De árbitro suspeito a amigo japonês: 10 figuras “lado B” do tri são-paulino

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GloboEsporte.com

Alexandre Lozetti e Yan Resende

Conquista da Libertadores completa 10 anos e tem personagens inusitados: até a final, Tricolor passou por pagamento de dívida, racismo, lesão e suspeita de suborno.

 

  • Rogério Ceni, Amoroso, Paulo Autuori… O tri do São Paulo na Libertadores, que completa 10 anos neste 14 de julho, tem personagens pra lá de conhecidos. Protagonistas, figuras centrais de um título muito comemorado pelos tricolores. Depois de 12 anos, o clube voltava a conquistar o continente e se tornava o primeiro do país a erguer três vezes a taça de campeão da América.

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    O que pouca gente sabe é que essa campanha teve personagens inusitados que, de uma maneira ou outra, marcaram a trajetória do São Paulo até a vitória daquela noite por 4 a 0 sobre o Atlético-PR, no Morumbi. Desde jogador do Palmeiras até árbitro uruguaio e dirigente japonês, o GloboEsporte.com relembra figuras que influenciaram o tricampeonato.

    yasutoshi miura

    Leão no treino do São Paulo (Foto: João Pires / VIPCOMM)
    Depois de 2005, Leão voltou a treinar o São Paulo em 2011 e 2012 (Foto: João Pires / VIPCOMM)

    – Tenho uma dívida de gratidão a pagar no Japão.

    Assim, logo após ser campeão paulista, Emerson Leão justificou sua saída do São Paulo, em meio à Libertadores de 2005. A explicação foi vista como “desculpa” no rompimento de uma relação que, embora bem sucedida, estava desgastada com dirigentes e jogadores. Sem falar no polpudo salário que o técnico receberia no Vissel Kobe. Criou-se então o mítico “amigo japonês do Leão”. Tratava-se de Yasutoshi Miura, que ele treinara numa passagem anterior pelo país e, havia 10 anos, dirigente do clube em crise.

    A diretoria tricolor sondou Muricy Ramalho, pensou em Zetti, mas, depois de uma partida sob o comando interino de Milton Cruz, contratou Paulo Autuori, que deixou a seleção do Peru e levou a equipe ao tricampeonato. Antes de sua chegada, o São Paulo havia sofrido nove gols em cinco jogos. Com Autuori, foram cinco gols em nove jogos, todos fora de casa. E há quem, até hoje, agradeça a Miura, o “amigo japonês”.

    falcão

    Falcão São Paulo 2005 (Foto: Diário de São Paulo)
    Falcão, craque do futsal, jogou 16 mionutos na Libertadores-2005 (Foto: Diário de São Paulo)

    Lembram-se de quem eram os camisas 12 do São Paulo na conquista da Libertadores? No fim era Roger, contratado junto à Ponte Preta quando era artilheiro do Campeonato Brasileiro, ainda em seu início. Mas antes dele, Falcão, o craque do futsal, vestiu o uniforme e entrou em campo. Pode se considerar campeão. Ele entrou no lugar de Danilo e participou de 16 minutos da vitória por 4 a 2 sobre a Universidad de Chile, na fase de grupos. Mas não resistiu à indiferença de Emerson Leão.

    Principal novidade do grupo tricolor para 2005, Falcão não contava com a simpatia do técnico. O fato de ser gênio no futsal não o credenciou a ter as chances que todos imaginavam, principalmente a torcida. Como o São Paulo ganhava e jogava bem, ficou difícil cobrar sua presença. Falcão, assim como Luizão, fez um acordo para deixar o Tricolor antes de Leão decidir pagar a dívida de gratidão ao amigo japonês. Por ironia do destino, ele e o treinador saíram praticamente juntos. Leão disse que Falcão era o único atleta feliz. Em entrevista à Rádio Globo, na época, o jogador rebateu:

    – Tem mais gente feliz. Ele trabalha em cima da vaidade e só abriu a boca para falar mal de mim.

    Se Falcão jogaria com Autuori e se tornaria um bom jogador de campo? Fica na imaginação…

    desábato

    grafite desabato são paulo (Foto: Reprodução)
    Desábato, camisa 2 do Quilmes, ofende Grafite na partida no Morumbi (Foto: Reprodução)

    Os confrontos contra o Quilmes deram àquele time do São Paulo a sensação de disputar uma Libertadores logo na fase de grupos. Na Argentina, dirigentes sofreram nas tribunas com cusparadas. Os jogadores também foram xingados pela torcida. O empate por 2 a 2 foi o primeiro ponto conquistado pelo clube atuando no país vizinho na história do torneio. O pior estava reservado para o Morumbi… Já sob a tensão do racismo, o atacante Grafite foi chamado de “negro de merda”, além de outras ofensas raciais, pelo zagueiro Leandro Desábato. Expulso pelo revide que o árbitro viu, decidiu denunciar o adversário.

    O delegado Osvaldo Nico Gonçalves, que assistia ao jogo no Morumbi para tentar coibir ação de flanelinhas, esperou o fim da partida, entrou em campo e deu voz de prisão ao argentino.

    Desábato foi algemado e passou duas noites preso, até o pagamento da fiança. Grafite tinha seis meses para prestar queixa-crime contra o zagueiro e levar o caso adiante, mas desistiu.

    marcinho guerreiro

    Marcinho Guerreiro tentará a quinta vitória em cinco jogos com a camisa alviverde (Foto: Rosiron Rodrigues/Goiás E.C.)
    Marcinho Guerreiro jogava no Palmeiras em 2005 (Foto: Rosiron Rodrigues/Goiás E.C.)

    Grafite era um dos principais jogadores do São Paulo na Libertadores. Convocado por Carlos Alberto Parreira para a Copa das Confederações e um dos artilheiros do time no torneio, ele vivia sua melhor fase quando, numa dividida com Marcinho Guerreiro, machucou o joelho direito na primeira partida das oitavas de final contra o Palmeiras. O atacante saiu, foi poupado no Brasileiro e ainda esteve em campo por duas partidas, a da volta contra o rival e a abertura das quartas diante do Tigres. Foi naquela noite que Grafite sentiu de vez. Desabou, chorou e, na cirurgia, descobriu-se que a lesão era grave.

    Marcinho Guerreiro, sem intenção, evidentemente, mudou a vida do São Paulo na Libertadores. Tirou seu principal atacante de ação, mas provocou a vinda de outro craque. A diretoria tricolor contratou Amoroso para vestir a camisa 9 nas semifinais e finais, e deu no que deu: dois gols, grandes atuações e o título.

    davi

    Davi Rodrigues (Foto: Reprodução/Twitter)
    Davi atua hoje na China (Foto: Reprodução/Twitter)

    Davi Rodrigues de Jesus foi camisa 9 do São Paulo na Libertadores-2005 por 24 horas. Foi sem nunca ter sido. Quando a delegação desembarcou no Brasil após classificar-se no México para a semifinal, o vice-presidente de futebol Juvenal Juvêncio foi enfático: não iria contratar ninguém para o lugar de Grafite, machucado. O São Paulo iria para a semifinal apenas com Luizão e Roger, já que Diego Tardelli estava com a seleção brasileira sub-20, e inscreveria o jovem Davi, contratado meses antes do Paulista de Jundiaí.

    – Vamos inscrever o Davi – bradou Juvenal, ainda no aeroporto.

    O São Paulo havia tentado repatriar França, sem sucesso. Procurou Cláudio Pitbull e Nilmar, também não teve êxito. Mas na noite seguinte, sexta-feira, fechou com Amoroso. Davi foi um blefe de Juvenal. Fosse mais experiente, até poderia ter tido a chance de jogar contra o River Plate e disputar o Mundial. Mas o consagrado atacante chegou, vestiu a 9 e foi importantíssimo.

    parreira

    Carlos Alberto Parreira em evento da Gatorade em Londres (Foto: Cassio Barco)
    Carlos Alberto Parreira era o técnico da seleção brasileira em 2005 (Foto: Cassio Barco)

    A campanha do Atlético-PR, finalista da Libertadores contra o São Paulo em 2005, surpreendeu. Além do futebol convincente e da força de seu estádio, é inegável que a Copa das Confederações deu uma forcinha para levar o Furacão até a decisão. É que Carlos Alberto Parreira convocou o craque Robinho e o lateral Léo para o torneio, disputado simultaneamente à Libertadores. Sem eles, o Santos, que precisava vencer, perdeu por 2 a 0 na Vila Belmiro e foi eliminado antes do aguardado clássico paulista.

    Na semifinal, o Furacão enfrentou o Chivas desfalcado por sete jogadores convocados pelo México para disputar a Copa das Confederações. Entre eles, dois goleiros. Deu Atlético!

    Parreira também incomodou o São Paulo. Cicinho, destaque da Libertadores, defendeu a Seleção e não participou do segundo jogo das quartas e das semifinais contra o River Plate. Paulo Autuori também não contou nesses jogos com três jovens que estavam no Mundial Sub-20: o zagueiro Edcarlos, o lateral-esquerdo Fábio Santos e o atacante Diego Tardelli.

    gustavo méndez

    Quando o São Paulo venceu o River Plate por 2 a 0, na primeira semifinal, no Morumbi, o sentimento no vestiário era: “ganhamos até do juiz”. A arbitragem do uruguaio Gustavo Méndez revoltou dirigentes, jogadores e comissão técnica. Mas ninguém imaginava o que estaria por trás da atuação suspeita.

    Méndez tinha moral na Conmebol, a ponto de ser escalado para uma semifinal entre clubes brasileiro e argentino. E mal sabia que estava no fim precoce de sua carreira. Apenas 11 dias depois, ele entraria em ação pela última vez: apitou Nacional x Rocha, considerado um dos grandes escândalos de arbitragem do futebol uruguaio, que teve influência direta no resultado da liga nacional. Foi expulso do quadro.

    No ano seguinte, um grampo telefônico registrou conversa em que o empresário Jorge Chijani admitia ter levado dinheiro de suborno do River para Méndez, no mês da semifinal contra o São Paulo: cerca de R$ 45 mil. A ligação dizia ainda que dirigentes do River costumavam agir nos bastidores para que Méndez apitasse seus jogos. Árbitro e clube argentino negaram tudo. Méndez reuniu documentos e apelou contra suas punições. Hoje, comenta na TV uruguaia.

    lucho gonzález

    Lucho Gonzalez River Plate (Foto: Reprodução Instagram)
    Lucho Gonzalez River Plate (Foto: Reprodução Instagram)

    Se Gustavo Méndez estava mesmo disposto a prejudicar o São Paulo naquela noite de 22 de junho de 2005, teve, além da magnífica atuação tricolor, outros dois adversários. Nos minutos finais, o volante argentino Lucho González cortou com a mão um cruzamento de Luizão para Amoroso. O árbitro uruguaio não deu nada, mas seu assistente, Fernando Cresci, acenou insistentemente com a bandeira.

    O fato foi até relatado numa carta enviada por Juvenal Juvêncio, então vice-presidente de futebol, à Conmebol, no dia seguinte, em protesto contra Méndez. Pênalti marcado, Rogério Ceni bateu com precisão e ampliou a vantagem para 2 a 0. Fundamental para que o time brasileiro controlasse o jogo de volta no Monumental: nova vitória, dessa vez por 3 a 2.

    Depois de passagens pela Europa e de ter sido titular da seleção argentina, 10 anos depois, Lucho está de volta ao River. Vai disputar a semifinal da Libertadores, que ironia do destino, a partir desta terça-feira, contra o Guaraní do Paraguai.

    fabrício

    Fabrício; Atlético-PR; Brasileiro de 2005; Atlético-MG 2 x 3 Atlético-MG (Foto: Reprodução SporTV)
    Fabrício em ação pelo Atlético-PR no Campeonato Brasileiro de 2005 (Foto: Reprodução SporTV)

    Fabrício Souza teve chance de jogar água no chope do São Paulo. Mas acabou jogando mesmo a bola na trave. O meia foi um dos destaques do Atlético-PR naquela Libertadores, mas suas pernas sucumbiram no Morumbi lotado. Famoso pela eficiência nas bolas paradas, ele perdeu o pênalti que Aloísio cavou no fim do primeiro tempo da finalíssima. Nas arquibancadas, os tricolores, que já venciam por 1 a 0, comemoraram como se fosse um gol. A equipe foi para o vestiário com a certeza do título, e o Furacão ainda mais derrotado pela enorme oportunidade de empatar a partida ter sido desperdiçada.

    Desde 2012, Fabrício Souza passou por Guarani, Rio Verde-GO, Paracatu-DF, Interporto-TO…

    aloísio chulapa

    Aloísio Chulapa tira foto com o patrão Rogério Ceni em evento no Morumbi (Foto: Reprodução/Instagram)
    Aloísio Chulapa com Rogério Ceni em evento no Morumbi neste ano (Foto: Reprodução/Instagram)

    Aloísio estreou no São Paulo no Mundial, mas foi na Libertadores que ele começou a ser contratado. O centroavante foi essencial para levar o Atlético-PR à decisão contra seu futuro clube. Na Vila Belmiro, enquanto Robinho estava com a seleção brasileira, foi o Chulapa quem brilhou ao marcar os dois gols da vitória que eliminou o Santos, campeão brasileiro e favorito, e classificou o Furacão. No Beira-Rio, na primeira partida da final, Aloísio marcou em Rogério Ceni no empate por 1 a 1. E no Morumbi, em intensa briga de corpo com o zagueiro Alex, conseguiu um pênalti desperdiçado por Fabrício. Tanto trabalho e sofrimento foram recompensados com a admiração de Ceni. Eles conversaram ainda em campo, rivais, antes de se tornarem companheiros e enormes amigos.

    Hoje, Aloísio é quem mais colaborou com os gols de Rogério, sofrendo faltas ou pênaltis. Tudo começou há 10 anos.