UOL – Roberto Oliveira
Futebol e ditadura. Dois assuntos que estiveram intimamente ligados no contexto político da América do Sul na segunda metade do século 20. No Brasil, não foi diferente. Segundo o historiador uruguaio René Dreifuss, dirigentes de grandes clubes paulistas fizeram parte da articulação que culminou na queda do então presidente João Goulart, o Jango.
Em sua obra “1964: A Conquista do Estado”, Dreifuss reúne fatos e documentos históricos que atestam o envolvimento de cartolas da Portuguesa, Palmeiras, Corinthians e São Paulo no golpe.
Mas um documento de 1963 obtido com exclusividade peloUOL Esporte comprova que renomados dirigentes do São Paulo faziam parte de um instituto que tinha como finalidade desestabilizar a democracia no país e depor o presidente Jango. Era o Ipês – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais.
Cartolas do Tricolor, Manoel José de Carvalho e Luiz Cássio dos Santos Werneck faziam parte do Ipês. Manoel José de Carvalho foi da diretoria do clube, ininterruptamente, de 1951 a 1964. Ele ocupou as funções de diretor de comunicação, 1º secretário e tesoureiro do São Paulo. Paralelamente, fazia parte do Conselho Fiscal do Ipês, responsável pelo “controle de contas” e “limpeza financeira” do Instituto.
Mas é Luiz Cássio dos Santos Werneck o personagem principal dessa história. Werneck, que dá nome ao Memorial do São Paulo no Morumbi desde sua fundação, em 1994, era secretário do Comitê Executivo Nacional do Ipês, cujas atribuições eram a “suprema direção administrativa” e “execução das decisões tomadas” pelo Conselho Orientador Nacional e pelo Comitê Diretor do Ipês. Werneck não só fazia parte de todos esses órgãos, como também era uma das cabeças pensantes do Instituto.
A prova disso está no referido documento assinado pelo ex-dirigente do São Paulo em 4 de abril de 1963, obtido junto ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (FGV/RJ), que é administrado pela historiadora Martina Sphor.
Nele, Werneck esboça a realização de um congresso internacional sobre os temas “estatização” e “livre emprêsa” (grafia da época), em que seria discutida a situação política nacional. O congresso foi realizado em São Paulo e financiado por “entidades de classe para o problema financeiro”. Travestido no papel de defensor da democracia, da livre iniciativa e da economia de mercado, o Ipês agia por debaixo dos tapetes do Congresso Nacional com o golpe militar à vista.
Situado majoritariamente no Rio de Janeiro e em São Paulo, o Instituto era uma articulação empresarial-político-militar que fazia lobby em Brasília para barrar as reformas populares do presidente Jango e cooptar parlamentares para o golpe militar que vinha sendo costurado aos poucos. Para tanto, o Ipês atuava através do GAP (Grupo de Assessoria Parlamentar).
O GAP era suprapartidário e funcionava clandestinamente. Nem seus próprios membros costumavam citar nominalmente sua existência. Quando se referiam ao GAP, falavam do “escritório de Brasília”.
Advogado de formação, Werneck foi atleta amador, conselheiro e dirigente do São Paulo. Segundo o departamento de comunicação do clube, ele se tornou sócio a partir de 1939, foi diretor de esportes amadores entre 1951 e 1956 e presidiu o Conselho Deliberativo em duas oportunidades: de 1992 a 1994 (data de fundação do Memorial Luiz Cássio dos Santos Werneck) e entre 2002 e 2004, quando faleceu aos 82 anos.
Além disso, Werneck foi braço-direito de Cícero Pompeu de Toledo durante a construção do estádio do Morumbi. E disputou a presidência da diretoria do clube em 1964 (quando perdeu para Laudo Natel) e depois 1984 (quando foi derrotado por Carlos Miguel Aidar). Em 1988, empossou-se conselheiro vitalício do São Paulo.
Portanto, Luiz Cássio dos Santos Werneck foi um nome importante no Morumbi na segunda metade do século passado. Para atestá-lo, basta fazer uma visita ao Memorial do São Paulo. Assim como foi referência no Ipês, haja vista suas atribuições no Instituto, comprovadas pela reportagem.
Enfim, o golpe de 1964 que depôs a democracia brasileira foi organizado por militares, mas não seria possível sem o apoio de parte da sociedade civil. Isso aconteceu. O Ipês e seu GAP foram peças-chaves desse xadrez político. E cartolas de grandes clubes de futebol tiveram papel de destaque nessa história.