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Marco Aurélio Souza
Meia do São Paulo fala sobre gesto feito para torcida em outubro de 2015, revela bastidores dos momentos sob pressão e afirma que nunca quis sair do Tricolor
Michel Bastos admitiu arrependimento pelo gesto de “silêncio” feito para a torcida do São Paulo no dia 31 de outubro de 2015, quando o time bateu o Sport, por 3 a 0, no Morumbi, pelo Brasileirão. Na sua visão, os protestos direcionados a ele são resquícios daquele ato.
Em entrevista exclusiva à TV Globo, o jogador de 32 anos revelou bastidores do momento de pressão, se disse lisonjeado pelo interesse de outros clubes no seu futebol, afirmou que nunca quis sair do Tricolor e afirmou sonhar com a volta por cima nesta terça-feira, contra o Trujillanos, no Morumbi, pela fase de grupos da Taça Libertadores. O duelo é fundamental para o futuro do time na competição continental. Uma eventual derrota ou empate complica a situação da equipe – veja a tabela da competição.
Bastante. Me arrependi, porque naquele momento estava chateado. Estávamos ganhando de 2 a 0, talvez não vinha fazendo uma boa partida naquele dia, mas vinha de bons jogos. Durante a partida, tentei um cruzamento e isolei a bola. Uma parte da torcida vaiou e pediu a entrada do Rogério. Não estou generalizando. Uma parte da torcida pediu minha saída. Naquele momento, vi o Rogério sendo chamado para entrar. Vi que ia sair e nenhum jogador gosta de sair. Naquele exato momento fiz o gol. Foi um momento isolado em que agi daquela forma. Me arrependo, porque hoje, talvez, algumas coisas estão acontecendo por isso. Já pedi desculpas depois. Quem me conhece sabe que nunca fui um jogador polêmico, de desrespeitar quem quer que seja, muito menos a torcida. Me arrependo. Hoje talvez esteja pagando por essa atitude.
Doeu, porque não estavam atacando o Michel jogador, mas sim a pessoa. Chegar em casa e ver o filho comentando que os colegas de escola viram isso e mexeram com ele, dói. Escreveram em uma camisa “migué”, algo que nunca fui na carreira. Sempre quero jogar e gosto de treinar. Ver o cara chamar de “migué”… Antes de tomar essa atitude tem de ver. É difícil eu ficar fora dos jogos. Fiquei algumas vezes aqui no São Paulo, sim, mas em uma peguei uma dengue que, quem sabe, quase não me deixou fora, porque queria jogar mesmo assim. Era um jogo contra o Cruzeiro em casa. Me coloquei à disposição e se não fosse o doutor Sanchez (médico) eu estaria em campo mesmo com a dengue. Quando não joguei foram por lesões musculares. A primeira da carreira tive aqui no São Paulo. Por isso fiquei fora. Já discuti com preparador físico, porque ele queria me tirar do treino e eu queria treinar. Nunca fui de dar “migué”. Quando você vê um ato contra você, colocando uma imagem que não é sua, dói. Nunca fui isso. Sempre deixei portas abertas na minha carreira. Em seis meses no São Paulo tinha espaço no grupo e o carinho de todos. Hoje, treinador, diretor e jogadores me apoiam e incentivam, porque sabem o profissional que eu sou. É complicado quando você vê um ato desses, que não tem nada a ver.
Estou aqui para ajudar. Fiz um comentário dizendo que quando estiver atrapalhando, falo com a diretoria e aviso. Mas não acho que é o caso. Estou aqui para vencer junto com o São Paulo. No dia em que fui poupado, o Bauza pensava em me segurar, porque vinha atuando muito. Como aconteceu esse fato, decidimos naquele momento ficar fora, porque psicologicamente não estava bem. Não ia ajudar o time, ser decisivo naquela partida. Eu e a comissão decidimos ficar fora daquele jogo. Mas em nenhum momento se cogitou afastar. Não teria motivo. Na verdade foi uma decisão do treinador junto comigo. Era para ser titular, mas ele tinha a intenção de me dar um descanso. Nunca o São Paulo e o treinador me afastaram.
Vou ser bem sincero: não teve como passar despercebido. Mas por estar muito focado, eu nem escutava em alguns momentos. Na hora do pênalti, quando peguei para bater, ali sim senti muito o som do apito. Me deixou mais forte para reverter a situação. Meu pai depois do jogo falou: “Filho, quando você pegou a bola para bater o pênalti, pedi para entregar a alguém, porque se erra ali as coisas iriam piorar”. Eu falei: “Pai, só vou mudar a situação dando a cara para bater”. Só vou mudar isso sendo decisivo pelo São Paulo. Corri risco naquele momento, como corri também no ultimo pênalti que bati (na trave, contra o Linense). Aquilo me fortaleceu. Me mostrou que dentro de campo tenho de botar a cara para bater. Se pegarem meus números no São Paulo são positivos. Vou seguir chamando a responsabilidade. Estou sendo cobrado porque a torcida espera de mim. Espero que me cobrem, porque sei o quanto posso ser decisivo e ajudar o São Paulo. Mas quero cobrança dentro de campo, como jogador, mas atacar a pessoa e a índole é outra coisa. O “apitaço” foi diferente na minha carreira, mas espero que agora venham aplausos e a torcida grite meu nome, porque vou dar a volta por cima.
Como lidou com esse momento de pressão?
Me apeguei a família, esposa e filhos, porque está sendo um momento diferente na carreira. Sei o motivo disso, mas em algumas momentos você se pergunta: “Por que? O time está mal” Foi um período em que evitei ligar a TV, internet… Antes eu estava sempre nas redes sociais e hoje evito. Ali você vê comentários e insultos que deixam triste. Foi difícil, parava para pensar o motivo de tudo isso. Houve o dia em que meu filho comentou dos coleguinhas que falaram coisas do pai dele que não são verdade. Mas hoje estou mais tranquilo e sei que a cobrança ainda existe. A situação não mudou, mas estou bem mais tranquilo e suportando a pressão.
Você também perdeu o pênalti contra o Linense. Em algum momento pensou em sair do São Paulo?
Nunca quis sair do São Paulo, nem quero. Mas as vezes você cogita: o que pode acontecer com essa situação amanhã? Não posso enganar, mas nunca quis e nem quero. Você sai de um jogo em que tentou, correu e vinha de uma lesão, jogando 90 minutos… não fiz uma má partida (contra o Linense) para quem estava voltando de lesão. Saí feliz de campo, porque me senti bem. Acabam passando coisas pela cabeça. Tenho carinho pelo São Paulo. É o clube do Brasil onde mais passei tempo, estou há quase dois anos e quero que isso se prolongue. Acaba pensando, mas nunca quis sair do São Paulo.
A missão inicial do novo diretor Luiz Antônio da Cunha era mantê-lo no grupo. A conversa foi boa?
Foi muito boa, conversamos perto do vestiário. Gesticulamos muito e acabaram achando que poderia ser uma discussão, mas foi um momento em que ele disse: “Michel, estou contigo para o que der e vier. Você é muito importante para o São Paulo”. Aquilo foi um oxigênio a mais, me deixou confiante. Mostrou que o São Paulo está comigo. Nunca achei que não estivesse, mas aquela conversa foi muito positiva. Até hoje, depois do jogo do Linense, ele me esperou no vestiário e me abraçou. Disse que estava comigo. Foi legal. É uma pessoa que está se mostrando sincera. Não o conhecia, mas a chegada dele foi positiva.
Nesses momentos, o Bauza conversou com você?
Muito. Foi uma das pessoas que mais conversou comigo, desde o início. Sempre falou: “Michel, sinceramente, tomo minhas decisões. Ninguém toma por mim. Se você está jogando é porque você está bem e merece jogar. Pode contar comigo”. Ele pede para focar no trabalho, no que é pedido, e deixar o problema com a torcida de lado. Não generalizo, sei que é uma minoria que protesta. Ele também me dá confiança e mostra que conta comigo. Já fez coisas que mostraram confiança em mim e no meu futebol. Vim de lesão e logo em seguida me colocou para jogar. Por isso quero continuar. Para ter essa confiança tenho de mostrar em campo. Não tenho nada a reclamar aqui dentro do São Paulo.
Você tem uma carreira vitoriosa e agora lida com essa situação, ao mesmo tempo em que tem interesse de outros clubes. Como é isso?
A declaração não foi por saber que tem outros clubes querendo meu futebol, mas sim pela situação, das vaias e protestos. Nunca quis sair do São Paulo. Se eu tivesse a intenção de sair, falaria que preferia ficar fora. Desde o momento em que aconteceram os protestos, estou mostrando que quero ficar. A mensagem que passo ao torcedor é essa. Quem acha que sou um jogador “migué”, como estão falando, se tiver um tempinho olha meus números no São Paulo. Sempre estou jogando. Quem puder ver um treino, vai ver que trabalho para caramba. Fico feliz, com 32 anos, em ter uma procura enorme de outros clubes, mas minha intenção e vontade é continuar no São Paulo.
Diante de tudo isso, fazer um gol contra o Trujillanos poderia ser a volta por cima no Morumbi?
Seria o cenário ideal. Estou contando com esse momento. Quando fizer um gol pode esperar que vou extravasar, estou querendo e precisando. Para minha confiança é o que preciso hoje. Sei o que posso render em campo. Venho progredindo. Nos últimos jogos, depois da lesão, tive uma boa participação nas partidas e não cansei. Me senti bem. Fui feliz na Libertadores ajudando o time no ano passado em vários jogos. Seria o cenário ideal para dar a volta por cima.