Berço de Casemiro vira fornecedor de jovens atletas para clubes do Brasil

337

globoesporte.com

Danilo Sardinha e Silas Pereira

Escolinha em São José dos Campos, interior de São Paulo, tem parceria com o São Paulo para indicar jogadores. Treinador faz alerta para formação de jovens no Brasil

“Esse daqui foi para o São Paulo. Esse para o Cruzeiro. Esse foi aprovado no Fluminense…”. Assim, Nilton de Jesus Moreira, de 56 anos, vai jogando carteirinhas sobre uma mesa redonda relembrando os alunos que passaram pela escolinha de futebol que tem há 19 anos em São José dos Campos, interior de São Paulo. Entre tantas, algumas se destacam. Uma foi a identificação de Casemiro, volante do Real Madrid. Outra de Ricardo Goulart, ex-Cruzeiro e atualmente no futebol chinês. E uma mais recente foi de Lucas Fernandes, promessa do São Paulo promovida ao profissional em fevereiro.

Moreira escolinha São José dos Campos (Foto: Danilo Sardinha/GloboEsporte.com)Ex-goleiro, Nilton de Jesus Moreira tem escolinha procurada por vários clubes do Brasil que buscam de jovens jogadores
(Foto: Danilo Sardinha/GloboEsporte.com)

As três carteirinhas se juntam a outras como do meia Juninho (ex-Los Angeles Galaxy), do meia Sérgio Mota (que surgiu como uma promessa do São Paulo em 2007) e do atacante Éverton Santos (ex-Corinthians). São exemplos como esses que fizeram do local um celeiro procurado por clubes de todo o Brasil em busca de jovens revelações.

Publicidade

Na última semana, a Moreira Sports recebeu o observador técnico Sandro Silva, do Internacional. Para esta semana, a vinda de um olheiro do Atlético-PR já está agendada. O São Paulo, porém, é quem mais tem a escolinha como uma fornecedora de jovens atletas. Há alguns anos, o Tricolor paulista firmou parceria formalizada com o local e, por isso, têm prioridade para selecionar os jogadores. Casemiro e Lucas Fernandes são frutos dessa parceria. Os atletas são indicados, primeiramente, para o São Paulo. Caso não fiquem no time do Morumbi, são indicados para outros clubes. A escolinha pode receber uma compensação financeira quando a promessa é contratada por um time no futuro.

Moreira escolinha São José dos Campos (Foto: Danilo Sardinha/GloboEsporte.com)Garotos da escolinha durante trabalho observado pelo olheiro do Internacional (Foto: Danilo Sardinha/GloboEsporte.com)

Em diversas equipes do Brasil existem jogadores que passaram pela escolinha. Só na disputa do Campeonato Paulista deste ano, Moreira afirma que estão dez ex-alunos. Além de Lucas Fernandes, um deles é o atacante Léo Costa, do Rio Claro, um dos artilheiros em 2014.

Mas qual é o segredo de Moreira, hein? O GloboEsporte.com foi à unidade principal da escolinha em São José dos Campos para conhecer como funciona esse celeiro de jogadores. Bom de conversa, Moreira conta como virou fornecedor de várias equipes do Brasil e comenta o trabalho para formação de talentos.

trabalho de fornecedor

Moreira escolinha São José dos Campos (Foto: Danilo Sardinha/GloboEsporte.com)
Moreira orienta os garotos durante avaliação na escolinha (Foto: Danilo Sardinha/GloboEsporte.com)

Natural de São José dos Campos, Moreira foi goleiro profissional entre 1977 e 1997. Teve passagens por equipes do interior de São Paulo, como o São José e a Inter de Limeira, e por times de outros estados. Entre eles, o Fluminense, nos anos 80. Após encerrar a carreira, criou a primeira unidade da escolinha (hoje são duas) na zona norte da cidade natal.

– Quando eu jogava, já indicava jogadores. Dava toques para os meus amigos. Quando montei a escolinha, o primeiro pensamento era levar os jogadores para os clubes. Vários amigos meus que jogavam comigo foram parando e ficando nos clubes. Fui levando para eles. Com o tempo, foi evoluindo. Os clubes passaram a nos procurar também. Hoje, temos jogadores em tudo lugar – comentou Moreira.

A experiência que adquiriu como atleta, segundo ele, é o principal motivo para conseguir revelar jogadores. Com o tempo como dono da escolinha, também foi aprendendo quais são as características que os clubes buscam.

Moreira escolinha São José dos Campos (Foto: Danilo Sardinha/GloboEsporte.com)          Escolinha do técnico Moreira tem cerca de 400 alunos
(Foto: Danilo Sardinha/GloboEsporte.com)

– Se você for indicar um goleiro, não adianta indicar um goleiro com menos de 1,90 metro de altura. A primeira pergunta que o diretor ou o observador faz é: que altura ele tem? Se você for indicar um meia, além de falar que ele é canhoto, joga nas duas, o cara já quer saber se ele tem outras funções, se sabe fazer um volante, um lateral… – disse.

– Hoje, está um pouco mais complicado entregar um jogador para o clube. Foram modificando os estilos e acabam deixando muito jogador bom para trás. O cara quer montar um time para ele não perder. Ele não está tendo aquela paciência de esperar o cara (evoluir). Mesmo ele sendo bom, você indicando, você tem uma dificuldade grande – completou.

revelar para a europa

Moreira aponta a pressa dos clubes de vender os jogadores para o exterior como um dos motivos para o futebol brasileiro não revelar bons nomes com mais frequência. O intuito de negociar os atletas, como ele afirma, faz com que as equipes não selecionem nomes que precisam de um pouco mais de tempo para se desenvolver.

Casemiro carteirinha Moreira (Foto: Danilo Sardinha/GloboEsporte.com)
Casemiro é um dos principais atletas revelados na escolinha (Foto: Danilo Sardinha/GloboEsporte.com)

– Começaram a copiar tudo lá de fora. Por exemplo: você está em um time grande e tem 15 anos. Eles pensam que tem que formar você com o perfil para vender para lá. Ele não quer fazer um perfil de jogador para ganhar campeonato, para ganhar a Copa São Paulo. Eles não preparam o time com essa intenção. Você tem que ter o perfil para aparecer um cara e te levar para fora do Brasil – afirmou.

No início deste ano, Moreira esteve na Espanha para visitar o ex-aluno Carlos Henrique Casimiro, o Casemiro. Nesse período, acompanhou os treinamentos das categorias de base do Real Madrid. A disciplina nos treinamentos, segundo ele, é um dos poucos diferenciais no trabalho desenvolvido pelos madrilenhos.

Moreira Casemiro e Cristiano Ronaldo Real Madrid (Foto: Reprodução/ Facebook)Moreira ao lado de Casemiro e Cristiano Ronaldo durante visita ao Real Madrid (Foto: Arquivo pessoal)

– Eles não fazem nada de diferente. A única coisa é que eles são muito mais dedicados. O treinador conta com a dedicação do atleta. Ele passa para você aquilo e você é obrigado a fazer. Nós temos talento. Mas é difícil fazer a criança fazer a mesma coisa toda hora. Lá no trabalho deles, o treinador faz 1-2, 1-2… A bola chega de primeira para você e você já tem que saber o que fazer. Nós já dominamos, queremos fazer uma graça – analisou.

escolinha à moda antiga

A disciplina do espanhóis é elogiada por Moreira. Mas, no trabalho que desenvolve em São José dos Campos, ele afirma que tenta manter as origens do futebol brasileiro. Quem joga no ataque, por exemplo, tem total liberdade do comandante para driblar.

– A gente aqui deixa um pouco mais à vontade. Atacante meu eu quero que drible. Eu vim de uma época legal. Os atacantes driblavam. A maior alegria era você estar jogando e ver eles driblando. Isso era coisa bonita. Hoje, o pessoal não deixa mais. Se você meter um drible, falam que está desprezando o jogador, está desprezando o time, desprezou a torcida adversária. Mas é a coisa mais bonita – comentou.

Moreira escolinha São José dos Campos (Foto: Danilo Sardinha/GloboEsporte.com)Crianças de cinco anos em atividade na escolinha
(Foto: Danilo Sardinha/GloboEsporte.com)

Se somados os alunos das duas unidades da Moreira Sports, são cerca de 400 crianças e jovens da região do Vale do Paraíba. São cinco treinadores no local, além de Moreira, que costuma trabalhar com os goleiros. As equipes são divididas entre categorias sub-7 ao sub-18. No ano passado, foram 25 campeonatos disputados pela escolinha. Por mês, pelo menos três jogadores são levados para passar um período em algum clube. Frequentemente, os clubes enviam observadores para o local para fazerem avaliações.

Moreira escolinha São José dos Campos (Foto: Danilo Sardinha/GloboEsporte.com)
Trabalho realizado sob os olhares do observador técnico do Internacional (Foto: Danilo Sardinha/GloboEsporte.com)

Sandro Silva, observador do Internacional, realizava essa função no São Paulo. No time gaúcho, os observadores são divididos por regiões. Silva cuida da área de São Paulo e viaja por cidades em busca de jovens talentos. Foi à escolinha do Moreira por já ter amizade no local.

– A minha função como observador é tentar identificar o talento. Daí quando levo para o clube, é para criar dúvidas para os treinadores lá. Para o treinador pensar: será que vale a pena? Quando eu consigo criar dúvida nele, acredito que cumpri o meu papel. A partir disso, o treinador vê se vai comprar a ideia do jogador e se vai desenvolver ele no clube – disse Silva.

orgulho das revelações

Ao mostrar as carteirinhas dos ex-alunos da escolinha, Moreira fala com orgulho dos atletas que passaram por lá e conseguiram virar profissionais. Demonstra carinho por Casemiro, Ricardo Goulart e Juninho (irmão de Goulart), que chegaram para ele ainda crianças.

Lucas Fernandes carteirinha Moreira (Foto: Danilo Sardinha/GloboEsporte.com)
Lucas Fernandes saiu da escolinha do Moreira para o São Paulo (Foto: Danilo Sardinha/GloboEsporte.com)

– O Casemiro, o Ricardo Goulart e o Vitor Gomes são os principais. O Casemiro chegou na escolinha com seis anos. O primo dele que trouxe. Falou que tinha um menino que gostava de jogar bola. Foram dois, três toques na bola e já falamos para inscrever ele. Era bom de bola. Um, dois meses depois, aconteceu de vir o Vitinho (pai de Ricardo Goulart) e falar dos dois filhos. Foi a mesma coisa. No primeiro treino, já fomos inscrever eles para a Copa Monsenhor. O Ricardo Goulart fez o gol do primeiro título da escolinha. Foram as peças principais. Eles chegaram no início – recordou.

Com Casemiro, Moreira mantém contato frequentemente. Ele mostra as fotos que o jogador envia para ele por meio do celular. Após o fim da temporada no futebol europeu, já estão combinando churrascos em São José dos Campos.

– É sentimento de alegria (ver o sucesso dos atletas). Não quero dinheiro dos jogadores… mas seria muito mais legal se os jogadores dessem mais atenção para o pessoal que revela eles. Queria que um dia que fosse uma coisa melhor, alguns tivessem mais gratidão… Todo mundo tinha que ser mais ou menos igual o Casemiro. Isso é mais importante para nós. O orgulho a gente já sente. Você arruma time, arruma teste… Daí vê o garoto depois despontar – destacou.

Moreira escolinha São José dos Campos (Foto: Danilo Sardinha/GloboEsporte.com)Crianças em busca do sonho de se tornarem jogadores profissionais (Foto: Danilo Sardinha/GloboEsporte.com)