Do tribunal à guerra civil: Paulistão já foi suspenso outras cinco vezes

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Arthur Friedenreich (dir.) e Faria, dois jogadores do São Paulo que combateram na Revolução Constitucionalista de 1932 - Reprodução
Arthur Friedenreich (dir.) e Faria, dois jogadores do São Paulo que combateram na Revolução Constitucionalista de 1932 Imagem: Reprodução

Arthur Sandes – Do UOL, em São Paulo

Nesta semana o Paulistão foi suspenso por tempo indeterminado por causa da pandemia do novo coronavírus (covid-19). Não é a primeira vez que o torneio é interrompido por motivo de força maior: em 119 edições, por cinco vezes o campeonato teve jogos suspensos ou cancelados, seja por surto de doença, guerras ou disputas nos tribunais.

Paulistão atual está parado por prevenção a um vírus que se espalha pelo mundo todo, situação semelhante à pandemia de Gripe Espanhola ocorrida em 1918. Entre os Anos 1920 e 30, dois conflitos armados interromperam o Estadual, e duas questões jurídicas suspenderam as edições de 1952 e 1979. Abaixo, o UOL Esporte relembra cada uma das ocasiões.

Gripe Espanhola em 1918

Hospital improvisado no Club Athletico Paulistano durante o surto de Gripe Espanhola, em 1918 - Acervo do Club Atlético Paulistano, cedida pela Editora Narrativa Um / Divulgação
Hospital improvisado no Club Athletico Paulistano durante o surto de Gripe Espanhola, em 1918 Imagem: Acervo do Club Atlético Paulistano, cedida pela Editora Narrativa Um / Divulgação

Causada por um vírus incomum, a Gripe Espanhola contaminou por volta de 500 milhões e matou pelo menos 50 milhões de pessoas no mundo inteiro. No Brasil foram cerca de 35 mil vítimas fatais, incluindo o então presidente eleito Rodrigues Alves. A onda mais letal aconteceu entre os meses de outubro e dezembro de 1918, justamente o período em que o vírus tomou o Brasil e acabou por suspender o Campeonato Paulista.

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A decisão acompanhou a determinação do Serviço Sanitário, que havia suspendido aglomerações de qualquer tipo. Segundo o livro “A História do Campeonato Paulista”, de Valmir Storti e André Fontenelle, a então Associação Paulista de Esportes Atléticos (APEA) chegou até a cogitar o cancelamento do torneio.

O Paulistão só seria retomado em dezembro, quando a epidemia já perdia força. Ainda assim, só foram realizadas as partidas que tinham peso na disputa do título, que acabaria vencido pelo Paulistano do craque Friedenreich e do sobrevivente Benedito, que foi contaminado pelo vírus mas se recuperou.

Revolta Paulista de 1924

Estima-se que 1,5 mil edificações foram destruídas na capital durante a Revolta de 1924 - Reprodução
Estima-se que 1,5 mil edificações foram destruídas na capital durante a Revolta de 1924 Imagem: Reprodução

O levante ocorreu em julho de 1924, dois anos após o fracasso da Revolta dos 18 do Forte de Copacabana. Entre outras reivindicações, exigia o voto secreto, o poder político ao exército e, em última instância, a destituição do então presidente Artur Bernardes. O governo federal respondeu bombardeando a cidade — e assim venceu. Em meio ao caos, o Campeonato Paulista parou por quase dois meses.

A revolta não tinha grande adesão popular e acabou esmagada pelas forças leais a Bernardes. Foi o maior conflito bélico da cidade de São Paulo, mesmo durando apenas 23 dias, e cerca de 300 mil pessoas foram desalojadas. Quando o Paulistão voltou, o Corinthians acabou vencedor e assim conquistou seu primeiro tricampeonato.

Friedenreich lutou na Revolução de 1932

Na Revolução Constitucionalista de 1932, São Paulo pegou em armas para tentar derrubar Getúlio Vargas, alçado à presidência por um golpe de Estado de dois anos antes. O levante armado acabou vencido após três meses de combates, mas teve algumas de suas exigências atendidas — incluindo uma nova Constituição Federal.

Na capital houve um grande esforço de guerra, e vários times de futebol tomaram parte: sedes sociais foram improvisadas como enfermarias, e houve campanhas de arrecadação e doação para as tropas. Cerca de três mil atletas combateram no chamado Batalhão Esportivo, que contava com cerca de 3 mil homens e era liderado por ninguém menos do que Arthur Friedenreich — o maior craque da época.

Por causa de tudo isso, o Campeonato Paulista ficou parado por vários meses e teve apenas 11 rodadas — metade do previsto. A impossibilidade de realizar o segundo turno acabou beneficiando o Palestra Itália, que liderava o campeonato e acabou campeão — para a reclamação do São Paulo, que teria chances se houvesse segundo turno. Foi a última edição do Estadual com jogadores amadores, que foram profissionalizados em 1933.

Rebaixamento parou no tribunal em 1952

O Jabaquara havia sido o lanterna do ano anterior e foi declarado rebaixado, mas encontrou uma brecha de regulamento para se manter na elite. A Federação Paulista de Futebol (FPF) não havia tratado das burocracias para fazer valer as suas regras de acesso e descenso, por isso o Jabaquara apelou a um órgão regulador e abriu disputa.

A FPF ainda não tinha registrado seu modelo de rebaixamento no Conselho Nacional de Desportos (CND), o órgão responsável pelo esporte brasileiro na época. O Jabaquara bateu o pé e dobrou a federação: depois de vários meses de atraso, foi incluído provisoriamente no campeonato, que começou só no segundo semestre. O campeão foi o Corinthians, já em janeiro de 1953.

Corinthians paralisou edição de 1979

A polêmica começou em uma negociação de cotas de TV: a FPF negociou uma rodada dupla na reta final do Paulistão e colocou o Corinthians no jogo preliminar. Vicente Matheus, o presidente corintiano, não gostou de ter que dividir o dinheiro igualmente com Palmeiras, Guarani e Ponte Preta porque teria “torcida maior do que os três juntos”. Ele mandou o time não entrar em campo e levou o caso para a Justiça.

Houve uma batalha de liminares e recursos, e, por fim, a Ponte Preta conseguiu a vitória por W. O. que exigia, mas o imbróglio durou dois meses e parou o Paulistão entre a segunda fase e as semifinais. O título só foi decidido em fevereiro de 1980 e deu Corinthians, em uma final vencida justamente sobre a Ponte Preta.

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