Vento Sul – Entre azuis e vermelhos

1932

Entre azuis e vermelhos, nasceu uma tricolor paulista Para quem não me conhece, uma introdução sucinta: sou Morgana, 27 anos, advogada, viciada em exercícios físicos, praticante de artes marciais, sul catarinense e COMPLETAMENTE APAIXONADA pelo São Paulo Futebol Clube. Sim, provavelmente você deve ter lido novamente a última parte e esboçado um semblante de dúvida e confesso que isso é normal.

Dentre tantos questionamentos que me fazem, o MAIS COMUM, principalmente por aqueles colegas que moram na capital paulista e arredores é “mas como você virou torcedora do São Paulo morando tão longe, em um lugar onde predominam torcedores gremistas e colorados?”.

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A resposta para essa pergunta é sempre carregada de nostalgia, pois existe todo um enredo para explicar um fato que definiu toda a minha história no mundo futebolístico até aqui. É quase uma unanimidade: os São-Paulinos que conheço possuem, no mínimo, uma influência advinda da capital. São pouquíssimos aqueles cujo contato com o time não possui laços no sudeste (situação na qual me incluo), o que torna a relação com o clube ainda mais difícil. Sou de uma época (me sentindo meio idosa relatando isso, mas é a realidade) em que não existia internet, e a venda de artigos esportivos por aqui se limitava em apenas 3 times: Grêmio, Internacional e (pasmem) Flamengo.

Era impossível conseguir comprar algo de outros times que não fossem cópias baratas que, de tão malfeitas, deveriam ser pagas com notas de três reais (e ainda tinham que te devolver troco, rsrs). Como se não bastasse, as televisões locais também se limitavam a passar jogos de Grêmio e Internacional, penso que faziam de propósito, para que mantivéssemos a tradição regionalista de moradores do sul, torcendo para times do sul.

Mas como seguir a tradição nunca foi meu estilo, essas adversidades não me impediram de conhecer o grande amor da minha vida. Por incrível que pareça, os times que predominavam na minha família eram: flamengo, da minha avó, e Vasco, do meu avô. E, por mais estranho que seja, foi esse amor deles pelos times cariocas que me fez conhecer o São Paulo. Explico: como a programação local não passava nada além de GRE x NAL, a solução para ver os outros times foi adquirir uma “ antena parabólica”, que permitia que víssemos outros jogos, e me fez descobrir que existia “vida além de Grêmio e Inter”.

Foi aí que aconteceu a mágica: adquirimos dois pontos, um deles ficava na sala e, o outro, no quarto dos meus avós. O ano era 1998, os tricolores mais antigos e com boa memória, a essa altura, já sabem do que estou falando (calma, não se emocionem). Nas tardes de domingo, enquanto eles, na sala, assistiam as proezas de Edmundo, Juninho Pernambucano, Junior Baiano, Romário, e companhia, eu, no quarto, escondida, assistia fascinada aos jogos e acompanhava a história gloriosa do soberano, em especial naquele ano. Uma combinação de fatores já fez a curiosidade daquela menina de 7 anos aflorar: reinauguração de um estádio que, pra mim, era a maior obra do mundo já realizada pelo homem e o retorno de um jogador, aparentemente muito querido pela torcida, um tal de RAÍ (alguém aí conhece?).

Ficava perplexa, pois, apesar de tantas notícias e comemorações pela volta deste jogador, ele continuava na França. No auge da minha inocência, não entendia como era possível um jogador atuar por dois clubes ao mesmo tempo. “Vô, o Raí gosta mais desse tal de PSG do que do São Paulo?”, questionava. Meu avô, como sempre delicado, respondia: “sai pra lá com essa frescura de futebol estrangeiro, menina, eu lá vou saber quem é PSG”. Foi nesse momento que percebi que estava sozinha nesse barco e, se quisesse conhecer mais sobre a história do clube, teria que buscar meus meios. Sorte que sempre fui uma guria muito curiosa, e logo já sabia mais sobre futebol paulista do que mais da metade da minha região.

O campeonato paulista avançava e eu ficava cada vez mais empolgada e fascinada por aquela máquina chamada de equipe. Um sentimento que eu não entendia tomava conta de mim a cada jogo, eu não sabia explicar. Era um misto de carinho, nervosismo, felicidade que transbordava a cada ataque e uma apreensão a cada contra ataque do adversário. E assim, nessa “vibe”, vi os jovens Rogério Ceni, Denilson, França e Cia atropelar o Santos e eliminar o Palmeiras nas semis. Chegamos à final, contra aquele time que não gosto nem de mencionar. A essa altura, eu já não brincava mais na rua, domingos eram todos dedicados ao São Paulo e mais nada.

No entanto, o primeiro jogo da final, naquele 03/05/1998, trouxe a minha primeira decepção: derrota, em pleno Morumbi, por 2×1. Meus avós e primos, rindo de mim, falavam: agora ela deixa de ser besta de torcer pra esses times que ninguém liga e presta atenção em times de verdade. Ela tem só 7 anos, isso é fase. Apesar de toda a torcida contra, me mantive firme, pois acreditava que aquela campanha impecável não seria em vão. Havia o jogo de volta. Nesse meio tempo, o tal de Raí retornou do PSG, após ser campeão da Copa da França. Era a bomba que seria jogada no Parque São Jorge, segundo um diretor. A essa altura, já via Raí como um salvador da pátria.

Dia 10/05/1998 chegou, pela garganta não passava nem água. Apreensiva, assistia aquela partida sem piscar, cada segundo demorava anos para passar, foi o primeiro sofrimento de uma torcedora mirim. Nos 30 minutos do primeiro tempo, a minha primeira explosão de alegria: Zé Carlos, pela direita, cruzou para área. França escorou de cabeça e Raí testou a bola para o fundo das redes! São Paulo 1 a 0! Com gol dele, do ídolo regresso! Naquele momento, no auge da minha alegria, pude perceber que ali nascia uma torcedora tricolor paulista doente, apaixonada. No segundo tempo veio o primeiro “quase infarto”: gol do adversário. Criança de 7 anos que era, caí no choro achando que tudo estava acabado.

Mas algo me mantinha firme em frente aquela TV tubo, sozinha, sem ninguém pra dividir minhas alegrias e apreensões. França (um dos melhores jogadores que já atuaram no São Paulo, na minha humilde opinião) sagrou, com dois gols, o Soberano como campeão paulista de 1998.

A felicidade não cabia em mim, minha família teve que aturar por muito tempo a minha alegria quase irritante, até que eles concluíram o que eu já sabia: essa daí vai incomodar falando desse tal de São Paulo. Minha avó falava: parece que ela nasceu pra torcer pra esse time!

Entre azuis e vermelhos, nasceu uma tricolor paulista. Vamos respeitar a escolha dela. E lá se passaram 20 anos. Vivi muita coisa. Comemorei, sozinha, a conquista de um mundial, quando a maioria comemorava a “batalha dos aflitos”, três campeonatos brasileiros, uma libertadores.

Meu amor pelo time só aumenta, e foi ele o responsável por ser quem eu sou hoje. Convicta, escrevo: esse sentimento só vai acabar quando eu deixar de existir. Essa sou eu, a colunista semanal a partir de hoje. Você me conhecerá melhor ao longo das minhas postagens, mas fique à vontade para enviar comentários e perguntas. Sigam firmes, tricolores. 2019 tende a ser um excelente ano para nós.

Gostou ou quer mandar alguma sugestão?

@morganakoenig ou [email protected]

Morgana Koenig é advogada, catarinense, praticante de artes marciais, ama escrever e é completamente apaixonada pelo São Paulo Futebol Clube.

4 COMENTÁRIOS

  1. Muito Legal Morgana!
    Também acho o França um dos melhores que já passaram pelo SP! Jogou demais no tricolor!
    Sou tricolor desde cedo também. Com 8 anos, minha primeira vez no estádio, entrei no Morumbi com mais de 100 mil pessoas em 92 e fiquei exatamente atrás do gol do zetti, quando este defendeu o penalti contra o newells old boys e fomos campeões da libertadores pela primeira vez!

    Seja bem vinda!

  2. Olá morgana, antes de mais nada, desejo boas vindas.

    Apesar de ser um título estadual, o de 1998 teve algo diferente, estávamos numa época que perder para as galinhas era recorrente, inclusive perdemos o título de 97 justamente para as galinhas com um gol de André Luís onde na verdade foi um peru do estreante titular Ceni.

    Pelo fato de eu ser pernambucano, passei por semelhante história por causa dos times locais Sport, náutico e santa cruz.

    Para se ter a ideia de como esse título foi marcante, eu apresentei o São Paulo ao meu filho mais velho justamente com um VT desse jogo

  3. Me emocionei com a sua história e esse Paulista também foi o meu primeiro título comemorado.
    Tinha 9 anos e após a derrota no primeiro jogo meus coleguinhas torcedores do time sem cor foram no meu portão me provocar. Minha mãe saiu lá fora e profetizou: Riam hoje, porque domingo que vem vocês vão chorar!

    Tive que aguentar quieto a semana inteira de provocações na escola e o domingo chegou. Era domingo do dia das Mães e senti as mesmas emoções que você sentiu. Raí voltou, França e Denílson jogaram muito e o Tricolor foi campeão, já meus coleguinhas sumiram e depois na escola eu acertei com eles.

    Pra mim foi o título mais importante que eu já comemorei com o SP, pelas circunstâncias que aconteceu e por eu ser uma criança que nem imaginava como o lado de fora dos gramados poderia ser tão obscuro.

    Seja bem-vinda e boa sorte!

    PS: não façam como alguns colunistas aqui que só escrevem quando o time está muito mal ou na ponta do campeonato, escreva sempre!