UOL – Daniel Lisboa
O primeiro confronto entre Palmeiras e São Paulo na nova arena alviverde, agendado para a noite desta quarta-feira (25), poderia acontecer em situação bem diferente. O moderno Allianz Parque, motivo de orgulho para tantos palmeirenses, poderia ser a nova casa…do São Paulo.
Esse verdadeiro pesadelo palestrino não é devaneio são-paulino. Se os temores dos dirigentes e torcedores do Palestra Itália em 1942 tivessem se concretizado, tal cenário seria plausível. É o que relata o jornalista Celso de Campos Jr. em seu livro “1942 – O Palestra vai à Guerra”, lançado em 2012 pela Editora Realejo.
A obra relata um momento até hoje sem precedentes na história do futebol brasileiro: como uma guerra – no caso, a Segunda Guerra Mundial – influenciou diretamente na rivalidade entre dois times do país. Com a entrada do Brasil no conflito ao lado dos aliados, iniciou-se uma campanha difamatória contra o então Palestra Itália, rotulado de ameaça e traidor da pátria por sua origem italiana. O clube passou a temer pela perda do seu patrimônio, inclusive do estádio do Parque Antarctica. Nos bastidores da maquiavélica armação, estaria o São Paulo Futebol Clube.
“Panfletos apócrifos difamando o Palestra começaram a surgir na cidade. Além disso, a campanha era endossada pelo Paulo Machado de Carvalho, que havia sido vice-presidente do São Paulo, por meio da Rádio Record”, conta Celso. Para o jornalista, estava em andamento “uma clara campanha para desestabilizar o clube” e, mesmo que roubar o estádio não estivesse exatamente nos planos do São Paulo, os palestrinos tinham motivos de sobra para esperar o pior.
“Havia o precedente da Associação Alemã de Esportes, que ficava onde hoje está o Canindé. Ela também tinha sofrido intervenção por conta da guerra, e adivinha quem era o interventor escolhido pelo governo? Nelson Fernandes, então tesoureiro do São Paulo. Resultado: a associação ficou praticamente sem escolhas e acabou incorporada ao clube, que ficou com a sua sede social. O Palestra, vendo aquilo, pensou: eles já ganharam uma sede social, agora vão tentar tomar o nosso estádio”, diz Celso.
Paranoia ou não, fato é que os palestrinos planejaram até a implantação de uma divisão de tiro ao alvo dentro do clube. O objetivo, claro, não era meramente esportivo. “Os dirigentes da época estavam dispostos a defender o patrimônio a qualquer custo. Inclusive colocando fogo no estádio se realmente tentassem tomar o Parque Antarctica. Isso está registrado em documentos”, revela o jornalista.
O envolvimento oficial do São Paulo em tamanha conspiração, porém, ainda é discutível. Primeiro, foi suavizado porque o time levou uma lição dentro de campo. Perdeu a final do Paulista de 1942 por 3 a 1, em jogo realizado seis dias depois do Palestra se tornar Palmeiras e interrompido antes do fim porque o São Paulo se revoltou com a arbitragem. Depois, porque faltam documentos que vinculem o clube a tudo o que foi feito contra o Palestra naquele ano.
“Nas minhas pesquisas no próprio São Paulo, eu não encontrei nada que apontasse para um plano de roubar o estádio do Palestra. Talvez porque eles tenham tomado o cuidado de esconder”, brinca Celso.
Autor da “Bíblia do São-paulino” (Panda Books) junto com o redator publicitário Rui Branquinho, o historiador Michael Serra relativiza a participação do clube. “Questionei muita gente, e pesquisei muito, sobre esse episódio e acredito que não existiu um envolvimento oficial do São Paulo. Tanto que há notícias de jornal da década de 40 dando conta de que o São Paulo já apoiava a volta do nome Palestra, além de uma foto em que o Palmeiras saúda o campeonato paulista conquistado pelo São Paulo em 1945. Se não são indícios de que a tal conspiração não existiu, pelo menos são atenuantes”, acredita Michael.
Conspirações de lado, uma prova de que os fantasmas de histórias irão sempre espreitar o duelo de hoje está em uma declaração do ex-presidente do São Paulo, Juvenal Juvêncio, feita ao programa “Bola da Vez”, da ESPN Brasil, no ano passado. Ao insinuar que o ex-governador de São Paulo, e palmeirense, José Serra, foi o responsável por tirar o Morumbi da abertura da Copa do Mundo, ele disse: “Uma das razões (do ex-governador ter sido contra o Morumbi na Copa) é que ele preza muito esse negócio de italiano, e na Segunda Guerra tinha esse negócio de tomar o estádio, ele ouvia lá na Mooca que o São Paulo ia tomar o Palestra.”
O Campeonato Paulista de 1945 foi definido com a vitória do São Paulo sobre o Ypiranga, por 3 a 2, faltando outras duas rodadas para o fim da competição. Na penúltima, dia 23 de setembro, São Paulo e Palmeiras se enfrentaram no Pacaembu. Antes do jogo, os palmeirenses saudaram o campeão, São Paulo.
Na imagem, segurando a faixa, os jogadores Gengo e Túlio. Ao centro, alguns dirigentes, entre eles os irmãos Armando Simone Pereira, diretor do Palmeiras, e Raul Simone Pereira, são-paulino (este, o primeiro à esquerda, com o irmão ao seu lado).
Esta irmandade entre dirigentes dos dois clubes não foi a única. Cícero Pompeu de Toledo também possuía irmão diretor do Palmeiras: Brício Pompeu de Toledo*. E vos lembro que Cícero entrou no quadro social do Tricolor em 1939 e já era membro da diretoria em 1944.
Anos antes (20/09/1942), os dois clubes haviam decidido o estadual, com o alviverde se saindo vencedor após um jogo conturbado e inconcluído (o qual merece um futuro artigo, em breve). Naquele mesmo dia, o adversário do SPFC havia adotado seu nome atual, Palmeiras. O motivo desta alteração é conhecido: o processo de nacionalização das entidades esportivas imposto pelo Governo Central.
A rivalidade existente desde os anos trinta, quando ambos os clubes representavam elites paulistanas distintas e antagônicas (um a elite industrial dos Matarazzo, outro a elite dos barões de café e empresários da Light), amplificada pela decisão de campeonato e principalmente pelo contexto da Segunda Guerra Mundial, levou ao surgimento de muitos boatos, muitas lendas. Algumas maldosas, a maioria infundada ou fruto de rancores e ferimentos de guerra. Entendíveis, mas que precisam ser desmistificadas ou postos em seu devido lugar.
Enfim. Um desses mitos é que Palmeiras e São Paulo são (ou eram) inimigos. O que, como se vê, estava longe de ser verdade, mesmo naquele período complicado e traumatizante de guerra.
*Cícero Pompeu de Toledo possuía outro irmão diretor, Simas Pompeu de Toledo, do Santos Futebol Clube.