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Leonardo Lourenço
GloboEsporte.com detalha crise no Morumbi em três capítulos: política, técnica e financeira, tema desta quinta-feira; após anos de prejuízos, clube busca recuperação
A invasão ao centro de treinamentos do São Paulo, no último sábado, foi o ápice – por ora – de um processo de corrosão recente do único brasileiro tricampeão do mundo. Essa decadência passa pelo enfraquecimento financeiro do clube, que de “Soberano”, na segunda metade da década passada, vê agora seus maiores rivais alguns degraus acima.
Esta é a primeira de três reportagens do GloboEsporte.com que pretendem detalhar a crise no Morumbi sob três aspectos: financeiro, político (sexta-feira) e técnico (sábado).
O São Paulo teve a maior receita entre clubes brasileiros no ano de 2013 (cerca de R$ 362 milhões), impulsionado pela venda de Lucas ao Paris Saint-Germain por quase R$ 118 milhões.
Dois anos depois, Flamengo, Palmeiras e Corinthians arrecadaram mais e gastaram menos do que o São Paulo, de acordo com estudo do banco Itaú BBA, divulgado em julho. O déficit tricolor foi de R$ 72,5 milhões no exercício, menor do que o de 2014 (R$ 100 milhões), mas ainda um número desastroso.
São dados que colaboraram para que, pela primeira vez, o clube do Morumbi aparecesse atrás do Palmeiras em ranking da BDO Brazil, consultoria que analisa o valor das marcas das equipes de futebol do país. Praticamente estagnado, o São Paulo é o único entre os quatro maiores clubes do país que não ultrapassou o patamar do bilhão.
É, também, o de menor crescimento deste parâmetro nos últimos cinco anos. Enquanto Palmeiras e Flamengo dispararam 112% e 88%, respectivamente, o Corinthians subiu 41%, o Tricolor ficou nos 20% – passou de R$ 771 milhões em 2012 para R$ 926 milhões em 2016.
– O São Paulo tem o menor faturamento de patrocínio, é o único na cidade que não tem uma arena nova, e não tem sido feliz em campo. Isso impacta no consumo, faz o clube perder competitividade – explica Pedro Daniel, responsável pelo estudo da BDO.
No ano passado, o São Paulo arrecadou R$ 36,6 milhões em publicidade e patrocínio, quase a metade do que Palmeiras (R$ 70 milhões) e Corinthians (R$ 67 milhões) conseguiram.
– O clube explora mal seu torcedor, sua marca e camisa. Poderia gerar entre R$ 25 milhões e R$ 30 milhões (por ano) a mais – estima o superintendente de crédito do Itaú BBA, Cesar Grafietti.
Nesta temporada, após longo período, o São Paulo finalmente conseguiu comercializar o principal espaço de seu uniforme para a Prevent Senior, empresa de saúde. Ainda assim, por valores bem abaixo dos de seus concorrentes.
Pelo contrato de 19 meses, o Tricolor vai receber R$ 25 milhões, o mesmo que o Flamengo receberá da Caixa por um acordo de 12 meses. O Corinthians, que também é patrocinado pelo banco estatal, tem acerto de R$ 30 milhões por um ano.
Lei Pelé
O São Paulo é apontado por Grafietti como o clube que melhor entendeu a Lei Pelé nos primeiros anos da legislação que acabou com o passe no futebol brasileiro. Assim, formava bons times a custos baixos.
A fórmula de buscar atletas em fim de contrato ajudou a construir a equipe que venceria a Taça Libertadores e o Mundial em 2005 antes de enfileirar três títulos seguidos do Campeonato Brasileiro de 2006 a 2008.
– Quando todo mundo entendeu como funcionava (a Lei Pelé), o São Paulo perde capacidade competitiva, isso a partir de 2009. Nessa vala comum, o São Paulo entra com receitas menores do que Corinthians e Flamengo, por exemplo, e tem que competir comprando jogador como os outros. Gasta muito e compra mal – explica Grafietti.
No novo cenário, o São Paulo venceu apenas uma competição, a Copa Sul-Americana de 2012, enquanto o Corinthians viveu seu período mais glorioso, com dois Brasileiros, uma Libertadores e um Mundial – os alvinegros, porém, também experimentam um momento de sérias dificuldades econômicas, com a alta dívida do estádio de Itaquera e a diminuição de receitas que tiveram papel importante no desmanche da equipe que venceu o nacional de 2015.
Recuperação
Nesses dez anos entre o auge esportivo e o desespero financeiro, o São Paulo teve três administrações diferentes. Juvenal Juvêncio comandou o clube de 2006 a 2014, quando elegeu seu sucessor, Carlos Miguel Aidar.
Pouco mais de um ano após sua eleição, em outubro de 2015, Aidar renunciou ao ter o nome envolvido num escândalo de corrupção. Carlos Augusto Barros e Silva, o Leco, assumiu a presidência e agora tenta recolocar o São Paulo nos trilhos.
O primeiro passo foi contratar uma auditoria que fez um raio-x dos cofres tricolores. A conclusão, segundo o diretor financeiro, Adilson Alves Martins, era de que o clube estava gastando dinheiro errado: verbas com vencimento de curto prazo, mais caras, estavam sendo usadas para bancar investimentos de longo prazo, que demoram mais a dar retorno.
– O São Paulo comprava jogadores e depois arrecadava um valor (com vendas) menor do que o investido – afirma o dirigente.
– Pelo fato de não ter conquistado grandes títulos, o São Paulo começou a investir muito pesado na compra de jogadores. Foi algo muito superior às vendas e houve desequilíbrio.
A nova diretoria diz que dívida tricolor, excluídos os R$ 77 milhões de débitos fiscais, financiados pelo Profut (Programa de Modernização do Futebol), caiu de R$ 170 milhões para R$ 115 milhões desde então. Martins diz, também, que as receitas do clube em 2016 já superam a previsão orçamentária para o acumulado até julho.
– A previsão era arrecadar R$ 195 milhões até julho, mas já arrecadamos R$ 278 milhões.
As transferências de atletas, grande fonte de renda tricolor – são R$ 351 milhões em vendas de 2010 a 2015, segundo o Itaú BBA –, influenciaram bastante nesse cálculo. O diretor financeiro afirma que o clube conseguiu cerca de R$ 60 milhões com as vendas de jogadores como Paulo Henrique Ganso e Alan Kardec, acima dos R$ 24 milhões previstos no orçamento.
Os resultados de 2016 criaram otimismo no Morumbi. A diretoria entende ser possível chegar a R$ 360 milhões em receitas e ignorar a expectativa orçamentária de R$ 10 milhões de déficit, fechando o ano no azul.
Antes, entretanto, é preciso lidar com as consequências dos últimos acontecimentos. A equipe a quatro pontos da zona de rebaixamento no Brasileiro e o temor de novas ações violentas da torcida são obstáculos para quem busca recuperar credibilidade no mercado.
– O São Paulo tem potencial para crescer, não está sendo bem explorado. Mas ninguém quer atrelar sua marca a uma invasão como a de sábado – alerta Pedro Daniel, da BDO