Marinho Saldanha
Do UOL, em Porto Alegre
RODRIGO RODRIGUES/GREMIO FBPA
O técnico Roger Machado comanda treino do Grêmio
Perto de igualar o feito de Mano Menezes, Roger Machado não quer sair do Grêmio. Alvo de sondagens de clubes como Atlético-MG, Cruzeiro, Corinthians e, mais recentemente, São Paulo, o ex-lateral esquerdo foi claro, em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, ao determinar sua permanência no clube que defendeu por nove anos como atleta.
No comando do Grêmio desde maio do ano passado, ele está prestes a romper uma marca. Desde 2008, com Mano Menezes, que um treinador não começa e termina a temporada no clube. E por isso valoriza a segurança dada a seu trabalho em Porto Alegre.
Roger ainda comentou sobre suas semelhanças com Tite, técnico que aposta que vai fazer a seleção se recuperar: “Acima de tudo, eu tive ao lado dele e ele se comportou sempre como um líder, nunca como um chefe. E é assim que eu lido com meus atletas.”
Confira a entrevista exclusiva do técnico Roger na íntegra:
Vocês está prestes a atingir uma marca que não ocorre no Grêmio desde o Mano Menezes, que é um treinador começar e terminar a temporada no comando do time. O que isso significa para você?
Eu gostaria que isso pudesse não significar apenas uma mudança no clube, mas que pudesse também ser um viés de mudança no cenário nacional. Que, como treinadores, sempre reivindicamos a continuidade do trabalho. Um treinador podendo alcançar uma marca, mesmo que não vindo diretamente ligada aos títulos, mas que o bom trabalho seja reconhecido dentro de um contexto, isso é importante. Temos isso no Rio Grande do Sul, o Rogério Zimmermann, do Brasil de Pelotas, que talvez seja entre as séries A, B e C o treinador mais longevo. Que isso possa ser uma tendência e não apenas um desvio na curva.
Foi injusto o que houve com o Falcão, no Inter, então?
Não gostaria de falar a respeito do que acontece em outros clubes porque eu não sei. Não tenho elementos para falar com propriedade a respeito disso. Mas o trabalho contínuo é a tendência que tenha frutos mais à frente. Mas, sinceramente, não tenho embasamento para falar a respeito.
O teu nome já foi citado em vários clubes neste período. Atlético-MG, Cruzeiro, São Paulo, Corinthians… É possível algum clube te tirar do Grêmio hoje?
A segurança vem muito juntamente com o trabalho desenvolvido. Tanto o trabalho que a direção tem feito administrativamente, de reajuste das contas do clube, e isso reflete também na confiança do comando. Mas o resultado de campo faz também com que este viés seja retroalimentado e a confiança acaba sendo mútua. Um dirigente que deseja organizar o clube e um trabalho que possa render conquistas logo ali. Agora, a continuidade do trabalho é o campo que vai determinar. Gostaria de permanecer aqui até o momento que for bom para todo mundo. Que o clube esteja satisfeito, que a torcida esteja satisfeita e que eu esteja feliz aonde estou. Do contrário não há motivo para permanecer.
Então é correto dizer que hoje não tem proposta que te tire do Grêmio?
Não, hoje não há proposta que me tire do Grêmio. O trabalho está sendo bem desenvolvido. Contamos com a confiança do torcedor e da direção. Estas sondagens que aconteceram, umas mais próximas e outras apenas leituras de cenário, é claro que serviram para valorizar o meu trabalho, mas o trabalho que eu fiz aqui e que aqui eu pretendo continuar.
E neste trabalho, em que lugar tu colocarias o Grêmio na disputa pelo título Brasileiro e o quanto é difícil imaginar e projetar uma tabela com uma partida adiada?
Então, se realizássemos este jogo (contra o Botafogo, adiado por conta da Olimpíada), com três pontos ficaríamos a um da liderança. Estaríamos muito próximos. É mais um fator de desequilíbrio do campeonato. E eu que falo muitas vezes sobre o calendário, este é mais um detalhe que talvez eu não tivesse lembrado: o adiamento das rodadas em função de problemas relacionados neste caso com a Olimpíada. É um problema que não foi criado por nós, mas nos atinge diretamente. Até mesmo do ponto de vista motivacional, olhar na tabela… Quem analisa e faz a crítica do momento não está interessado em colocar isso no contexto. Mas temos que ter a noção de realizar bem este momento. O turno acabou e no final de semana, se vencermos podemos encostar novamente, mas sempre estaremos um passo atrás. Isso é ruim e compromete o equilíbrio da competição.
E qual a sua sugestão para o calendário… Seguir o Europeu? Retirar os Estaduais?
Temos um país de dimensões continentais e há campeonatos regionais que hoje ocupam um número de datas muito importantes. São 10 a 20 datas. E trabalhamos com o jogo envolvendo três dias, o dia do jogo, a carga reduzida na véspera e um ou dois posteriores de recuperação. Se pegarmos 20 datas em 3 dias, são 60 dias que os Estaduais envolvem. É um período muito grande que pode comprometer todos os demais jogos da temporada. Não que o regional seja menos importante, ele é importante regionalmente e deve existir.
Mas qual a alternativa?
Para mim o que deve se começar a fazer é iniciar pelas datas-Fifa, que precisam ser preservadas. Não pode ter jogo para que os atletas selecionáveis sejam liberados. Agora, por exemplo, temos dois jogadores na Olimpíada e um prejuízo que pode não ser recuperado. E depois destes jogos, o jogo contra o Botafogo foi remarcado para uma data-Fifa. Temos que chegar a uns 50 ou 60 jogos por ano para cada clube, seis jogos no mês. Hoje tem jogo segunda, quarta, quinta, sábado, domingo, joga-se todo o dia. Os estádios estão vazios. Mas o que interessa é o jogo da TV o Pay Per View.
O torcedor perdeu interesse?
Não é porque o torcedor perdeu o interesse de ir ao estádio, é porque é mais conveniente. O preço que estão os ingressos, tendo 10 jogos por mês, ninguém consegue ter orçamento para ter jogo. É você, seu filho, esposa, ingresso, estacionamento, lanche, uns 300 reais por jogo. Por 10, ninguém vai. Hoje em dia o que eu vejo, por incrível que pareça, é que ir a estádio é presente de aniversário que pai dá para filho de tão caro que ficou. Não pode. Hoje se cultua muito o jogo da televisão. Temos que sentar e conversar, atletas, Confederação, detentora dos direitos, porque eu entendo o lado deles, se compram um produto e quem me vendeu não regulamentou explicando o que deve ser feito, eu fiz o investimento e vou usar como eu quero para recuperar o investimento. Hoje também temos que contar com a boa vontade da TV para realinhar o calendário. E que se venda o campeonato. Imagina um grande canal estrangeiro sabendo que um jogo que estava marcado para o fim de semana deixou de existir porque foi cancelado. São vários fatores. Mas é possível.
Qual a participação de vocês neste processo e você acredita que isso tudo esbarra também na qualidade da seleção brasileira e nos resultados que têm decaído?
O Brasil não deixou de fornecer material humano de altíssima qualidade. Na última Liga dos Campeões, tínhamos quase 100 brasileiros jogando. A legislação deu um benefício muito grande para mim que fui atleta, mas desequilibrou para o outro lado. Isso faz com que o clube tenha que aumentar muito a sua folha em função dos altos salários. Mas acima de tudo o jogador hoje é lançado mais cedo no profissional, porque aos 16 anos precisa fazer contrato. Muitos jovens, então, são lançados cedo, mas não estão amadurecendo cedo, foi a lei que obrigou a lançar. Do ponto de vista do jogo, eu gosto de fazer analogia com xadrez e a dama. Durante muito tempo quando éramos grandes jogadores de dama, ninguém nos ganhava. Mas o mundo inteiro entendeu que se não aprendesse uma outra forma de jogar, não conseguiriam sobrepor o talento brasileiro. Então eles aprenderam a jogar xadrez. Desenvolveram-se taticamente, fisicamente, para sobrepor nosso talento. Durante algum período, deixamos de buscar isso também.
Há saída?
Agora estamos recuperando este terreno. E não tenho dúvida que vamos recuperar a hegemonia do futebol mundial. Mediante a este envolvimento de todos, a CBF dando cursos para desenvolvimento de profissionais, vamos recuperar. O atleta é parte importante disso. Cada vez mais que o atleta tem que se interessar por sua profissão, desejar entender as questões táticas dentro de campo e não só saber como executar. E perceber que a organização do talento libera o talento.
O Tite pode ser importante nisso? Achas que ele vai conseguir recuperar a seleção?
Não tenho dúvida que vai. Por sua capacidade, talento e pela confiança que passará a todos. Quando há uma troca de comando sempre há uma mobilização. Até os resultados começarem a aparecer, e isso vai se reforçar a medida que as conquistas vierem. É um profissional que já vinha merecendo essa oportunidade. O Dunga ofereceu seu trabalho a seleção e foi até o momento que pôde. Trilhamos um caminho importante com ele, e é um trabalho feito a várias mãos. Não é feito só por um profissional, e quando se interrompe o ciclo vem tudo do zero. Não. O que saiu deixa uma contribuição para o seguinte dar continuidade. Este é o momento do Tite e tenho certeza que ele será importante neste processo.
O que tem do Tite no Roger?
Muito mais do que as questões técnico-táticas, a gestão e como ele administra tudo que envolve o futebol e o vestiário. Sua integridade e honestidade para gerir estes processos é que são importantes. Acima de tudo, eu tive ao lado dele e ele se comportou sempre como um líder, nunca como um chefe. E é assim que eu lido com meus atletas. O líder tem que indicar o caminho, mas seguir na frente abrindo picada. O chefe indica o caminho e muitas vezes permite que o subordinado alcance os objetivos sozinho. O Tite sempre fez isso com maestria. Indicar o caminho, mas indo na frente apontando, mostrando e eliminando as dificuldades do caminho. É isso que levo muito.