próprias. Mas o próprio Chulapa admite que poderia ter muito mais dinheiro se não fossem as noitadas regadas a danone.
Durante toda a carreira, Chulapa conseguiu salvar metade do salário para investir em imóveis. A outra metade era gasta em festas. Segundo ele, o valor total perdido foi alto. Uma das farras, segundo ele, custou “seis meses de danone“.
Eu perdi muita coisa. Acho que uns R$ 10 milhões. Em tudo, em geral. Eu aproveitava a vida mesmo. Por exemplo: se eu ganhava R$ 400 mil, R$ 200 mil eu farreava, R$ 200 mil eu investia. Eu era essa pessoa e só. Não tinha ninguém, como hoje os jogadores têm pessoas e tal. Eu cuidei da minha vida só”.
Reprodução/Play Plus
O carisma de Chulapa rendeu dois convites para participação em reality shows, ambos da TV Record, em 2018. O primeiro foi o Power Couple Brasil, com a presença da esposa Luisa. Embora a eliminação do casal tenha sido precoce, o ex-atacante se diverte com a série de gafes cometidas. Em uma das disputas com perguntas e respostas, ele chegou a errar o nome da companheira, ao trocar a letra “s” pela “z”. Ainda chamou o filme “Titanic” de “Titanigui”.
E a minha sogra, que eu dei 27 anos? Você não lembra dessa, não? Eu inventei lá. Ela disse: ‘nossa, ele me deixou bem nova'”.
O clima, porém, muda quando o assunto é o segundo reality show: A Fazenda. Apegado à família, Chulapa não tem tantas lembranças agradáveis da sua participação no reality rural. O ex-atleta passou cinco semanas confinado e sentiu falta da rotina – dez dias antes de entrar, soube que a esposa estava grávida, mas não pôde desistir porque já havia assinado o contrato. Até o futebol fez falta.
A situação mais complicada foi criada após boatos de uma relação com a cantora Perlla, eliminada do programa uma semana antes de Chulapa. A aproximação dos dois no reality fez o marido da artista ligar para a esposa de Chulapa, que atribuiu o problema à maneira como se comporta.
Ricardo Nogueira / Folha Imagem
Sete anos separam Adriano de Chulapa. Quando se viram pela primeira vez, no Morro da Viúva, o Imperador, segundo as palavras de Chulapa, era uma criança. As andanças pela concentração aproximaram os dois jovens. A união se consolidou nos tempos de São Paulo e ganhou ainda mais força nos últimos anos.
“Até hoje nós somos como irmãos de sangue. Quando a gente se vê, não desgruda um do outro, fica de meio-dia até meio-dia do outro dia por perto, tomando nosso danone e lembrando todas as histórias, de todas nossas épocas. É uma pessoa maravilhosa”, ressaltou Chulapa.
Para Chulapa, Adriano era o nome certo para comandar o ataque da seleção brasileira na Copa 2014, pois mão havia um jogador que “colocasse medo” nos adversários – Ronaldinho Gaúcho também poderia fazer esse papel, segundo ele.
Apesar do período de inatividade, Chulapa ainda crê no retorno do atacante de 37 anos ao futebol. E viu tal vontade estampada na cara do companheiro durante a partida festiva de Zico em dezembro passado, no Maracanã.
“Depois do jogo, senti ele emocionado com a torcida gritando o nome dele: ‘O Adriano voltou’. Ele fica emocionado. Sente que um dia ainda vai voltar e escutar isso”, disse. “Mas tem que pensar direitinho. Se vai voltar mesmo, pra torcida, pra dar alegria, pra fazer os gols que ele faz. Talento ele tem. Um chute que não tem igual”.
Antônio Gaudério / Folhapress
Doze anos antes de virar uma peça fundamental na conquista do tricampeonato mundial pelo São Paulo, em Yokohama, no Japão, Chulapa viveu uma situação inesquecível como torcedor do clube. Aos 18 anos, ele era garçom em uma churrascaria de Atalaia e assistiu à vitória são-paulina sobre o Milan com uma bandeja à mão, entre um atendimento e outro. No gol do bicampeonato mundial, marcado por Muller já na reta final do jogo, a empolgação traiu o futuro atacante.
“Eu gritei gol e a bandeja com cerveja e tira gosto caiu em cima dos clientes. O dono da churrascaria ficou bravo, mas não quis nem saber. As bandejas voaram, o danone melou todo mundo”, diverte-se.
Aliás, foi justamente o time do começo dos anos 1990 que fez a paixão pelo São Paulo se fortalecer a ponto de ser imune ao lado profissional. Naquela época, em que o ofício de jogar futebol parecia inatingível, a linha montada por Telê Santana e o toque de bola encheram os olhos do jovem Chulapa. Em 2005, o sonho de menino de Atalaia virou uma doce realidade vívida até hoje.
Não dá para acreditar. Eu estava ali em Atalaia vendo lá no Japão o São Paulo sendo campeão mundial e depois de um tempo estou lá, dando passe à la Ronaldinho para o Mineiro. Tem noção de uma coisa dessa?”
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A irreverência de Chulapa é quase perene, mas dá lugar às lágrimas quando fala da relação com o pai. O assunto é um calcanhar de Aquiles do ex-jogador, que viu o chefe da família, como ele mesmo se refere, morrer após um ataque cardíaco em casa. Ele tinha 13 anos e perdeu também a referência na juventude.
Àquela altura o futebol não era prioridade, pois Chulapa ajudava a tocar o negócio que sustentava a família – eram quatro filhos. “A gente acordava às 4h para o meu pai matar e cortar um porco. Eu e meu irmão saíamos de casa em casa entregando para as pessoas que já tinham encomendado”, relembrou.
A morte do pai fez as dificuldades aumentarem. Chulapa e os dois irmãos viram, então, a mãe arregaçar as mangas e encarar dois empregos para que nada faltasse. Ela trabalhava como merendeira numa escola e fazia bico numa churrascaria – boa parte do alimento da família vinha das sobras deixadas por clientes.
Os filhos também foram à luta. Chulapa, por exemplo, trabalhou em uma usina de cana de açúcar. O salário, segundo o ex-atacante, dava para fazer “duas feiras”, que eram essenciais para o bem-estar familiar.
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Embora sempre estivesse distante de virar um jogador futebol profissional, Chulapa nunca deixou de correr atrás da bola. Na escola, os livros eram deixados de lado para que o recreio durasse mais. Quando a usina de cana virou seu habitat, o time do trabalho alimentou o sonho de ganhar dinheiro como atleta.
“Eu fui contratado para trabalhar lá porque tinha de jogar na equipe”.
Chulapa, porém, foi demitido e, em meio ao desespero da mãe, viu um amigo o salvar. “Não demorou dois dias para o Márcio Pereira, o zagueiro, aparecer lá em casa do nada. Ele já jogava no CRB e falou que ia me levar pra fazer um teste já no profissional”.
Mesmo sem experiência na base, Chulapa passou e começou a jogar com seus ídolos, que haviam sido campeões estaduais um mês antes. Mas os problemas ficaram evidentes nos treinos, principalmente nas atividades “dois toques”. “Eu dava dez [toques] porque eu não sabia de nada. Não tinha base, não tinha nada. Minha base era o quê? Era pelada, era jogar só fim de semana”, contou.
Coube, então, ao destino abreviar o caminho. De acordo com Chulapa, o presidente do CRB, Walter Pitombo Laranjeiras, era muito próximo do mandatário do Flamengo, Kléber Leite. Todo mês, uma caixa de isopor era enviada ao Rio de Janeiro com alimentos típicos de Alagoas.
Um dia, atrasado, o dirigente do CRB prometeu mandar ‘farinha, camarão e carne seca’ pelas mãos de um ‘atacante trombador’. Chulapa viajou ao Rio, entregou a encomenda e também passou no teste.
Reuters
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A ida para o Flamengo fez o jovem de 19 anos viver um conto de fadas quase impossível de virar realidade àquela altura. No Flamengo, Chulapa criou uma relação estreita com Romário, que chegou ao clube carioca no começo de 1995 como o melhor jogador do mundo e maior nome do tetracampeonato mundial da seleção brasileira.
[Eu era] um cara desacreditado, que não conseguia mais ser um jogador profissional e de repente estava ali no banco do melhor do mundo”.
A convivência e o bom futebol resultaram numa ajuda muito bem-vinda de Romário. De acordo com Chulapa, o craque chegou a emprestar dinheiro ao Flamengo para a compra do seu passe. Naquela oportunidade, o clube rubro-negro só tinha metade do valor pedido pelo CRB. Por essa razão, um dos filhos de Chulapa foi batizado como Aloísio Romário da Silva.
Folha Imagem
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Em 1995, ano do centenário do Flamengo, depois de fracassos na Copa do Brasil, no Campeonato Carioca e Brasileirão, restou ao time uma chance de levantar ao menos uma taça naquela temporada. Para isso, era preciso passar pelo Cruzeiro na semifinal da Supercopa da Libertadores.
O duelo serviu como um divisor de águas para Chulapa, pois Romário se machucou no jogo de ida, no Mineirão. E coube a ele entrar no Maracanã lotado na partida de volta. O começo não poderia ser melhor, com gol marcado logo no primeiro tempo do duelo, após inspiração em Romário.
“O goleiro era o Dida. Eu sempre olhava os treinos do Romário, as finalizações e ia aprendendo um pouco. Então, na hora que o Djair lançou no Maracanã, 80 mil pessoas, que o Dida veio, aquele homem que parece que é maior do que a trave, eu só lembrei do Baixinho, fazer que vai chutar no lado esquerdo e tira ela para o outro lado”, afirmou.
Classificado à final, o Flamengo se complicou ao ser derrotado por 2 a 0 pelo Independiente na Argentina, já com Romário de volta. Seria preciso, então, vencer os argentinos por três gols de diferença no Rio de Janeiro. No fim do primeiro tempo, com 0 a 0 no placar, o melhor jogador do mundo fez um pedido pessoal ao técnico Washington Rodrigues, o Apolinho.
“O Romário saiu lá do ataque, foi lá no banco, chegou no treinador e disse: ‘não tá escutando a torcida? Tira um volante e bota ele'”, relembrou Chulapa, que entrou na vaga do lateral Cláudio no intervalo e fez a jogada do gol de Romário, insuficiente para a virada.
Lucas Lima/UOL
Itsuo Inouye/AP Photo
Itsuo Inouye/AP Photo
Chulapa repetiu a palavra patrão mais de 15 vezes na entrevista. Normal para quem vê Rogério Ceni como uma referência no futebol. Ambos conviveram de forma intensa por três anos. Líder do São Paulo, o goleiro serviu como espelho, incentivador e até confidente do ex-atacante. A relação começou antes mesmo de ambos se encontrarem no clube tricolor: na final da Libertadores de 2005, Ceni trocou frases com Chulapa, que defendia o Atlético-PR (hoje Athletico).
“Ele bateu nas minhas costas num escanteio e disse: ‘Vai devagar que eu já mandei trazer você para cá’. Aí eu com uma raiva disse: ‘Você está com medo de eu marcar outro de cabeça aí, né?’ [Chulapa fez um gol na primeira partida da final, empate por 1 a 1 no Beira-Rio]. Ele: ‘Então você vai ver. Quando você chegar na Barra Funda, o primeiro que vai te abraçar sou eu’. Cara, quando eu cheguei, já contratado, ele disse: ‘Vem, vem logo, me abraça'”.
Pelo menos mais duas passagens com Ceni marcaram Chulapa no São Paulo. Em 2007, após a eliminação são-paulina na Libertadores, o goleiro fez uma reunião histórica, que serviu para unir o grupo e iniciar uma arranca rumo ao segundo título brasileiro seguido. A relação com Chulapa rendia até conselhos de como se posicionar na área diante da bola parada adversária.
Em 2008, última temporada no São Paulo, o companheiro deu conselhos sobre do futuro como jogador. O atacante tinha uma proposta do Catar em mãos e ouviu de Ceni que era melhor continuar no clube paulista – à época, o arqueiro prometeu falar com o presidente para extensão do contrato e aumento salarial.
Chulapa ficou, mas por pouco tempo. Meses depois, a proposta ficou irrecusável e ele foi embora. Antes do embarque, o atacante viu o companheiro entrar em campo com a sua camisa. Agora, 11 anos depois, a homenagem será de Chulapa: o filho que nascerá em abril será batizado de Rogério.
Por que ele conquista tudo no São Paulo? Por quê? Porque ele joga com amor, com vontade, com raça e o objetivo dele é ganhar, ser campeão, ver aquela torcida feliz. Agora, o cara vem pro São Paulo pra ganhar R$ 600 mil, R$ 800 mil pra andar. Por isso ele tá aí
Aloísio Chulapa, sobre Rogério
O Grêmio estava 11 pontos na nossa frente no Brasileiro. Aí ele disse: “então, quem não quiser já pede para ir embora. Agora, quem quiser vamos dar as mãos. Ah, o Grêmio está com 11 pontos. Foda-se. Tem jogo para caralho, dá para nós irmos atrás e sermos campeões”
Aloísio Chulapa, sobre discurso de Ceni em 2007