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Luis Augusto Simon
A ascensão de Carlos Augusto Barros e Silva à presidência do São Paulo representa um sonho – muito mais que um desejo – conquistado e o retorno de um estilo de governo muito cultuado pelos são-paulinos e há tempos ausente do Morumbi.
O apelido Leco é o único ponto fora da curva quando se imagina um representante do modo como o são-paulino – mesmo o mais humilde – se enxerga no espelho.
Um cardeal de pura cepa, diziam os antigos. Não apenas um operador de alta patente na política do clube, mas a personificação de um modo de ser – elegante, discreto – ausente nas últimas gestões.
Tudo ficou claro quando Leco, como presidente interino, deu sua primeira entrevista. Antes das perguntas, leu um texto preparado anteriormente. Ele, fiel ao estilo, diria adrede preparado.
Foi um texto bonito e discreto, contando de sua alegria em conquistar o sonho de uma vida e da sua preocupação com o futuro.
Com elegância. Nada dos discursos histriônicos de Juvenal Juvêncio, com seu sotaque indecifrável e seus petardos dirigidos a inimigos de longa e curtíssima data. E nada das piadinhas juvenis de Carlos Miguel Aidar, sempre pronto a buscar em preconceitos uma forma de humilhar rivais.
Impossível imaginar um Leco do Chapéu.
Mas, ao vestir o terno do “saopaulinismo”, ao ser a mais fiel representação do cardinalato, Leco sofre grande rejeição. O verdadeiro cardeal não é bom de voto dentro de um clube que sempre se orgulhou de ser dirigido por cardeais.
Uma contradição que nunca foi decifrada pelo novo presidente. Por isso, perdeu a eleição para Paulo Amaral, em 2000, por quatro votos, mesmo sendo favorito. Por isso, foi preterido por Juvenal Juvêncio, que o deixou de lado em nome de Carlos Miguel, afastado do clube há pelo menos duas décadas.
A escolha foi contestada por Leco. Demonstrou sua mágoa a Juvenal e manteve uma candidatura alternativa por um tempo. Depois, a abandonou e foi eleito presidente do Conselho Deliberativo.
Sua renúncia era algo esperado. Primeiro, pelo grande poder político de Juvenal, capaz de sufocar toda dissensão. E, depois, pela fidelidade como faceta do caráter de Leco. Ele diverge internamente, mas aceita, no final, a orientação do grupo. Como se fosse adepto do centralismo democrático dos partidos comunistas.
Foi assim quando se mostrou contrário ao terceiro mandato de Juvenal. Disse ao ex-presidente que não concordava, mas seguiu junto.
Agora, aos 77 anos, Leco se torna presidente do São Paulo e tem a oportunidade de mudar duas coisas a que se opôs e que não teve forças para derrubar. Ele disse, em entrevistas, que muito do mau momento do clube vem do fato da mudança do estatuto haver permitido um terceiro mandato a Juvenal. E, quando preterido por Juvenal há dois anos, também cravou que Aidar seria um retrocesso.
Estava certo nas duas afirmações. Agora, precisa enfrenta-las. Há uma dívida enorme a ser paga. Ou, pelo menos, negociada. E há um mar de lama total – comissão para namorada, ofensa a rivais, pagamento de multa por negócio suspeito, diretor gravando confissão de presidente etc etc – que o são-paulino sempre gostou de ver associado ao Corinthians. E que se tornou realidade no clube dos 240 conselheiros e poucos cardeais.
O sonho de ser presidente está concretizado. Agora, Leco terá muito trabalho a fazer. Para isso, terá apoio de Abílio Diniz, o empresário que atuou muito pela queda de Aidar, terá que acomodar muitos apoios na diretoria e terá de lidar com uma gravação criminosa.
Como o homem que encarna a figura idealizada do cardeal lidará com isso?