Pela primeira vez desde 1937, clube envolve sócios na mudança de estatuto e tenta se livrar de ação judicial que pode até colocar um presidente torcedor de clubes rivais
Leco promete elaboração de novo estatuto com participação de todos os sócios (Foto: Marcelo Hazan)
No próximo dia 6 de agosto, uma assembleia geral de sócios terá de votar “sim” ou “não” no São Paulo. Parece simples, mas trata-se de um tema complexo que pode determinar os próximos anos do clube. Votarão “sim” aqueles que quiserem ratificar as mudanças feitas no estatuto desde 2003, e assim torná-lo judicialmente legal diante da ação que contesta tais alterações.
Votarão “não” os que desejarem manter a ação em curso. Caso vença o “sim”, num prazo de quatro meses, o São Paulo votará um novo estatuto com sugestões de todos os associados e conselheiros, algo que só ocorreu três vezes em sua história, a última delas em 1937.
A seguir, o GloboEsporte.com explica todos os detalhes, possíveis consequências da votação e o que pode acontecer se vencerem o “sim” ou o “não”:
Por que o São Paulo precisa ratificar o atual estatuto?
Porque o conselheiro Francisco de Assis Vasconcellos moveu ação na Justiça contra as mudanças realizadas no estatuto desde 2004. Para poder elaborar um novo documento oficial que norteie o clube, a diretoria precisa que o atual esteja embasado legalmente.
O que é essa ação?
Vasconcellos pede a anulação de todos os atos políticos e administrativos desde 2004 no São Paulo, pois alega que as alterações estatutárias foram feitas sem consulta aos sócios, uma exigência do Código Civil. A principal delas é a que permitiu ao então presidente Juvenal Juvêncio, em 2011, ser reeleito para um terceiro mandato. Ela tem sido bem sucedida na Justiça, e precisa de mais uma decisão no Superior Tribunal Federal (STF), irreversível. Os recursos do clube, até aqui, foram negados.
Por que a diretoria do São Paulo pede o voto no “sim”?
Porque, segundo o departamento jurídico do clube, isso anularia a ação, pois eliminaria o objeto do caso ao passar a ter o atual estatuto ratificado pelos associados. Isso também permitiria a realização de todo o processo para elaboração de um novo estatuto, este sim, democratizado.
Por que a oposição do São Paulo pede o voto no “não”?
Alegam que o presidente Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, quer evitar o risco de ter sua eleição anulada, além de estar chamando para si a “glória” de elaborar um novo estatuto. Eles dizem que ratificar esse estatuto atual seria dar razão às mudanças anteriores, arbitrárias, feitas sem a participação dos sócios do clube. E querem a criação de um novo estatuto a partir da anulação de todos os atos político e administrativos desde 2004.
O que pode acontecer se o “não” ganhar?
1) O estatuto atual seguiria questionado na Justiça e, caso a tendência se confirme, e a ação do conselheiro tenha ganho de causa, o São Paulo viveria um caos. Leco perderia o mandato e um interventor seria nomeado pelo Poder Judiciário para presidir o clube numa fase de transição. Interventor seria alguém de fora, não necessariamente são-paulino. Poderia ser um corintiano, um palmeirense, um flamenguista, gremista, ou simplesmente alguém que não goste de futebol.
2) Dos atuais 240 conselheiros, 133 perderiam o mandato, já que foram empossados depois de 2004. O presidente do Conselho Deliberativo, Marcelo Abranches Pupo Barboza, também não teria mais seu cargo. O principal órgão do clube ficaria esfacelado.
3) Carlos Miguel Aidar e Ataíde Gil Guerreiro, julgados e expulsos do clube recentemente por denúncias de corrupção e agressão física, respectivamente, voltariam a ser conselheiros. O quadro seria o mesmo de 2004, quando ambos exerciam seus mandatos normalmente. No ano passado, Aidar, então presidente, e Ataíde, seu vice de futebol, protagonizaram um processo de renúncia com acusações de ganhos ilícitos de comissão, participação da namorada de Aidar nas negociações mais nebulosas, além de outros membros da diretoria. Ataíde gravou uma conversa na qual o presidente lhe sugeria comissões. Isso resultou numa agressão dele contra Aidar.
4) Todos os contratos com jogadores, patrocinadores, e em outras áreas, assinados depois de 2004 seriam questionados. Ninguém sabe quem poderia entrar em campo e vestir a camisa do São Paulo, quem poderia trabalhar no clube. Qualquer ato seria motivo, por exemplo, para um protesto de um time adversário na Justiça Desportiva.
O que a diretoria se compromete a fazer se o “sim” ganhar?
A ação de Vasconcellos seria anulada e, num prazo de 120 dias, o São Paulo levaria um novo estatuto para votação em seu Conselho Deliberativo.
Como esse estatuto vai ser elaborado?
1) Uma comissão de sistematização será formada por conselheiros e associados. Eles receberão críticas sobre o que deve ser mudado e sugestões para o novo estatuto, e terão a missão de filtrá-las para levar as mais relevantes adiantes. A diretoria garante que Leco não fará parte dela.
2) Em seguida, uma nova comissão, essa de legislação e reforma estatutária, formada, de acordo com a diretoria do clube, por pessoas de diferentes correntes e grupos políticos, vai definir quais das sugestões recebidas do grupo de sistematização serão adotadas e elaborar o novo estatuto.
3) O Conselho Deliberativo votará a aprovação do novo estatuto.
4) Caso o documento passe no Conselho, haverá ainda uma nova assembleia geral de sócios para ratificar o novo estatuto. Ou seja, ele teria do início ao fim a participação dos associados, justamente o que é contestado em relação às mudanças feitas desde o fim da administração do ex-presidente Marcelo Portugal Gouvêa, ao longo dos mandatos de Juvenal Juvêncio.
Quem pode votar na assembleia geral?
Todos os sócios adimplentes (ou seja, com mensalidade em dia). O São Paulo diz ter cerca de oito mil titulares, sem precisar quantos deles estão adimplentes e, portanto, poderão votar.
Quantos votos são necessários para ganhar?
A maioria simples. Ou seja, metade dos votos mais um.
Há alguma mudança garantida no novo estatuto?
Segundo a diretoria, apenas aquelas exigidas pelo Profut, projeto aprovado no Governo para refinanciamento das dívidas dos clubes de futebol. As contrapartidas, obrigatórias nos estatutos de todos os que aderiram, envolvem autonomia de conselhos fiscais, punições a dirigentes por gestões temerárias e limites de mandatos. O São Paulo já aderiu ao Profut. Os outros itens serão sugeridos por conselheiros e associados, e aprovados conforme o processo explicado acima.
Desde quando o sócio não participa da elaboração de um estatuto no São Paulo?
Dos 31 estatutos da história do clube, somente três tiveram a participação dos associados em assembleia: o de 1930, na fundação, o de 1935, da refundação, e o de 1937. Desde então, eles nunca mais puderam atuar nesse processo.