Cicinho revela receita do São Paulo tricampeão: “Não tínhamos craques”.

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GloboEsporte.com

Alexandre Lozetti

Lateral-direito, um dos heróis do título, ressalta humildade do grupo campeão e revela detalhes da campanha que levou o Tricolor ao Japão novamente depois de 12 anos.

Foram duas assistências e quatro gols, um deles o de número 10 mil da história do torneio. A convocação para a seleção brasileira e o título da Copa das Confederações. Um contrato renovado, o interesse e a transferência para o Real Madrid. A Libertadores de 2005 mudou a vida de um caipira. O lateral-direito Cicinho deixou de ser “mais um” e se tornou protagonista de um São Paulo que deixou para trás a sombra da era Telê e conquistou o tricampeonato.

Cicinho foi um dos mais importantes personagens do título que completa 10 anos nesta terça-feira. Ótimo contador de histórias, o atual jogador do Sivasspor, da Turquia, falou, entre um treino e outro da pré-temporada da equipe turca, sobre o que considera o melhor time em que já atuou. E por que aquele São Paulo era tão bom?

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Cicinho são paulo (Foto: Globoesporte.com)
Cicinho mudou de vida com o título da Libertadores (Foto: Globoesporte.com)

– Nossa equipe não tinha nenhum craque. Nós jogávamos o feijão com arroz, cada um chamando sua responsabilidade e sem querer aparecer mais do que o outro. Nosso segredo foi a humildade.

O lateral contou ainda que não ficou com nenhum dos prêmios individuais que ganhou no torneio, revela o que ouviu de Rogério Ceni quando chegaram ao Morumbi para a final contra o Atlético-PR, a maneira com que Luizão pedia para receber a bola na área, a influência de Amoroso na reta final e o estilo de Lugano.

– Dava medo. Do mesmo jeito que ele falava com os adversários, falava com a gente: mordendo a boca, rangendo os dentes. E eu pensava: um dia esse cara ainda vai me dar um soco (risos).

Confira a entrevista na íntegra:

GloboEsporte.com – A impressão que se tinha vendo aquele time jogar era de que tudo funcionava bem. Qual era o segredo? Por que o São Paulo foi tão longe?
Cicinho – A diferença era a entrega. Sabíamos que nossa equipe não tinha nenhum craque, mas jogadores em grandes fases: Grafite num momento maravilhoso, Danilo, Mineiro, Josué, Júnior, nosso sistema defensivo com os três zagueiros, Fabão, Lugano, Edcarlos, o Alex que também jogou. Sabíamos das nossas limitações. Sempre falavam da época do Raí, em que o São Paulo havia ganhado Libertadores e Mundial com o Telê, mas eram muitos craques: Toninho Cerezo, Muller, Palhinha. Nós jogávamos o feijão com arroz, cada um chamando sua responsabilidade e sem querer aparecer mais do que o outro. Nosso segredo foi a humildade.

Não eram craques, mas eram jogadores que se mostraram vitoriosos ao longo da carreira.
Exatamente. Eram jogadores que nunca foram considerados craques, mas cada um vivia o melhor momento da carreira. O Luizão chegava me dizia: “Se você chegar com velocidade à linha de fundo, cruza no primeiro pau porque dificilmente a bola vai subir. Agora, se estiver tranquilo, sem marcação, cruza na marca do pênalti que eu ameaço correr no primeiro e vou pra lá. Mas cruza na cabeça porque com o pé sou limitado” (risos). A gente ria. Cada um sabia o que podia fazer. Era um time muito bem organizado. Tinha liberdade para jogar, mas não era um time peladeiro.

Cicinho, lateral-direito do Sivasspor (Foto: Cleber Akamine)
Cicinho joga atualmente no futebol da Turquia (Foto: Cleber Akamine)

E quem organizou aquela equipe? O Leão, que ficou até o quarto jogo, ou o Autuori, que chegou e foi campeão?
O Leão foi mais no Paulista. Nós ganhamos, mas não convencemos. Com o Autuori foi diferente, ganhávamos e convencíamos. Mesmo por 1 a 0, o São Paulo era dono do jogo. Criamos essa identidade. O trabalho que já vínhamos fazendo no Paulista deu moral na Libertadores. O Autuori passou a poupar o time no Brasileiro. Tudo foi feito passo a passo, cada treinador deu sua contribuição, mas o Autuori tirou o que cada jogador tinha de melhor: a autoestima, a alegria de jogar. O Leão era mais rígido, tínhamos um pouco de receio.

Quando acabou a Libertadores, você foi vendido para o Real Madrid. A proposta chegou durante o torneio? Não atrapalhou sua concentração?
A proposta chegou quando a Libertadores acabou. Na semifinal, eu estava com a Seleção e já existia um interesse do Manchester United. Antes de eu ir para a Copa das Confederações, o São Paulo renovou meu contrato por quatro anos. Depois que fomos campeões da Libertadores, o Roberto Carlos (lateral-esquerdo) entrou em contato e perguntou se eu queria ir para o Real. Respondi que sim, mas já estava negociando com o Manchester. Ele falou que o Luxemburgo (técnico do Real Madrid na época) queria me levar pra lá. Ele colocou o presidente em contato, o São Paulo aceitou e reivindicamos que eu permanecesse até dezembro para poder jogar o Mundial. Tudo deu certo.

E como foi estar na Seleção durante a semifinal, os jogos contra o River Plate? Conseguia assistir?
Eu ficava em contato com os jogadores e havia uma sala reservada para assistirmos aos jogos. Comemorei muito. O segundo jogo contra o River foi no dia da final da Copa das Confederações (o Brasil venceu a Argentina por 4 a 1). O pessoal falava: “Você acabou de ser campeão aqui e vai ser campeão lá também”. Foi uma experiência fantástica.

Enquanto você estava fora, o Amoroso foi contratado, estreou, fez gol, se encaixou no time. Como foi voltar e encontrar um novo protagonista?
Foi fantástico. Ele e o Luizão falavam: “Joguem a bola em nós que vamos decidir”. Quando chegamos ao Morumbi para a final, isso foi muito importante, deu tranquilidade e tirou um peso das nossas costas. Poxa, estávamos nervosos, seria nosso primeiro título daquele tamanho, e eles chamando a responsabilidade. Para você ver como éramos unidos, o Amoroso chegou na semifinal e parecia que jogava ali há muito tempo.

Como foi essa chegada ao Morumbi? Como controlou o nervosismo?
Eu sempre me sentava ao lado do Rogério no ônibus indo para o estádio. Quando chegamos, ele falou: “Hoje é dia! Temos que ser campeões e você vai ver o que vai virar esse Morumbi”. E foi tão natural quando ganhamos porque estávamos acostumados a vencer e jogar bem em casa. Éramos muito fortes e foi um jogo espetacular.

O Atlético-PR reclamou muito por não poder fazer o primeiro jogo na Arena da Baixada (o regulamento vetava estádios com capacidade inferior a 40 mil pessoas nas finais). Acha que o resultado teria sido diferente?
Creio que não. Nosso time era muito bom e nossa fase era fantástica. O São Paulo ganhou do River na Argentina, onde diziam que seria impossível. Tudo que tínhamos para errar, erramos em 2004. O jogo-chave foi contra o Palmeiras. Conseguimos um bom resultado no Palestra Itália e iríamos decidir no Morumbi. A partir dali, ninguém nos seguraria.

Conseguiram um bom resultado no Palestra Itália porque você fez um golaço de pé esquerdo. Raro, não?
Deus me abençoou demais. Fiz gol de cabeça naquela Libertadores, que era raridade, gol de pé esquerdo então. O Rogério até comentou que depois de ganhar no Palestra com um gol de esquerda do Cicinho, não teria como perder a Libertadores.

No segundo jogo contra o Palmeiras você fez o gol número 10 mil da história da Libertadores. Recebeu algum prêmio da Conmebol?
Havia um prêmio, mas eu nunca fui pegar. Viajei com a seleção brasileira e depois perguntei se era uma placa ou dinheiro, 10 ou 20 mil dólares. Ninguém me contou e nunca chegou nas minhas mãos. Mas tenho o nome na história… (risos)

Na final, um gesto se tornou marcante, quando você desarma o adversário, a bola sai pela lateral e você vibra. O estádio inteiro vibrou junto. Aquilo foi espontâneo ou planejado?
Espontâneo, no calor da partida. Gosto muito de assistir futebol de salão, e os caras vibram bastante quando tiram a bola. Eu me via fazendo aquilo e veio aquela euforia com estádio lotado. Não foi marketing, tanto que nunca mais fiz.

Quando vocês foram para o vestiário, no intervalo, logo depois de o Fabrício perder um pênalti para o Atlético-PR, tinham certeza de que seriam campeões?
Tínhamos. Quando ele perdeu o pênalti, entramos no vestiário falando exatamente isso. O título era nosso, tínhamos que manter a concentração, e foi o que aconteceu.

No lance do pênalti, o Lugano falou um monte de coisas no ouvido do Fabrício. Ajudou a desconcentrar. Devia ser difícil para os atacantes enfrentá-lo, não?
Era complicado até jogar com ele. Nós brincávamos que com o Lugano não tem “nhaca”. No futebol brasileiro, às vezes o jogador está na “nhaca”, a perna não vai, é normal. Havia alguns jogos em que eu não conseguia correr muito, ele olhava pra mim e gritava: “Vamos, muchacho!”. No vestiário, pegava no meu braço e chacoalhava. Dava medo dele (risos). Do mesmo jeito que ele falava com os adversários, falava com a gente: mordendo a boca, rangendo os dentes. E eu pensava: um dia esse cara ainda vai me dar um soco (risos). Nos treinos, havia muito contato físico entre ele e o Grafite. Saía faísca. O Grafite era um maluco, não tinha freio, e ele também não. Era cada dividida que só por Deus.

Mas essa liderança era positiva?
Claro! Ele queria vencer, como todos nós, mas tinha aquela maneira de cobrar. Nunca desrespeitou ninguém, é um grande amigo. No fim dos jogos, ficávamos eu, ele e o Josué tomando café e conversando. Quando ele veio à Turquia me ligou, falou da saudade do São Paulo. A amizade permanece até hoje.

Também foi naquela Libertadores que o Juvenal (Juvêncio, ex-presidente e vice de futebol naquela época) presenteou-o com um cavalo?
Ele disse que se fôssemos campeões, me daria dois cavalos. Não fui buscar, eu não tinha onde deixar. O Fabão e o Souza iam participar de um leilão e pegaram. O Juvenal era um cara fantástico. Nós íamos conversar com ele, mas já sabíamos que dali não sairia nada. Ô, homem ruim pra dar dinheiro pra nós! Mas foi o melhor dirigente que o São Paulo já teve, junto com o Marcelo Portugal (presidente da época, falecido em 2008), que Deus o tenha. Tínhamos tudo que precisávamos. Até o Marco Aurélio Cunha para jogar umas pedrinhas no Corinthians… (risos)

RELEMBRE A CAMPANHA DO SÃO PAULO NA LIBERTADORES-2015:

FASE DE GRUPOS
3/3 – The Strongest 3×3 São Paulo
9/3 – São Paulo 4×2 Universidad de Chile
16/3 – Quilmes 2×2 São Paulo
13/4 – São Paulo 3×1 Quilmes
21/4 – Universidad de Chile 1×1 São Paulo
11/5 – São Paulo 3×0 The Strongest

OITAVAS DE FINAL
18/5 – Palmeiras 0x1 São Paulo
25/5 – São Paulo 2×0 Palmeiras

QUARTAS DE FINAL
1/6 – São Paulo 4×0 Tigres
15/6 – Tigres 2×1 São Paulo

SEMIFINAL
22/6 – São Paulo 2×0 River Plate
29/6 – River Plate 2×3 São Paulo

FINAL
6/7 – Atlético-PR 1×1 São Paulo
14/7 – São Paulo 4×0 Atlético-PR