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Alexandre Lozetti
Autor de um gol em 29 partidas na temporada, meia do São Paulo precisa se despir de sua elegância e assumir a responsabilidade de mudar o cenário de um ano terrível.
Ganso tem um gol em 29 jogos no ano(Foto:André Lucas Almeida/Futura Press/Estadão Conteúdo)
Paulo Henrique Ganso não pode estar conformado com 2015. O mistério em torno do futebol do camisa 10 do São Paulo é um dos mais difíceis de se desvendar. Cinco anos depois, ainda há quem espere e torça pelo despertar daquele craque de 2010, que, ao lado de Neymar, no Santos, praticou o jogo mais bonito dos últimos tempos (por seis meses).
Exagero. Ganso não precisa voltar tão longe no tempo para ser considerado um ótimo jogador. Em 2013, foi fundamental para afastar o São Paulo da zona de rebaixamento. Em 2014, conduziu o time ao vice-campeonato brasileiro. Mas a passividade com que encara a temporada, na qual fez um único e inacreditável gol em 29 jogos, dá luz a questionamentos radicais: ele é bom mesmo?
Deve haver muitos que pensam que não, e até com bons argumentos. Discordo. Ganso é talentoso. Um talento raro já demonstrado, mas insuficiente para anular deficiências que o impedem de ser completo. Um desses problemas é justamente a incapacidade de se redescobrir, se renovar. Não basta estar insatisfeito com o próprio rendimento, como ele, de fato, está. É preciso agir.
As constantes transformações pelas quais passa o São Paulo afetam o desempenho de qualquer jogador. Ganso não foge à regra. Culpá-lo por tudo, como às vezes se faz, é injusto. Na atual fase, Juan Carlos Osorio trabalha para que o meia não se movimente tanto, justamente o contrário do que sugerem alguns técnicos, colunistas, ex-jogadores… Aliás, nenhum boleiro do futebol brasileiro é alvo de tantas opiniões, palpites ou decretos quanto Paulo Henrique Ganso.
Na visão do técnico colombiano, seu maestro não precisa vir ao campo de defesa para receber a bola e iniciar a criação das jogadas ofensivas. Ele quer que seus zagueiros, volantes e laterais (ou alas) tenham qualidade suficiente para isso, e proporcionem a Ganso receber a bola atrás dos volantes adversários para decidir (veja no campinho acima), ou com finalizações, ou com assistências para uma das três opções de passe que Osorio, quer oferecer a ele.
Portanto, quando o jogador não se apresentar para receber a bola dos zagueiros, não recuar ao círculo central, não “aparecer”, como costumam reclamar os corneteiros do Morumbi, segurem o ímpeto de xingá-lo. É uma orientação, é treinado.
No próximo domingo, contra o Corinthians, Ganso não terá Luis Fabiano à sua frente, o que pode se transformar em boa notícia. São grandes jogadores, mas o centroavante acaba travando um espaço de criação do meia.
Por outro lado, não terá Pato, aquele cuja movimentação mais cria possibilidades ao camisa 10. É possível que, no clássico, o meia tenha de lidar com a falta de compreensão tática do argentino Centurión, que tenta compensar com raça e carisma.
Não será fácil dar qualidade ao time do São Paulo para que Ganso receba a bola, já no último terço do campo, em condições de criar. Mas Osorio não tem medo de trabalho. A última imagem do meia é de um bom jogo contra o Atlético-MG. Uma atuação consistente, corajosa, mas marcada por uma bola na trave (assista no vídeo abaixo) carregada de uma dessas características mais irritantes do canhoto: a tal incapacidade de fazer diferente.
Ganso bateu com estilo. Deslocou o goleiro. Girou o corpo. O pé de apoio estava na grama de maneira impecável. A cabeça em pé. A bola girou em movimentos rotacionais como se fosse um balé. Mas não entrou. E precisava entrar. Era tudo que o São Paulo e Ganso precisavam. Tudo que o camisa 10 faz parece bonito. Ele deve ser elegante até para comer um cachorro-quente cheio de molhos.
Mas no momento que vivem jogador e clube, nenhum movimento ali poderia ser mais bonito do que o estufar da rede. Ganso, que já havia desperdiçado chance surreal diante do Coritiba (assista abaixo), precisa descer alguns degraus em sua escadaria da elegância. Precisa rebaixar-se ao nível dos mortais. Sair da “matrix”, o mundo imaginário em que tudo está bem, sob controle, as perspectivas são as melhores possíveis e a seleção brasileira está ali à espera de seu retorno para voltar a ser respeitada. Ganso precisa mudar o jogo.
Não é possível que ele se conforme em ter perdido duas Copas do Mundo e não ter, hoje, nem sequer ilusão de disputar a de 2018. Quando Dunga fala (e ele sempre fala) que, para fazer parte da Seleção, o jogador precisa ter, além de tudo, mentalidade vitoriosa, um dos nomes escondidos sob sua condição é o de Paulo Henrique Ganso.
Não assino a impressão de que não corre sangue nas veias do jogador. Ele se importa, se esforça, marca, desarma, não é um cubo de gelo humano como se diz por aí. Mas com a capacidade técnica e a visão privilegiada que tem, Ganso tem de se inconformar com números pífios e resultados ruins. Precisa mudar o cenário, chutar de bico, abrir mão de um jogo que ele parece praticar sozinho. Inconformismo é o mínimo que o São Paulo espera de seu maestro.