GloboEsporte.com
Marcelo Hazan
Alexandre Bourgeois diz que barrar Dória o prejudicou, critica valor de suposto salário do diretor Gustavo Vieira e se classifica como fundamental para queda de Aidar.
Demitido do São Paulo duas vezes em dois meses, por Carlos Miguel Aidar e Carlos Augusto de Barros e Silva, o ex-CEO (Chief Executive Officer) Alexandre Bourgeois se sente traído. O executivo diz ter sido fundamental para a renúncia do antigo presidente, a qual atribui ao caso Iago Maidana. Ele também aponta fritura do vice-presidente de futebol Ataíde Gil Guerreiro, desde que barrou a contratação definitiva de Dória e vetou uma comissão de R$ 4 milhões.
Em entrevista do GloboEsporte.com, Bourgeois critica as supostas condições de salário e bônus do contrato do diretor executivo Gustavo Vieira de Oliveira, ao qual afirma que teve acesso – o dirigente negou nesta semana ter participação com lucro nas negociações de atletas. O ex-CEO também admite erro ao falar e se expor demais na imprensa.
Segundo Bourgeois, o plano de profissionalização proposto ao São Paulo, barrado por Aidar e Leco, tinha metas no futebol. Ele previa redução do custo mensal com o departamento, de cerca de R$ 8 milhões para algo entre R$ 5 milhões e R$ 6 milhões, elenco com 25 jogadores considerados de “nível A” e mais cinco atletas revelados no clube, e cobrança de resultados da base. Para 2016, por exemplo, a meta seria promover ao menos quatro atletas, condição para reaver parte do investimento de R$ 22 milhões anuais em Cotia, de acordo com o ex-CEO. Por fim, também planejava diminuir de 92% para 70% os gastos de receitas anuais com o futebol
O Tricolor também seria gerido por um conselho de administração, no qual o presidente teria de se submeter a decisões colegiadas e poderia ser voto vencido. A reportagem procurou o São Paulo e os dirigentes citados por Alexandre Bourgeois, mas eles não quiseram se pronunciar.
Veja os principais trechos da entrevista:
GloboEsporte.com: O que foi alegado nas suas duas demissões?
Alexandre Bourgeois: Na primeira, vazamento de informação no caso Boschilia, inclusive falaram que era para o GloboEsporte.com. E outra coisa era que tinha me reunido com o Leco, à época presidente do Conselho. Isso foi considerado uma traição. Na segunda, alegaram que não tinha a menor condição de o São Paulo implantar uma gestão profissional, e iriam extinguir o cargo de CEO. O Leco disse que o clube não estava preparado, o clima político e as pessoas não permitiam. Disse que era muito bom, mas não poderia implantar. Era praticamente o mesmo plano apresentado ao Carlos Miguel.
Não alegaram vazamento de informação do contrato do Gustavo?
Não. Mas a alegação de vazamento foi subentendida, por parte do Ataíde. É só ir atrás e perguntar. Jornalista não divulga sua fonte, mas pode dizer quem não foi. Se perguntarem às pessoas de quem foi o vazamento do Boschilia e do contrato do Gustavo, os jornalistas podem falar que não foi eu. E é verdade. Nos dois casos eu sei quem fez, mas não foi eu.
Não é muita coincidência haver alegação de vazamento de informação nas duas demissões, em dois meses?
Não, é a mesma pessoa que alega os vazamentos. Não tem coincidência. Mas tenho como provar que não vazei. Ele (Ataíde) não tem como provar que eu vazei.
Você teme ficar “queimado” no meio do futebol por essas demissões?
Não, tentei fazer o certo. Não fui demitido por corrupção, incompetência ou falta grave. Não tinha espaço para gestão profissional, não queriam nos dois casos. Acho que existe espaço no futebol brasileiro. Quero seguir trabalhando para participar da reestruturação do futebol. Sei que clubes enxergam isso e vou ter chance. Estou em conversa inicial com dois clubes, um da Série A e um da Série B.
Você teve acesso ao contrato do Gustavo? Os termos são os mesmos que foram publicados na “Folha de S. Paulo”?
Tive acesso. Pedi porque queria colocar no orçamento, e não tinha previsão desse cargo para o orçamento. As informações eram parecidas com essas. Não sou o responsável pelo vazamento. Sei quem vazou, mas eu não vazei. Não vou fazer delação, não é da minha índole. Pessoas da diretoria me pediram para falar, mas me recusei. Não quero salvar minha pele com a delação de outro. Não faço isso. Questionei membros da diretoria referente a comissão sobre jogador, que não acho correto, e ao salário, que não achava condizente com a situação do São Paulo. Se não tem dinheiro para fazer as coisas, não podem contratar um executivo por R$ 120 mil, que, salvo engano, é o maior salário de executivo de futebol do Brasil. Tem de ter um fixo mais baixo e um variável maior. Quando questionei, diziam que era isso mesmo e estava feito. Não sei se o contrato foi assinado. Não achava que o contrato era condizente com a situação financeira do clube, nem com a cabeça que tenho, de remuneração baseada em meritocracia.
Nos bastidores, diziam que você quebrou hierarquias e se metia em áreas das quais não tinha atribuição…
Qual hierarquia eu quebrei? Até onde sei o trabalho do CEO é esse: se envolver em todas áreas para ter uma visão global do clube ou da empresa. Tem de ter acesso a todas áreas. Não sei qual hierarquia quebrei.
Como você atuou na transição de presidentes e como se sentiu ao sair novamente poucos dias após a eleição do Leco?
Trabalhei junto com o Manssur (atual vice-presidente de comunicação e marketing) na eleição. Nós escrevemos juntos a plataforma de governo do Leco. Entrei para ser CEO com a promessa clara de profissionalização por parte de todos envolvidos. A sensação pela forma como fui demitido foi de traição. Ingratidão e traição. Me senti usado por tudo o que fiz. Um dos principais motivos para o Leco estar hoje na presidência foi o trabalho que eu fiz, especialmente no caso Maidana. Dificilmente sem ele existiria renúncia. Quando você me pergunta no que errei foi nessa avaliação. Se fosse para fazer de novo em outro lugar, não faria. Pensei na instituição, ajudo pessoas a conquistarem posições que elas queriam, em nome de um projeto maior, que é a gestão profissional, modernização, e meu prêmio é ser demitido. O Manssur era com quem mais eu tinha contato. Ele lamentou minha saída, disse que era uma pena. Não guardo mágoa. A relação com o Natel (vice-presidente) e com o Leco sempre foi ótima. A gravação do Ataíde contribuiu, mas não existiria sem o caso Maidana, não teria motivo para gravar. O Natel também foi importante ao criticar o Ataíde no Conselho, e o Abílio Diniz definindo o caso como “batom na cueca”. Tudo aconteceu porque fiquei meses trabalhando e reunindo essas informações. Faria de novo? Não dessa forma.
Você teve acesso ao contrato do Dória? Havia previsão de pagamento de comissão de R$ 900 mil ao empresário dele?
Não tive acesso, mas pagar R$ 900 mil em uma negociação de comissão não me parece bom negócio. Quando quiseram contratar o Dória, briguei para não fechar, porque o São Paulo não tinha dinheiro. Não aconteceu e foi o estopim de todo o trabalho do futebol contra mim, por eu ter barrado um contrato que eles queriam que fosse feito de todo jeito. O Ataíde não dizia nada, mas me fritava em várias oportunidades. Isso mostra que ele não ficou feliz por eu ter barrado ou colocado obstáculos na contratação do Dória. Isso certamente comprova o que você diz: quebra de hierarquia. Ou seja, não estava lá para fiscalizar e fazer a coisa certa. Estava para “fazer de conta”. É isso que eles queriam. Esse era o problema. Como iriam pagar 8 milhões de euros por um jogador, com três meses de salários e imagem atrasada? Coloquei obstáculos, acharam que eu me metia onde não deveria e a partir daí começou o processo de fritura.
Mas como soube desses valores se antes disse que ficava trancado em uma sala sem acesso aos contratos?
Fiquei sabendo por um empresário francês ligado ao Olympique. A informação veio da França, não daqui. Aí sim interpelei as pessoas. O empresário me disse a época que o São Paulo pagaria uma comissão de R$ 4 milhões. Questionei o Aidar sobre isso. Ele falou que iria ver com o Ataíde. Entendi na época que ele não sabia o que estava acontecendo e iria falar com o Ataíde. Depois, ele me disse que brigou com o Ataíde por essa negociação, porque achava que era uma loucura pagar isso, e não deu certo. Eu tenho certeza (que o Ataíde não o queria no clube), porque a estrutura de poder não pode ser incomodada. Não só no São Paulo, como em qualquer clube brasileiro.
Quanto o São Paulo gasta com o futebol?
Que gaste R$ 8 milhões por mês, no departamento de futebol com folha de jogadores. O Santos gasta metade. Pra mim a analise é: quanto gasta no elenco e quantos pontos tem no campeonato (53 pontos). O São Paulo não foi eficiente. Quem fez esse trabalho, no caso o vice Ataíde, não foi eficiente, porque gastou muito e teve pouco retorno. Quem fez na Ponte Preta (50 pontos), no Santos (54 pontos) fez melhor, porque gastou menos e teve mais resultado.
Aidar e Leco não aceitaram o seu plano no São Paulo. O futebol brasileiro não admite esse modelo de gestão?
São estruturas políticas, não empresariais. São agremiações políticas que jogam futebol. Considero 95% do que se faz política e 5% gestão. Fiz uma emenda ao Profut (Programa de Modernização do Futebol Brasileiro) com o deputado Jutahy Magalhães (PSDB) sugerindo a constituição da Sociedade Empresária do Futebol, a SEF, que daria opção aos clubes de se tornarem empresas, com alíquota fiscal diferenciada. Isso seria o início da revolução no futebol. Infelizmente foi vetada pela presidente Dilma. Se não houver chance de virar empresa, gerido profissionalmente, com governança, não vai competir com Europa, Ásia e outros centros. A diferença econômica é brutal. O futebol brasileiro tem de se reinventar.
Você não fez nada de errado nessas duas passagens? Só culpa as saídas por não descartarem a gestão profissional?
Não, cometi erros. Mas acho que o principal é a briga contra um sistema que não quer mudar. Com certeza errei. No mínimo de achar que teria condição de implantar essa gestão profissional. Erro de avaliação da minha parte. Hesitei em voltar e não deveria ter voltado. Posso enumerar vários erros. Mas só erra quem tenta. Se não estivesse lá, não teria errado. Continuo tentando. Minha passagem pelo São Paulo serve de aprendizado.