Carlos Miguel Aidar e Ataíde Gil Guerreiro foram expulsos do Conselho Deliberativo do São Paulo por decisão da maioria dos conselheiros. Mas engana-se quem acha que a dupla saiu somente por conta das acusações de “tentativa de assassinato” e “realização de negócios financeiramente inexplicáveis”. Na realidade, um contrato com o advogado José Roberto Cortez, no qual há uma comissão combinada também com Cinira Maturana, namorada do ex-mandatário, foi o que pesou para a saída de ambos.
A ESPN teve acesso à íntegra do Parecer da Comissão de Ética do São Paulo, que julgou o caso que culminou com a saída da dupla, no último dia 25 de abril. Entre os documentos, está o contrato firmado por Aidar com Cortez para resolver um caso que já estava sendo cuidado gratuitamente pelo advogado Ives Gandra Mantins, conselheiro são-paulino. Na visão do órgão, o contrato “gerou despesa desnecessária”.
Juntamente ao contrato há uma carta do advogado Cortez para Ataíde Gil Guerrero, onde eles tratam do Ataíde oferecer os serviços do advogado para outros clubes. Ao final da carta tem manuscrito pelo Ataíde que a comissão de 20% seria dividida “1/2 com a Cinira, namorada do Aidar”. O Aidar está copiado nessa carta.
O registro é datado de 29 de junho de 2015, portanto 95 dias antes da polêmica gravação feita por Ataíde (em 3 de outubro) que comprometeu Aidar e causou sua renúncia (no dia 13 de outubro) – na gravação o ex-presidente teria tentado repartir comissão com o vice.
No papel que foi crucial para a expulsão de Ataíde, o advogado José Roberto Cortez diz a Gil Guerreiro que “conforme combinado, o feito está para julgamento e o momento da adesão é agora”. Em seguida, Ataíde escreveu, à caneta: “Proposta a adesão clubes: R$ 100.000,00 – adesão 30% do resultado após trânsito julgado; Comissão: 20% do resultado (menos impostos), 1/2 Cinira”. O documento está reproduzido logo abaixo.
Ao Conselho Deliberativo, Ataíde admitiu que a letra é sua. Vários conselheiros ouvidos pela ESPN confirmam a informação. E no parecer do Comitê de Ética, nas página 361 e 362, o órgão aponta os seguintes dizeres:
“A correspondência trocada entre o advogado José Roberto Cortez e o então vice-presidente de futebol, datada de 29 de junho de 2015, veio a luma trazida pela informação do conselheiro vitalício, professor Ives Gandra da Silva Martins, noticiando a contratação onerosa do advogado José Roberto Cortez em ação tributária de interesse do São Paulo Futebol Clube, que se encontrava sob seu patrocínio com alegação de ser sem qualquer ônus aos cofres do SPFC.
Observando-se os termos constantes dessa missiva, verifica-se que o nobre advogado informa ao vice-presidente de futebol, com cópia para Carlos Miguel Aidar, o andamento da causa (ação judicial – discussão Pis/Confins sobre receitas – SPFC), afirmando que ‘o momento de adesão é agora’. Tal postura evidencia a existência anterior de tratativas entre o vice com esse respeitado profissional do direito, versando sobre matéria totalmente alheia e diversa de suas funções e atribuições na esfera administrativa do SPFC.
E causa maior complexidade ao se constatar o manuscrito inserido naquela carta: ‘Proposta a adesão clubes: R$ 100.000,00 – adesão 30% do resultado após trânsito julgado; Comissão: 20% do resultado (menos impostos), 1/2 Cinira’.
Diante de tal quadro, repita-se ocorrido em 29 de junho de 2015, lícito será concluir a existência de negócios alheios aos interesses do clube e de caráter nitidamente pessoal entre o representado Ataíde, o referido advogado, tudo com ciência do Carlos Miguel, utilizando-se de procedimento judicial cujo único interessado era o São Paulo Futebol Clube.
E a gravação causadora de toda essa celeuma somente veio a acontecer no mês de outubro, quase 90 dias depois.
De se observar que pode haver quem pretenda induzir uma recíproca absolvição geral, tipo indulgência plenária, da qual todos se tornam credores porque praticaram os mesmos males.
Restaure-se, assim, pelos deméritos alheios, a impunidade. Ora, cabe responsabilidade às instituições constituídas e à imensa maioria das pessoas que se manifestaram clamando por justiça em muitas manifestações. São cidadãos que não endossam acordos espúrios e não aceitam a retórica enganosa auto-defensiva, o raciocínio fraudulento, a publicidade mentirosa.
A economia, a ética e a moral foram despedaçadas”.
Portanto, Ataíde não foi cassado apenas pelas agressões, apesar de já ter agredido um outro conselheiro em 2004, conforme revelou matéria da ESPN. O principal ponto que culminou com a saída do ex-vice, segundo relatos ouvidos pela reportagem, foi esse suspeito manuscrito combinando comissão com Cinira que o comprometia.
Na reunião com o Conselho Deliberativo, Ataíde assumiu o negócio e disse que desistiu quando soube da repartição da comissão. Para os membros do Comitê, contudo, o manuscrito indica o contrário. E, no parecer, segundo um membro ouvido pela ESPN, “o órgão deixa claro que, enquanto a situação era tranquila, todos estavam participando, mas quando a casa começou a cair o Ataíde deu um jeito de cair fora. Mas a data da carta mostra que se passaram meses entre as negociações e a revelação do descontentamento”.
A reportagem da ESPN entrou em contato com a assessoria do São Paulo na última quarta-feira para ouvir explicações de Ataíde Gil Guerreiro sobre o tema, mas somente na tarde da última quinta-feira conseguiu conversar com o cartola.
“É uma carta, que eu escrevi a mão. Quem levou isso ao conselho fui eu. Vou te explicar porque estou de saco cheio dessa história. Vou te explicar com todo o carinho. O Carlos Miguel, quando eu não desconfiava dele, em junho do ano passado, ele me disse o seguinte: ‘Poxa, um advogado, que me foi apresentado pela Cinira me trouxe um negócio que o São Paulo vai economizar milhões em pagamento de PIS/Confins’. Me interessei. Eu fui com ele ao escritório do advogado e o advogado me explicou. Realmente o que o advogado estava fazendo tinha começo e fim. Eu pedi para ele fazer uma carta explicando o que ele estava fazendo para eu ver, falando só de assuntos do São Paulo. Quando eu sai do escritório do advogado, o Carlos Miguel me disse: ‘Se você apresentar isso aos outros clubes, ele [o advogado] estava me oferecendo uma comissão e ela fica para você. Você conhece os clubes’. Eu disse: ‘Carlos Miguel, não quero. Não quero me meter com nada disso’. Quando chegou a carta, eu anotei o que ele [Aidar] tinha falado e guardei na minha gaveta e disse: ‘Carlos Miguel, o cara me mandou a carta, mas eu não vou apresentar isso para clube nenhum porque não quero me meter’. Três meses depois, quando ele saiu da presidência, o Leco estava na minha sala e disse: ‘Descobri mais uma do Carlos Miguel. O caso que o Ives estava tocando de graça ele contratou um advogado e pagou R$ 8 milhões’. Eu falei: ‘Puxa, eu fui no escritório desse advogado e o Carlos Miguel disse que ele cobrava R$ 100 mil de adesão dos outros clubes’. Eu liguei para o Ives e falei: ‘Tem mais uma sacanagem do Carlos Miguel. Vou mandar para você a carta e você leva isso ao conselho’. Fiz isso. Mandei uma cópia ao Leco e outra ao Ives. E agora estão invertendo a história. Não tenho nada a ver com isso. Não aceitei fazer, embora o processo judicial era lícito”, disse Ataíde Gil Guerreiro por telefone à ESPN.
PARTICIPAÇÃO DE AIDAR
No caso de Aidar, o que pesou para o ex-presidente ser expulso também foram os contratos feitos diretamente com o escritório do advogado José Roberto Cortez.
Tudo porque o caso estava sendo cuidado gratuitamente por Ives Gandra Mantins, um dos mais renomados tributaristas do Brasil e conselheiro do São Paulo. Mas aí Aidar contratou esse outro advogado sem falar com o Ives, o que gerou uma despesa desnecessária, segundo análise do Comitê de Ética.
A ESPN teve acesso aos documentos com os pagamentos acertados com o escritório de Cortez.
O primeiro, de 3 de novembro de 2014, acerta honorários de R$ 800 mil;
O segundo, de 13 de dezembro de 2014, na quantia de mais R$ 800 mil;
O terceiro, de 16 de dezembro de 2014, é mais alto: R$ 4,8 milhões;
Posteriormente há uma importância de R$ 200 mil, sem data, paga ao escritório;
Há mais um, aparentemente o último, de 11 de junho de 2015: R$ 1 milhão;
Carlos Miguel Aidar assina os três primeiros, enquanto Leonardo Serafim – ex-diretor jurídico – e Osvaldo Vieira Abreu – ex-diretor financeiro – assinam o segundo e o terceiro. Os outros dois não têm assinaturas.
Sobre a participação de Aidar nos casos, o Comitê de Ética escreve:
“Trata-se da contratação, com honorários de alto valor, de respeitado profissional do direito para cuidar de ações tributárias envolvendo o SPFC e o Fisco, no pertinente ao Pis/Cofins, atribuindo o representado a necessidade dessa contratação ao risco que corria, na qualidade de presidente da Instituição, de ser preso por crime do chamado ‘colarinho branco’.
Ocorre, no entanto, que estas demandas tributárias etsavam sob o comando do professor Ives, o qual, ao que consta, contratado sem qualquer ônus para o São Paulo e sem qualquer consulta prévia, veio a ser surpreendido com o ingresso de outro advogado nas causas referidas, ainda que sob o argumento de existir tese diferente de defesa.
Segundo noticia o conselheiro vitalício Ives Gandra da Silva Martins, o representado Carlos Miguel ‘equivocou-se ao dizer que o caso estava encerrado’, acrescendo que ‘o Cortez recebeu do Carlos Miguel antecipação de parte ‘pro-exitum’ do processo que perdeu’ e que ‘o receio de que poderia ser denunciado criminalmente não procede, pois os processos começaram na gestão anterior. Ele não corria risco algum’, concluindo que ‘parece-me, pois, que decidimos, na última reunião, à luz de elementos que não correspondiam à verdade’. ‘Creio que valeria a pena pedir à Comissão de Ética que apure a veracidade dessas informações”.
Junto com essa solicitação, veio a carta dirigida pelo advogado Cortez ao vice presidente Ataíde Gil Guerreiro, confirmando tratativas anteriores com este e já mencionadas por ocasião da análise do comportamento desse representado.
Se nos procedimentos anteriores houve a comprovação documental de inexistência de dano aos cofres do São Paulo Futebol Clube, neste caso o mesmo não ocorre, pois o contrato de honorários firmado, obriga o SPFC a altos pagamentos de verba honorária, ainda que cancelado venha a ser o referido contrato”.
O presidente da Comissão de Ética formada pelo Conselho Deliberativo do São Paulo, José Roberto Ópice Blum, foi procurado pela reportagem, mas afirmou: “Só comento esses assuntos no lugar correto, que é o clube. Não debato via imprensa”.