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Alexandre Lozetti e Marcelo Hazan
GloboEsporte.com revela parecer que culminou na cassação de ambos no Conselho, mas trata ex-presidente e ex-vice de maneira diferente: veja trechos do documento
O GloboEsporte.com teve acesso ao parecer elaborado pela comissão de ética e disciplina do São Paulo. O documento de 21 páginas sugeriu a cassação dos mandatos de conselheiros de Carlos Miguel Aidar e Ataíde Gil Guerreiro, processo confirmado após votação do Conselho Deliberativo. Mas apesar da punição ter sido a mesma, o relatório trata o ex-presidente e o ex-vice de futebol de maneira absolutamente desigual.
Ataíde foi julgado pela agressão física cometida contra Aidar, que, por sua vez, teve denúncias de corrupção analisadas pela comissão presidida por José Roberto Ópice Blum, também autor do relatório, e composta por Ricardo Haddad, Alberto Abussamra Bugarib, Newton Flavio Bittencourt e Renato de Albuquerque Ricardo.
Desde que Marcelo Abranches Pupo Barboza, presidente do Conselho, nomeou os membros da comissão de ética, a atual diretoria previu julgamento favorável a um e rigoroso com outro. Ópice Blum é amigo de Aidar e disse a outros diretores do São Paulo que, se ele estivesse no Brasil na época, a renúncia do ex-presidente jamais teria sido consumada. Por outro lado, mal há relacionamento entre ele e Ataíde. Eles nem se falam, a não ser em ocasiões de obrigação.
O resumo do tratamento dado a ambos se traduz na adjetivação. Enquanto para se referir a Ataíde Gil Guerreiro são usados termos como “personalidade exaltada, rancorosa, furiosa, de linguajar assinalado por violência, ameaças, grosserias e falta de decoro”, a descrição de Carlos Miguel Aidar é bem mais amena: “dirigente respeitado, admirado pela coletividade, tendo em seu mandato anterior revelado ideias inovadoras e arrojadas”.
– Ele (Ópice Blum) fez um negócio bem leve para ele (Aidar) entrar na Justiça e se defender. Em qualquer juiz, incontinente, ele volta ao Conselho. Foi feita de propósito uma acusação fácil de ser derrubada, o Carlos Miguel consegue sair sem problemas – afirmou Ataíde.
O presidente da comissão de ética, José Roberto Ópice Blum, discorda:
– Não tem nada disso (discrepância no tratamento aos dois). Os dois cometeram erros que estão anotados no parecer. Se há o parecer, é só ler e reproduzir. Não comento sobre o Ataíde, muito menos sobre o Aidar. O que eu tinha para dizer está no parecer.
Veja alguns pontos do parecer:
AGRESSÃO (motivo da investigação contra Ataíde)
O relatório traz dois depoimentos sobre o ato físico. Ataíde disse que não bateu no presidente, mas o pegou pelo pescoço sem apertar e disse: “Eu te mato, filho da puta, eu te mato, seu nojento”. Aidar afirmou que estava sendo sufocado e “se não tivesse ninguém ali, poderia talvez ter havido um assassinato ou uma tentativa”.
O parecer cita ainda depoimentos de Marco Antônio Sabino, diretor de comunicação da antiga gestão que estava presente no dia da briga e testemunha de Aidar no processo, para defender a caracterização de tentativa de homicídio.
São usadas citações de outros autores para justificar que “o homicídio, como crime material, também admite a tentativa” e “esganadura (…) é sempre homicida”.
CORRUPÇÃO (motivo da investigação contra Aidar)
São apresentadas 11 razões de investigação no início do relatório. Depois, uma a uma, são tratadas individualmente com pouca profundidade. O texto dedica, por exemplo, apenas oito linhas ao caso do contrato assinado pelo ex-presidente do São Paulo com a TML Foco Consultoria, de Cinira Maturana, namorada de Aidar. O acordo daria 20% de comissão à empresa para cada negócio fechado pelo clube.
O parecer se limita a dizer que o contrato foi rescindido sem que nenhum negócio se concretizasse, mas admite que houve várias tentativas.
Estrutura de avaliação semelhante se vê no contrato de comissão que levaria o São Paulo a pagar R$ 18 milhões à Far East, empresa representada pelo norte-americano Jack Banafsheha (personagem cujo rosto jamais foi exibido), pelo acerto da parceria com a Under Armour, fornecedora de material esportivo do Tricolor desde o ano passado.
O vice de marketing era Douglas Schwartzmann, que também atuou como testemunha de Aidar no processo da comissão de ética, mesmo tendo sido acusado pelo próprio Aidar de “pedir comissão em tudo” em gravação feita por Ataíde Gil Guerreiro.
O Conselho Deliberativo barrou a avaliação do contrato e Jack, generosamente, abriu mão de receber R$ 18 milhões. Perdoou a dívida.
Sendo assim, o parecer afirma que “não restou configurado, até o presente momento, prejuízos ou dívidas que possam onerar o clube e consequente responsabilização pessoal dos diretores que firmaram o respectivo contrato”. Em momento algum é citado o valor da comissão acertada, em contrato, pela gestão de Aidar e a empresa.
CASO MAIDANA
Em três parágrafos, o relatório de Ópice Blum responsabiliza Ataíde Gil Guerreiro pela contratação do zagueiro, em negociação que levou clube e jogador a serem julgados pelo STJD. Baseado na negativa de Aidar e em supostas declarações do ex-gerente de futebol José Eduardo Chimello, não reproduzidas no relatório, o parecer se omite de analisar o caso, sob a justificativa de haver uma investigação em curso no Ministério Público.
CULPA DE AIDAR?
O relatório aponta erros do ex-presidente em dois casos: admite a participação de Cinira Maturana na negociação frustrada para negociar o zagueiro Rodrigo Caio com o futebol espanhol, com a apresentação de um e-mail enviado por ela a Aidar, e a contratação do advogado José Roberto Cortez para advogar a favor do São Paulo em ações tributárias que já estavam aos cuidados do escritório de Ives Gandra da Silva Martins, que, por ser conselheiro do clube, não cobra honorários.
Entretanto, em ambos os casos, o parecer frisa a participação de Ataíde Gil Guerreiro. Primeiro ao ressaltar que Aidar encaminhou o e-mail de Cinira ao seu então vice de futebol. E depois ao revelar uma carta enviada por Cortez a Ataíde. Essa correspondência contém anotações a mão feitas pelo dirigente e foi enviada ao Conselho Consultivo do São Paulo pelo próprio Ataíde.
GRAVAÇÃO
A divulgação, por Ataíde, da gravação da conversa em que Aidar lhe oferece comissão na contratação de um jogador da Portuguesa é condenada pela comissão de ética. O parecer frisa que o próprio dirigente pediu confidencialidade ao enviar o áudio para o Conselho Deliberativo, mas que, menos de dois meses depois, tornou o material público e expôs ao ridículo o “sagrado nome do São Paulo Futebol Clube”.
HISTÓRICOS
Tanto Ataíde quanto Aidar tiveram atos passados citados no parecer da comissão de ética. A Gil Guerreiro atribuiu-se a renúncia de Antonio Irineu Perinotto de seu mandato de conselheiro vitalício. O relatório afirma que “provavelmente” este homem teria aberto mão do cargo, em 2004, em razão de ofensas físicas e morais feitas por Ataíde.
A Carlos Miguel Aidar, por outro lado, o relatório dá méritos por seu “mandato anterior”, mas não cita que ele ocorreu entre 1984 e 88, ou seja, 28 anos atrás.
TERMOS E ADJETIVOS
São usadas as seguintes expressões no julgamento de Ataíde: “tentativa de homicídio”, “falta de consideração”, “desrespeito”, “personalidade exaltada, rancorosa, furiosa”, “linguajar assinalado por violência, ameaças, grosserias e falta de decoro”, “temperamento agressivo”.
São usadas as seguintes expressões no julgamento de Aidar: “ato administrativo”, “conceituada entidade”, “conceituado e renomado advogado”, “exercido o alto cargo de Presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do São Paulo”, “suficientes conhecimentos do direito”, “pressionado por intimação da receita”, “dirigente respeitado, admirado pela coletividade”, “revelado ideias inovadoras e arrojadas”, “prestado relevantes e destacados serviços ao São Paulo Futebol Clube”.