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Caíque Toledo
Depressivos,
No fundo, no fundo, todos nós sabiamos que a chance de perder o técnico Edgardo Bauza para a Argentina era muito grande. Nesta segunda-feira, os hermanos confirmaram que ele será o novo comandante da seleção na busca pela Copa do Mundo de 2018. É fruto de um ótimo trabalho que o treinador vem fazendo há tempos, em diversos clubes, e que muito agrada os cabeças da AFA, a Asociación del Futbol Argentino.
Por mais que nos agarrassemos em entrevistas dadas pelo treinador, dizendo que ficaria no Morumbi independente do que acontecesse, tem horas que não é difícil entender o ser humano. Nada deve ser tão grandioso para um treinador como comandar a seleção de seu país, uma das maiores do mundo. E, convenhamos, o nível muda um pouco de Centurión para Messi.
Entre muitos altos e baixos, Bauza deixa o São Paulo sem ser uma unanimidade, mas, acredito, com a aprovação da maioria. Mesmo com números contestáveis e os problemas dos últimos tempos, fazia tempo que não víamos o time jogar como jogou na arrancada da Libertadores. Com o Morumbi pulsando, dominando rivais, indo para cada dividida e correndo os 90 minutos como se fossem os últimos dias de vida. Ficaremos, sim, órfãos do trabalho de Patón.
Os altos…
Edgardo Bauza é um ídolo no San Lorenzo. Conquistou a Libertadores por lá e, no fim do ano passado, foi seduzido para treinar o São Paulo – mesmo o clube vindo do pior ano de sua história. A adaptação foi difícil, é claro, mas, em pouco tempo, ele deu uma cara diferente a quem estava abatido pelos últimos tempos.
Perdemos clássicos, como foi costume nos últimos anos, é verdade, mas a mudança de mentalidade nesses tipos de jogos foi visível. Éramos mortos, presas fácis, que jamais conseguiriam correr atrás de um resultado adverso. Hoje, mesmo com peças diferentes do time ideal, a garra e a força de vontade visivelmente continuam enraizadas em cada jogador.
Se a princípio só tinhamos Maicon e Hudson como peças mais raçudas, Bauza recuperou vários jogadores. Tirou de Ganso o que não viamos há tempos, fez Calleri ter o seu melhor. Criou um ótimo jogador em Kelvin e enfim deu boas chances a Centurión. Bruno cresceu, Rodrigo Caio se manteve bem, Michel Bastos cresceu nos momentos decisivos e até Mena teve um ou outro pico de importância. Patón soube trabalhar com o pouco material humano que tinha, e isso precisa ser valorizado.
A recuperação na Libertadores será lembrada por muito tempo. Mesmo com um time aceitável e um elenco abaixo da média, foi Patón que deu o espírito e o brio a esse time. Se a eliminação nas semifinais foi doída por inúmeros fatores, o legado que Patón deixa no São Paulo é tão grande quanto qualquer número: a vontade de jogar futebol e o tesão de vencer.
… e os baixos
Bauza é um ótimo técnico, inegável. Mas, se estivemos em constante lua de mel na fase linda da Libertadores, as últimas semanas foram meio turbulentas. Claro que tem totais méritos por termos chego até as semifinais com um time limitado, mas seu erro no primeiro jogo contra o Atlético Nacional não pode ser esquecido. Por mais que a expulsão de Maicon seja controversa, deixar a defesa desguarnecida contra o rápido ataque colombiano, sem poder levar gols em casa, foi uma estratégia duvidosa.
O São Paulo caiu de pé da Libertadores, mas os principais problemas de Patón surgiram depois. Gosto muito dele, mas a maneira como ele conduziu publicamente toda a negociação com a AFA é, de certa forma, decepcionante ao treinador. Tudo bem, perdemos peças importantes, mas reforços pedidos pelo treinador foram contratados, incluindo seu xodó, Buffarini, e o cenário político do clube estava em paz. Totalmente diferente do que foi com Osorio, uma saída mais aceitável. Patón deu entrevistas dizendo que ficaria no Morumbi: por mais que a seleção seja seu sonho, não faça promessas que não poderá cumprir.
Há também a parte técnica. Durante toda a temporada, o São Paulo convenceu apenas na arrancada monstruosa na Libertadores e, por mais que o Atlético Nacional seja um ótimo time, fatores externos também contribuiram para a eliminação. Poderiamos ter sido campeões e estariamos até agora na ressaca do tetra. Acontece que, fora isso, tivemos muitos problemas ao longo da temporada. Já foi dito que o treinador resgatou o espírito, mas os números não podem ser ignorados: ao todo, somando os três campeonatos, foram 17 vitórias, 13 empates e 17 derrotas no ano. Por mais que o irregular começo da adaptação tenha sido complicado, por mais que por diversas vezes tenhamos ficados sem peças-chave como Rodrigo Caio, Hudson, Ganso, Kelvin e Calleri, os dados frios não são bons. Os 45% de aproveitamento são poucos. Bem poucos.
Em geral, sou daqueles que prefere ver o copo meio cheio – ou meio vazio, se formos considerar a situação do clube. Bauza não teve bons números, temos que concordar, mas seu legado é maior que isso. Precisa ser, caso encontremos quem continue um trabalho tão bem planejado desde o início do ano passado.
O São Paulo tem a necessidade de buscar alguém com o mesmo perfil de Bauza, para que todo o trabalho não seja perdido. Sendo assim, a busca por outro estrangeiro seria o ideal (Pellegrine, Jubero, Munua, Cocca, mas aí é assunto para outro post). Trazer qualquer brasileiro disponível pode significar resgatar o péssimo padrão Doriva do ano passado, e será o pior dos mundos – uma exceção talvez seria Micale. Dificilmente qualquer treinador de nível virá com contrato até o fim do ano, então, precisamos buscar alguém de nome, que pense em um projeto maior e assine até o fim de 2017. Até arranjarmos alguém, extrema confiança em Pintado (outro dos principais responsáveis pela nossa mudança de postura) nos primeiros jogos e, talvez, para Jardine depois.
Se as coisas já estão difíceis hoje, talvez piorem nos próximos tempos. Até encontrarmos alguém, ficaremos não só com um elenco curto e comum, mas também sem comando. Precisamos manter a mesma pegada e de um padrão tático para sonharmos com uma Copa do Brasil. O que poderíamos fazer com Bauza, o que podemos fazer dependendo de quem seja o escolhido pelo Tricolor.
Vá viver seu sonho, Bauza. Fica aqui o desapontamento pelas promessas, mas juro que entendemos seu lado. O futebol era pragmático, a técnica era contestável, os números não eram bons, mas você nos fez ver o São Paulo mais alegre e mais raçudo dos últimos anos. E você não deve ter ideia de como isso é importante pra gente. Que você aproveite bastante seu merecido lugar no comando da Argentina. Nós, enquanto isso, viveremos um pesadelo. E se demorarmos para acordar, pode ser tarde demais. Obrigado, Patón, mas saia sabendo que o sinal amarelo está ligado para os lados do Morumbi.