Campeonato Paulista, jogo marcado para o Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, 15 de agosto de 1963, uma tarde de quinta-feira, o São Paulo enfrentava seu período mais difícil a construção do gigante Estádio do Morumbi, do outro lado um time super campeão, o Santos de Pelé.
Fundado em 1912, o Santos em 1963 era um dos maiores clubes brasileiros, em sua galeria de títulos e taças já colecionava diversas conquistas, 7 vezes Campeão Paulista (1935, 1955, 56, 58, 60, 61 e 62), era portanto o atual Tricampeão Paulista, 2 Torneios Rio-São Paulo incluindo o do ano de 1963, 2 Taças Brasil em 1961 e 62, Campeão da Libertadores e do Mundo em 1962, e um esquadrão que reunia Gilmar dos Santos Neves, o ex ídolo Tricolor Mauro Ramos, Zito, e a frente Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. O Santos não era um equipe, era uma Seleção.
Do outro lado um Clube também 7 vezes Campeão Paulista (8 contando 1931), porém cuja última conquista tinha sido há 6 anos antes em 1957, mas que pouco mais de 10 anos antes se lançara na maior aventura que um clube brasileiro poderia sonhar: o maior e mais fabuloso Estádio Particular do Mundo. O Estádio Cícero Pompeu de Toledo foi inaugurado em 1960, mas seguia em obras encerradas somente 1970, e todos os recursos eram destinados a grandiosa obra.
O São Paulo tinha um elenco mediano, contava com grandes jogadores como Bellini, Roberto Dias, Jurandir e Pagão, porém não era páreo para o Santos Campeão Mundial. O treinador Tricolor Osvaldo Brandão sabia disso e usou toda sua inteligência para este jogo, a imprensa tentava deixar o clássico equilibrado e o Jornal O Esporte destacou:
SANTOS DE PELÉ X S. PAULO DE PAGÃO:
TEM “LENHA PRÁ QUEIMAR” NO PACAEMBU
O time do Santos era tão superior ao São Paulo que 5 meses antes deste confronto aplicou uma goleada no Tricolor de 6 a 2 pelo Torneio Rio-São Paulo no mesmo Estádio do Pacaembu. Seria mais uma goleada? Para qualquer leigo, ou torcedor não muito apaixonado a vitória santista era certa.
Estádio do Pacaembu, já denominado Paulo Machado de Carvalho em homenagem ao ex dirigente, ex presidente do SPFC, o chefe da delegação da Seleção Brasileira de 1958, o “Marechal da Vitória”. Presentes 60.115 pessoas para assistir ao SanSão, desta vez válido pelo Campeonato Paulista de 1963.
O São Paulo vinha assim escalado por Osvaldo Brandão: Suly; Deleu, Bellini, e Ilzo; Dias e Jurandir; Faustino, Martinez, Pagão, Benê e Sabino.
O Santos escalado por seu lendário treinador Lula entrou assim em campo: Gilmar; Aparecido, Mauro e Geraldino; Zito e Dalmo; Dorval, Lima, Coutinho, Pelé e Pepe.
O jogo tem início e o São Paulo parte para cima, logo aos 5 minutos de partida Martinez desce pela direita, toca para Faustino que domina corta para o meio se livrando de Aparecido, dribla Mauro e Dalmo na entrada da área, e cara a cara ele, Gilmar dos Santos Neves, Faustino chutou rasteiro sem qualquer chance, um GOLAÇO, 1 a 0 para o São Paulo.
O gol de Faustino desestabilizou a equipe santista, o São Paulo teve cinco chances seguidas para aumentar o placar, Dias se tornou um sexto atacante Tricolor, tabelava ora com Faustino, ora com Pagão, foram cinco chutes ao gol e cinco defesas da lenda Gilmar, porém aos 21 minutos, em um cruzamento para a área Tricolor o Rei Pelé de peixinho empatou.
Com o gol de empate, o São Paulo se desequilibrou e o Santos passou a incomodar partindo para o ataque, ao perceber isso Osvaldo Brandão deslocou Jurandir e Sabino mais para o lado esquerdo deixando Dorval sem qualquer chance de jogo, Deleu recebeu a ordem de não deixar Pepe solto por qualquer segundo, e então o Santos ficou totalmente sem ação e o São Paulo voltou a mandar no jogo.
Aos 37 minutos, o ex Tricolor Mauro perdeu a bola no meio de campo para Pagão que iniciou uma brilhante tabela com o meia Benê. Pagão imediatamente lançou Benê que ao receber a bola tocou de volta para Pagão, que ajeitou a bola, enquanto Benê disparou ao ataque e recebeu a bola novamente de Pagão, então Benê de frente para Gilmar chutou em qualquer chances de defesa para o fundo do gol, 2 a 1 para o São Paulo.
O São Paulo jogava com raça e velocidade. Apenas 3 minutos depois, em uma cobrança de falta despretensiosa, Pagão toca para Sabino que fintou duas vezes Aparecido, em ambas o defensor tentou sem sucesso cometer falta, tocou para o paraguaio Martinez que como um pivô devolveu a bola para Sabino que na pequena área marcou o 3º gol, São Paulo 3 a 1. Quando Sabino tocou para Martinez, o zagueiro santista Mauro estava muito próximo a Gilmar, mas o time alvinegro reclamou do lance.
O juiz da partida era Armando Marques, os santistas não se conformavam e cercaram o arbitro, Coutinho não se conteve e xingou Armando Marques afirmando que este em todo jogo roubava e proferiu um palavrão, diziam os mais antigos que na verdade Coutinho atacou Armando Marques dizendo: “Satisfeito florzinha?”. Não deu outra, cartão vermelho para Coutinho. Pelé não se conteve e explodiu: “Ele não está expulso, seu ladrão!”, pronto agora era Pelé expulso de campo.
Se com 11 jogadores já estava difícil, o que imaginar sem dois dos principais jogadores? Intervalo de jogo, e o médico santista Dr. Salermo disse ao técnico tricolor que o Santos acharia uma forma de melar o jogo, afinal todos sabiam que o São Paulo não só devolveria a derrota anterior como imporia ao Santos um grande vexame.
Ao final do intervalo, o Santos retornou ao gramado para a segunda etapa, porém com oito jogadores, Aparecido de forma misteriosa, que até hoje somente os jogadores santistas sabem e nada dizem, se contundiu no vestiário e não retornou ao gramado. Naquele tempo não haviam substituições em jogos oficiais, e portanto o Santos tinha que jogar a 2ª etapa com 8 jogadores.
Aos três minutos do reinício da partida, em uma jogada simples Pepe vai de encontro a Bellini, e se atira ao chão. O que era uma jogada normal se mostra um grande teatro e Pepe não levanta, finge estar ferido e deixa o gramado. Agora são sete jogadores santistas em campo contra 11 Tricolores.
Os jogadores do São Paulo não sabiam bem o que fazer, mas era necessário atacar e ampliar o marcador, então aos 5 minutos Roberto Dias dominou pela direita e lançou primorosamente Pagão que ainda correndo para o ataque bateu de pronto na bola e estufou as redes de Gilmar, 4 a 1 São Paulo, mais um GOLAÇO Tricolor!!!
O Santos insistia no cai-cai, logo na saída de bola, Dorval chuta a bola e se joga ao chão, era a 3ª contusão sem qualquer sentido, e então Armando Marques aos 53 minutos encerra a partida. O Santos FUGIU DE CAMPO!
O então maior clube brasileiro, o Santos Futebol Clube, Campeão da Libertadores, do Mundo e de tudo que até então disputou deixou o gramado com 6 jogadores, covardemente fugiu de campopara não levar a maior goleada de sua história. O capitão santista Zito declarou a imprensa: “Não tínhamos outra alternativa” fonte Gazeta Esportiva.
Os jogadores santistas sabiam exatamente o que podia acontecer, e para evitar a mais vergonhosa das derrotas sem Coutinho e Pelé expulsos, coube ao estreante Aparecido e aos ídolos Pepe e Dorval a vergonhosa cena de se contundirem sozinhos, e para delírio eterno do Torcedor Tricolor fugir de campo.
Em 15 de agosto de 1963, há 50 anos atrás, o São Paulo Futebol Clube atropelou o Santos de Pelé e tantas glórias, o maior e mais poderoso time da época fugiu de campo para não ser esmagado pelo São Paulo de Bellini, Pagão e Cia.
A década de 60 não foi de conquistas de títulos, mas o São Paulo conseguiu finalizar o Maior Estádio Particular do Mundo, e nas décadas seguintes os títulos voltaram, 30 anos após o Santos fugir de campo, o Tricolor conquistou o mundo e se tornou o Maior Clube do Brasil.
Salve o São Paulo Futebol Clube, Salve o Tricolor Paulista, O Mais Querido, o único que botou o Santos para correr de campo!
Gustavo Flemming, 41 anos de amor ao SPFC, é empresário no segmento de pesquisa de mercado e consultoria em marketing, conselheiro da Associação Comercial de São Paulo – Distrital Pinheiros, escreve a Coluna Memórias Tricolor desde maio de 2017.
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