Sincerão: O São Paulo tri brasileiro tinha um futebol para ser esquecido

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UOL

Julio Gomes

Vai lá, escale rápido o São Paulo tricampeão brasileiro, entre 2006 e 2008. Escalou? Aposto que você misturou tudo. O São Paulo não foi um só naqueles anos. Foram, literalmente, três. No quadro “Sincerão” (vídeo aí em cima), polemizei ao dizer que Ronaldo era superestimado – expliquei no blog. A outra polêmica foi chamar o São Paulo tricampeão 06-07-08 de superestimado. Imediatamente, recebi mensagens de amigos tricolores revoltados!

Vamos lá. O uso da palavra superestimado pode gerar confusão, porque depende do quão bem “estimado” aquele time é por cada pessoa. Ou, claro, de forma geral. De forma geral, entendo que aquele São Paulo ganhou status de “time histórico”, colocado no nível de grandes times do futebol brasileiro.

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Pois bem. Não dá para não respeitar três títulos brasileiros em sequência, um feito inédito. Mas não dá para colocar aquele São Paulo nem perto de grandes times da nossa história, como o próprio São Paulo dos anos 90, os Palmeiras e Corinthians também dos anos 90, o Flamengo de Zico, o Inter de Falcão, Palmeiras da Academia, Santos de Pelé, Botafogo de Garrincha, etc, etc, etc, etc. Assim, não cabe nem na mesma conversa. Mesmo os times que vieram na década seguinte eram melhores.

O que aconteceu nos anos 2000 foi que o Brasil viveu sua pior década desde que o futebol existe, em termos de qualidade. Foram os anos que marcaram o maior abismo já visto entre o futebol europeu e o sul-americano. E isso se deu por várias razões, quase todas elas surgidas do meio para o fim dos anos 90: lei Bosman, livre mercado europeu, explosão da Champions League, globalização, desvalorização do real e por aí vai.

Jogadores passaram a sair daqui muito cedo. E mais: a Europa deixou de levar “apenas” craques para levar todo mundo. Craques, bons, médios, apostas, até alguns ruins. Quem sobrou por aqui? Isso aí… sobrou o que sobrou. Assim eram nossos times naquela década. E o jogo, gente? Que pobreza. Que horror. Eu passei cinco anos na Europa, entre 2003 e 2008. Em 07 e 08, era comentarista do Brasileirão para uma TV espanhola. Então eu assistia a tudo o que tinha para assistir na Europa e, no domingão à noite, ia para a TV comentar o Brasileiro. Era um baque. O desnível nunca havia sido tamanho. A velocidade do jogo era completamente diferente, faltava qualidade, faltava tudo.

Neste contexto, o São Paulo de Muricy ganhou três campeonatos apostando em: confiança, coisa que o São Paulo sempre teve (menos agora); um ótimo goleiro; um jeito de jogar que priorizava não levar gols – o que era, convenhamos, bastante facilitado pelo nível da concorrência. Era o menor pior, entre nossos piores. Tem mérito? Tem. Era bacana de se ver? Não.

Passaram alguns jogadores bons por ali? Claro que sim. Júnior era veterano, mas tinha nível europeu. Miranda e Hernanes fariam carreira sólida lá fora. Josué foi honesto na Alemanha. Mineiro, por outro lado… Borges e Dagoberto fariam dupla na Europa? Não em times grandes ou médios. Enfim, como eu disse, ninguém é tri brasileiro à toa, mas é necessário analisar o contexto.

Com certa melhora econômica e consolidação dos pontos corridos, os clubes grandes deram uma evoluída na década seguinte – segurar Neymar já foi um ponto de inflexão. O 7 a 1 também ajudou a vermos que o futebol precisava se modernizar em campo, precisávamos jogar algo mais parecido com o que se jogava lá fora. Entre 2001 e 2010, com raras exceções e brilharecos, vivemos realmente as trevas.

O são-paulino pode morrer de saudades daqueles tempos, pois voltava para casa com vitórias e títulos, coisa que hoje o clube não tem. Mas não podemos confundir as saudades pelas conquistas com saudades pelo futebol jogado. Sejam sincerões, como eu: alguém tem saudades daquilo que se jogava? Colocar o São Paulo na galeria de grandes times da nossa história é o que eu chamo de superestimar.

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