A 180 minutos do fim, time feminino do São Paulo tem último desejo: título

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GloboEsporte.com

Tossiro Neto

São Paulo encerrará modalidade após as finais do Paulistão. Por falta de pagamento da parceira, o próprio clube tem bancado os salários, que atrasaram quatro meses.

O time feminino do São Paulo tem dia e hora para fechar: 6 de setembro, por volta de 21h, no apito final da decisão do Campeonato Paulista, contra o São José. Depois de suportar meses sem salário, o último desejo das jogadoras antes de tirar a camisa tricolor pela última vez, claro, é premiar o esforço com título. A primeira final será neste domingo, às 15h, no Nicolau Alayon.

– Já cheguei a várias finais e digo que, por tudo o que está acontecendo, também por ser um time montado recentemente, essa tem um sabor especial. Independentemente de ser campeão ou não, já foi um resultado muito positivo. Por tudo isso, por nossa campanha, esse time vai ficar marcado na história, principalmente para mim – diz o técnico Marcello Frigério, vice-campeão brasileiro de 2014 no comando do Kindermann, de Santa Catarina.

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Não é fácil ficar sem receber. Afetou muito a vida de todas nós. Muitas têm aluguel, cartão de crédito, para pagar. Nossos familiares tentaram ajudar, mas não possível conseguir tudo. Passamos um perrengue
Carla, artilheira do time

A modalidade foi retomada no São Paulo em fevereiro. Depois de 14 anos sem um time de futebol feminino, a diretoria abriu peneira e iniciou as atividades no mês seguinte, em parceria com o Capes (Centro de Apoio Profissionalizante, Educacional e Social). O acordo era que o parceiro bancasse os vencimentos da comissão técnica e também a folha salarial de R$ 56 mil do elenco, o que não ocorreu nos últimos quatro meses, até que o próprio clube assumisse a dívida, a despeito da dificuldade já para pagar o masculino.

– Foi um momento muito difícil. A gente tentou se unir ao máximo, porque não é fácil ficar sem receber. Afetou muito a vida de todas nós. Muitas têm aluguel, cartão de crédito, para pagar. Nossos familiares tentaram ajudar, mas não foi possível conseguir tudo. Passamos um perrengue bem grande. Até agora, a gente ainda está tentando acertar dívidas. Não é fácil, mas temos certeza de que vamos ficar bem – conta a artilheira Carla (apelidada de “Romarinha”), que iniciou a carreira no salão e se arriscou pela primeira vez nos gramados.

“Vamos jogar tudo pela janela?”

Para algumas, o risco não valeu a pena. Umas receberam proposta e mudaram de clube. Houve ainda quem, sem dinheiro, deixasse o alojamento no CT Vila Porto (sede de treinamentos da equipe, em Barueri) para voltar a morar com a família. As que ficaram ouviram de Frigério, treinador com experiência até em Copa do Mundo (pela seleção da Guiné Equatorial, em 2011), o conselho para “não jogar tudo pela janela”. Hora ou outra, elas seriam recompensadas.

Marcello Frigério São Paulo (Foto: Renata Lutfi/saopaulofc.net)Marcello Frigério, técnico da equipe, convenceu suas atletas a seguir trabalhando (Foto: Renata Lutfi/saopaulofc.net)

Reduzido a 19 nomes, o grupo concordou com o chefe. Afinal, a equipe tinha passado invicta em sua chave e alcançado a semifinal, única fase em que sofreu uma derrota, para o XV de Piracicaba. O último desafio antes da decisão era o Santos. Era. Com dois empates – o primeiro deles com uma jogadora a menos, e o segundo buscando dois gols de diferença –, o São Paulo se garantiu na disputa do título contra o São José, campeão da edição passada e dono da melhor campanha, mas rival já batido na competição.

SEM RODÍZIO E SEM CLUBE

Na segunda partida da semifinal, disputada no mesmo dia em que o time masculino perdeu para o Flamengo, alguns torcedores incentivaram de forma inusitada no complexo social do Morumbi. Aos gritos, pediam que a diretoria negociasse jogadores do elenco comandado por Juan Carlos Osorio a fim de não acabar com a equipe feminina.

– Nós escutamos do campo. É bom isso, não pelo Ganso (um dos nomes citados pela torcida) e pelos outros, mas porque a gente vê que eles querem apoiar o futebol feminino. Querendo ou não, isso é muito legal para a gente – diverte-se Carla, atacante que tem sete gols na competição, dois deles marcados no empate de 2 a 2 contra o Santos.

São Paulo feminino (Foto: Renata Lutfi/saopaulofc.net)
São Paulo passou pelo Santos na semifinais
(Foto: Renata Lutfi/saopaulofc.net)

Diversão, a propósito, há de sobra, apesar das dificuldades. Por serem poucas e morarem juntas, as meninas ficaram muito próximas, passando a compartilhar inclusive gostos musicais, como o pagode que dançaram no vestiário antes do último jogo (assista no vídeo). O lado ruim de se ter um grupo pequeno é a falta de opções para armar a equipe, problema que Osorio também vem encarando. O treinador colombiano já admitiu até diminuir o rodízio.

– Acho que o que ele faz é legal, não é ruim. É questão de adaptação ao futebol brasileiro. Logo, logo ele vai tirar de letra isso. O São Paulo ganhou do Ceará com propriedade. Se eu pudesse, eu faria também. Não faço porque nem tenho número de jogadoras para fazer. Mas sempre é bom colocar todos para jogar, deixar todos no mesmo nível – defende Frigério, esperançoso de que a decisão contra o São José possa ser vitrine para as atletas e ele.

– Tem que fazer parte da festa. A festa é a final. Só quem está ali é que as pessoas vão enxergar – destaca o treinador. Antes mesmo da decisão, começam a surgir sondagens para a disputa do Brasileiro, objetivo de todos antes de realizar o último desejo com as cores São Paulo.