SãoPaulo.F.C
Marcelo Prado
Desde o tricampeonato consecutivo do Brasileirão, em 2006, 2007 e 2008, Tricolor não dá sequência a um planejamento e nem monta uma base confiável
Houve uma época em que o São Paulo se orgulhava de ser cirúrgico em suas investidas no mercado. Enquanto os rivais batiam cabeça, o Tricolor se adaptava rapidamente à Lei Pelé, trazia reforços “de graça” (jogadores em fim de contrato) e construía uma base que se sagrou campeã mundial (2005), da Libertadores e tri do Brasileirão em sequência (2006, 2007 e 2008). Foi quando o clube passou a se autodeclarar “O Soberano”.
Esse tempo passou. Com exceção da conturbada conquista da Sul-Americana em 2012, o tricampeonato consecutivo do Brasileirão em 2008 foi a última grande conquista do São Paulo. Até o ato de vencer um clássico contra um dos três rivais paulistas, antes uma rotina, virou um martírio.
Por que o São Paulo vive hoje uma crise técnica, com um time que não tem a confiança do próprio torcedor? O GloboEsporte.com explica agora, passo a passo, como o Tricolor foi perdendo sua soberania de 2008 para cá.
PARCERIAS QUESTIONÁVEIS COM EMPRESÁRIOS
Dos 92 jogadores que o São Paulo contratou desde 2009, muitos eram agenciados por dois empresários: Juan Figer e Eduardo Uram. O primeiro, uruguaio, conseguiu, por exemplo, a façanha de arranjar um contrato com o Tricolor para um chileno chamado Nelson Saavedra, que chegou ao clube em 2009 e sequer treinou no CT da Barra Funda, sendo mantido de escanteio em Cotia e repassado a outros clubes por empréstimo, como o Atlético-GO. Saavedra era nada mais do que um contrapeso na contratação de Marlos, então no Coritiba. Uma exigência de Juan Figer.
Uram, por sua vez, chegou a ter dez jogadores ao mesmo tempo no plantel tricolor, em 2013. E virou, em 2015, pivô de uma investigação do Conselho Deliberativo do São Paulo, que viu conflito de interesses nas atividades de Gustavo Vieira de Oliveira (que voltou ao clube este ano como diretor executivo) e José Francisco Manssur, um dos assessores mais influentes da atual diretoria. O Conselho identificou uma planilha de pagamento de R$ 15,9 milhões feita ao Tombense (MG), clube que tem Uram como investidor e onde ele registra seus jogadores. Gustavo e Manssur foram sócios de um escritório de advocacia que tinha Uram como cliente.
TROCAS CONSTANTES DE TÉCNICOS
(Foto: Marcelo Hazan)
Desde 2009, quando Ricardo Gomes teve sua primeira passagem pelo São Paulo, substituindo Muricy Ramalho, o clube teve 11 treinadores. Em apenas uma temporada o Tricolor começou e terminou com um mesmo técnico (Muricy, sempre ele, em 2014). E cada mudança representou um “choque de gestão”, passando de um treinador “linha-dura” para um “amigão da galera”, de um retranqueiro para um com perfil ofensivo, de um que trabalhasse mais com garotada para outro que preferisse “medalhões”.
A primeira tentativa após a saída de Ricardo Gomes em 2010 foi com Sérgio Baresi, então técnico da base. Fracasso total. Em 2013, o São Paulo voltou a essa fase “vamos trazer alguém que privilegie a base”, com Ney Franco, em 2013. Mas logo ele bateu de frente com ninguém menos do que o líder do elenco (Rogério Ceni). Foi demitido.
Teve a fase “precisamos de um técnico amigo dos jogadores”, e Milton Cruz cumpriu esse papel várias vezes como interino, até ser mandado embora este ano após mais de duas décadas no clube.
Teve a fase “precisamos de um técnico linha-dura”, quando o São Paulo contratou o homem que ilustra esse verbete, Emerson Leão, no fim de 2011, e ainda a fase do “precisamos de alguém pra colocar a casinha em ordem”, com Doriva, no fim do ano passado. Retumbante fracasso.
Teve, claro, a fase “precisamos de um técnico com ideias inovadoras”, quando Adilson Batista foi o escolhido, ainda em 2011. Durou menos de três meses, mesmo período que passou nos rivais Corinthians e Santos, sempre com campanhas desastrosas.
E teve a fase mais recente, a do “estamos cansados de tudo o que está aí e precisamos de um estrangeiro”. O colombiano Juan Carlos Osorio foi o primeiro, no ano passado. Conquistou a confiança dos jogadores (não todos), de muitos torcedores, mas não dos dirigentes (em especial, o que mandava, Carlos Miguel Aidar). Durante o processo político que culminou na saída do então presidente, Osorio recebeu convite para ser técnico da seleção do México e foi embora.
O segundo gringo foi o argentino Edgardo Bauza, que, em comum com Osorio, só possui o idioma. Dono de um perfil mais conservador, conseguiu levar o time à semifinal da Libertadores aos trancos e barrancos, já que a classificação num grupo considerado fácil só veio na última rodada, na altitude de La Paz, contra o The Strongest. Acabou eliminado na semi diante de um time muito melhor (o Atlético Nacional, da Colômbia) e chamado na sequência para assumir a seleção da Argentina. Antes, ainda pediu contratações (Buffarini e Chávez) e foi atendido.
Ricardo Gomes, com outro perfil, foi o escolhido para herdar o grupo e tentar recolocar o time nos trilhos. Tarefa complicadíssima, diante de tantas mudanças forçadas de rota durante os últimos anos.
Nesse período, passaram pelo clube outros dois técnicos sem muito destaque: Paulo César Carpegiani, entre 2010 e 2011, e Paulo Autuori, campeão mundial em 2005 pelo clube e que só aguentou dois meses em 2013.
REFORÇOS DE TODOS OS TIPOS
De 2009 pra cá, o São Paulo contratou 92 jogadores. Parece pouco se comparado ao Palmeiras, que contratou quase 80 só nos últimos quatro anos, sob a gestão Paulo Nobre.
Mas o fato é que o time tricolor jamais voltou aos bons tempos da metade da década passada, quando a diretoria nadava de braçada no mercado.
Houve alguns acertos, como Ganso, titular quase que absoluto por quatro anos. E houve muitos erros, principalmente na lateral esquerda, posição em que o clube chegou a ter sete jogadores sob contrato ao mesmo tempo.
Veja abaixo a relação, ano a ano, das contratações e do desempenho do Tricolor:
2009
(Foto: Vipcomm)
A contratação mais bizarra foi a do zagueiro chileno Saavedra, que sequer treinou no CT da Barra Funda. Ele só assinou com o São Paulo por um acordo entre a diretoria e o empresário Juan Figer, que havia acabado de levar o meia Marlos para a equipe do Morumbi.
Naquele ano, dos 11 contratados, apenas Washington virou titular. Dentro de campo, o time brigou pelo título brasileiro até as últimas rodadas. Na reta final, perdeu fôlego por causa de julgamentos ocorridos no STJD.
Reforços contratados em 2009: Arouca, Renato Silva, Wagner Diniz. Denis, Junior Cesar, Washington, Eduardo Costa, Marlos, Jean Rolt, Adrian Gonzalez e Saavedra.
2010
(Foto: Ag. Estado)
Foi um ano repleto de falhas da diretoria. Apesar da boa campanha na Libertadores (a equipe chegou à semifinal), somente dois dos 14 reforços contratados tiveram destaque: Ricardo Oliveira e Fernandão.
Nem mesmo Cicinho, que foi repatriado a pedidos do torcedor, deu certo, já que estava mais preocupado com as baladas. O fim de ano foi tão ruim que, após seis anos seguidos, a equipe não conseguiu vaga na Libertadores da temporada seguinte.
Reforços contratados em 2010: Léo Lima, André Luis, Carlinhos Paraíba, Xandão, Cleber Santana, Rodrigo Souto, Fernandinho, Carleto, Fernandão, Samuel, Cicinho, Ricardo Oliveira, Alex Silva e Ilsinho.
2011
(Foto: Leonardo Simonini/Globoesporte.com)
O ex-presidente Juvenal Juvêncio manteve sua megalomania em 2011, ano da mudança do estatuto que permitiu o seu terceiro mandato. Contratou o pentacampeão Rivaldo, que estava em final de carreira. Por R$ 17,5 milhões, repatriou Luis Fabiano com direito a um salário astronômico. Por mais R$ 4,5 milhões, contratou o desconhecido meia chileno Marcelo Cañete.
Até então coadjuvantes, o zagueiro Rhodolfo e o meia Cícero se destacaram. Mas houve espaços para contratações estranhas, como do laterais Edson Ratinho e Ivan Piris e do atacante Willian José, que exigiram investimento, mas deram em nada.
Reforços contratados em 2011: Luis Fabiano, Rivaldo, Rhodolfo, Willian José, Edson Ramos, Cícero, Ivan Piris, João Filipe, Cañete e Denilson.
2012
(Foto: Eduardo Carmim/Estadão Conteúdo)
Duas contratações chamaram a atenção: os meias Jadson e Paulo Henrique Ganso. No entanto, não houve treinador que conseguisse fazer os dois jogarem juntos.
Doze reforços foram contratados para um time que renasceu em campo comandado por um garoto: Lucas, que deu nova vida ao ataque são-paulino. A equipe fechou o ano com o título da Copa Sul-Americana, numa final conturbada com o Tigre, da Argentina. Foi o ponto alto de oito anos ruins.
Reforços contratados em 2012: Cortez, Edson Silva, Maicon, Paulo Miranda, Jadson, Osvaldo, Fabricio, Douglas, Rafael Toloi, Paulo Assunção, Paulo Henrique Ganso e Breno.
2013
(Foto: Site oficial do São Paulo / Divulgação)
O time estava de volta à Libertadores, mas uma eliminação precoce nas oitavas de final colocou o elenco em xeque. Dos 11 reforços contratados, o destaque foi o zagueiro pentacampeão Lucio, que se transformou em mico. Nenhum dos outros chegou com capacidade de assumir a responsabilidade. No Campeonato Brasileiro, um fiasco. Com um desempenho pífio, a equipe lutou por muito tempo contra o rebaixamento e se salvou no fim. Tanto que, no meio da competição, Juvenal chegou a afastar vários jogadores.
Reforços contratados em 2013: Lucio, Aloísio, Wallyson, Silvinho, Mateus Caramelo, Roni, Reinaldo, Clemente Rodriguez, Antonio Carlos, Welliton e Negueba.
2014
(Foto: Marcos Ribolli)
São Paulo viveu um ano de contrastes. No primeiro semestre, a equipe parou na semifinal do Campeonato Paulista e amargou o vexame de ser eliminado da Copa do Brasil pelo Bragantino, no Morumbi. Porém, a equipe se encontrou no segundo semestre.
Empurrada pelo retorno de Kaká, a equipe brigou pelo título do Campeonato Brasileiro com o Cruzeiro até as últimas rodadas. Terminou com o vice-campeonato e em lua de mel com o seu torcedor, já que a expectativa para o ano seguinte era a melhor possível.
Reforços contratados em 2014: Luis Ricardo, Álvaro Pereira, Souza, Pabón, Roger Carvalho, Alexandre Pato, Hudson, Alan Kardec, Michel Bastos e Kaká.
2015
(Foto: Marcos Ribolli)
Só que o sonho se transformou em pesadelo. Do time considerado titular, apenas Kaká foi embora, mas o time se desarranjou por completo. Campanha fraca no Paulista, eliminação na Libertadores na fase de oitavas de final.
Para piorar, uma violenta briga política interna causou ainda mais turbulência. A classificação para a Libertadores como quarto colocado no Brasileirão caiu do céu, no ano que marcou a despedida do goleiro e capitão Rogério Ceni.
Reforços contratados em 2015: Bruno, Carlinhos, Thiago Mendes, Jonathan Cafu, Centurión, Dória, Renan Ribeiro, Wesley, Luiz Eduardo, Wilder, Daniel e Rogério.
2016
(Foto: Rubens Chiri / saopaulofc.net)
O ano pode ser dividido em duas partes. Com graves problemas financeiros, não houve dinheiro para grandes contratações. Mesmo assim, montou-se um elenco que fez bela campanha na Libertadores. Só que, após a eliminação na fase semifinal, tudo começou a degringolar.
Ganso, Kardec e Calleri saíram e o time se perdeu em campo. Hoje, a equipe está apenas quatro pontos à frente da zona de rebaixamento, o que traz temor a jogadores, torcedores e dirigentes.
Para piorar, o clima com a torcida não é dos melhores. Na invasão ao CT da Barra Funda no último sábado, três jogadores foram agredidos (Carlinhos, Michel Bastos e Wesley).
Reforços contratados em 2016: Diego Lugano, Mena, Calleri, Kieza, Kelvin, Maicon, Ytalo, Cueva, Gilberto, Chavez, Buffarini e Douglas
Interessante que a decadência do Tricolor foi se agravando dia a dia, depois que a Múmia Velha Frangueira deixou de ser um goleiro normal e pensou que era o Dono do São Paulo até interferindo na contratação de jogadores e técnicos.