Entre as muitas reclamações da torcida do São Paulo em 2015, uma das principais era a inércia dos jogadores diante de derrotas importantes. A apatia foi alvo de críticas fortes do presidente Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, depois da goleada por 6 a 1 sofrida para o time reserva do rival Corinthians, em Itaquera, no dia 22 de novembro.
Tal atitude – ou falta de – mudou nos jogos decisivos de 2016, principalmente na Taça Libertadores. Independentemente dos resultados, direção e torcida cobravam brio dos atletas. Os exemplos mais claros de que o time caminha para abandonar o conformismo foram dados nos jogos com River Plate (1 a 1, na Argentina, e 2 a 1, no Morumbi) e The Strongest (empate por 1 a 1, na altitude de 3.600 metros de La Paz).
– Esse espírito de mais raça, mais gana, não veio só com a chegada do Patón (o técnico Edgardo Bauza), mas de alguns jogadores que chegaram… A própria equipe também mudou muito. Esse estilo de jogo, principalmente na Libertadores, nossa briga dentro de campo e o desejo de ganhar têm feito muita diferença dentro de campo – disse Ganso em bate-papo com torcedores via Facebook, na segunda-feira.
Na segunda-feira, Wesley citou que o grupo agora tem mais “tesão de vencer”. Após a derrota de 4 a 1 sofrida para o Audax nas quartas de final do Paulistão, por exemplo, houve discussão no vestiário e indignação pelo resultado, postura diferente da adotada após a derrota diante do arquirrival no ano passado.
Às vésperas das oitavas de final da Libertadores, o São Paulo deixou de se conformar com resultados ruins. Por isso, o GloboEsporte.com lista abaixo alguns motivos para explicar o retorno do espírito vibrante, evidente no vestiário de La Paz, e que será necessário nesta quinta-feira, no primeiro duelo com o Toluca, do México, no Morumbi.
Prometeu? Cumpra!
Não foi só no campo o estrago causado pelo péssimo 2015 do São Paulo, com direito a renúncia do ex-presidente Carlos Miguel Aidar, sob denúncias de corrupção. A credibilidade do clube perante o elenco ficou arranhada pelos atrasos nos salários e direitos de imagem. O problema voltou a acontecer em 2016, a ponto de motivar um pacto de silêncio dos atletas, em fevereiro.
Depois de quitar as pendências com dinheiro de luvas do contrato de televisionamento das partidas, o São Paulo prometeu não atrasar mais pagamentos. A direção sabe que se falhar nesse sentido vai perder a confiança do grupo, apoiado pelo presidente Leco, presença constante nos treinos do CT da Barra Funda.
Respaldo da direção
– Nossa análise é em relação a comportamento, conduta, coração… Representar o que essa camisa significa para milhões de torcedores. Nesse assunto, não estamos satisfeitos.
As críticas do diretor-executivo Gustavo Vieira de Oliveira feitas antes do empate por 1 a 1 com o River Plate, na Argentina, no dia 10 de março, foram claras. Novamente, a postura dos atletas desagradava a direção, exatamente como no fim de 2015. A partir daí, o comportamento dos jogadores mudou. Mesmo sem o futebol desejado, o São Paulo não deixou de brigar, até mesmo na derrota por 2 a 0 para o rival Palmeiras.
Após restabelecer a confiança, a diretoria identificou melhora na postura dos atletas. Por isso, também passou a blindar o elenco, mesmo diante de insucessos, como após o empate por 1 a 1 com o Trujillanos, lanterna do Grupo 1 da Libertadores, na Venezuela. Apesar do resultado ruim, Gustavo foi a público novamente, mas dessa vez para defender os jogadores.
– Não há dúvidas de que o resultado é frustrante, decepcionante e complica muito nossas pretensões na Libertadores, mas temos força e grupo para reagir. Se há um grupo no qual eu acredito é nesse. Vamos lutar para buscar o que estiver ao nosso alcance – disse.
Desde então, a equipe manteve invencibilidade por mais seis partidas e só voltou a perder para o São Bento, na última rodada da primeira fase do Paulistão.
O próprio Gustavo também fez reunião com o elenco para tentar reverter a situação no momento mais crítico do ano, após a derrota por 1 a 0 para o The Strongest, na estreia da Libertadores, no Pacaembu.
Apoio aos criticados
A mudança cobrada por Leco também passou por trocas no departamento de futebol. Pressionado por conselheiros e torcedores, Ataíde Gil Guerreiro saiu da vice-presidência para a diretoria de relações institucionais. Luiz Antônio da Cunha, antigo diretor da base, assumiu o cargo no elenco profissional. De cara, pediu a demissão de Milton Cruz após 21 anos no clube. Pintado foi colocado no seu lugar como auxiliar fixo.
Mais do que a troca diretiva, Cunha desde o início teve a missão de recuperar a autoestima de jogadores criticados, principalmente Michel Bastos. Alvo primordial da torcida em protestos, o meia encontrou no diretor um porto seguro e recebeu confiança. As conversas ajudaram e o atleta parou de cogitar a ideia de sair do Morumbi.
Alan Kardec, agora bola da vez no ataque com a suspensão de Calleri, também foi assediado por concorrentes e ganhou o apoio de Cunha. No treino de segunda, por exemplo, ele teve longo papo particular com Pintado, preocupado em mostrar ao centroavante a melhor forma de fazer o pivô. Com um gol em 19 jogos, ele terá de substituir Calleri, artilheiro da temporada com 12 bolas na rede.
Por fim, o goleiro Denis, muito criticado por falhas contra River Plate (nos dois jogos) e The Strongest, também obteve respaldo.
Novas lideranças
Na virada do ano, Leco tinha a intenção de reformular o elenco, mas não foi possível. Ainda assim, havia a certeza de que o perfil do plantel precisava mudar. A aposentadoria de Rogério Ceni abriu espaço para novas lideranças. E a contratação de Diego Lugano teve forte influência nesse sentido.
O uruguaio foi um dos que bateram de frente com a ideia do pacto de silêncio abortado após a derrota para o The Strongest. Além dele, novas lideranças naturais como Maicon, zagueiro que virou até goleiro para se sacrificar pelo grupo em La Paz, surgiram no elenco. O defensor é atualmente um dos símbolos da raça tão pedida pelos são-paulinos dentro de campo.
Pode trabalhar, Bauza!
Muricy Ramalho, Juan Carlos Osorio, Doriva e Milton Cruz, sempre intercalado entre as saídas e chegadas dos profissionais: o São Paulo teve quatro comandantes em 2015. Trocar de técnico, prática comum no futebol brasileiro, costuma ser a primeira solução para tentar resolver os problemas dos times.
Com Edgardo Bauza, o Tricolor decidiu inverter a lógica. A ideia é dar tempo para o argentino se adaptar e impor sua filosofia de trabalho, mesmo diante de eventuais insucessos. Nem mesmo uma queda precoce na fase de grupos o faria ser demitido, segundo dirigentes do clube. Apesar da pressão natural, o São Paulo pretende dar a Bauza tempo e um elenco melhor, com os quatro ou cinco reforços pedidos, na metade do ano. Ou seja, trocar jogadores será prioridade antes de se discutir uma eventual demissão do técnico.