De presente, o futuro

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Blog Torcedor do São Paulo – Globo Esporte

Rogério Ceni recebe homenagem de Juvenal Juvêncio

A Florida Cup é nossa. Após uma mais que razoável atuação frente ao Corinthians e o merecido título, o Tricolor entrou numa semana de aniversários turbinado pelos bons agouros que derrotar o rival traz. Primeiro, o novo treinador Rogério Ceni soprou 44 velinhas, certamente ciente de que agora estará diante de um dos maiores, se não o maior desafio de sua vida. Anteontem foi a vez do próprio clube – de que o ex-goleiro se tornou sinônimo nas últimas duas décadas – completar 87 verões de uma grandiosa existência.

 

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E qual a perspectiva para essa nova era que se inicia agora? É importante que façamos um balanço de onde exatamente está o aniversariante São Paulo nesse instante, em 10 tópicos:

 

1) A molecada de Cotia vem aí: Juvenal sorri ao ver o esboço de seu pupilo

 

Rogério jamais escondeu sua admiração por Juvenal Juvêncio, para quem sempre fez campanha dentro e fora dos gramados. Entre erros (sim, eles existiram e foram lesivos ao clube: Aidar, Adalberto Batista, o “golpe” no estatuto, a institucionalização da mentalidade Soberana, entre outros) e muitos acertos, sem dúvidas o maior legado material do folclórico ex-cartola foi a construção do CFA de Cotia, sua menina dos olhos nos anos finais de vida.

 

A certa altura do fim da década passada, o então presidente profetizou que o São Paulo teria em 2011 uma equipe formada apenas por pratas da casa. Como se sabe, isso sempre passou bem longe de acontecer, seja pela frequente presença de treinadores (e presidentes) imediatistas e medrosos que privilegiassem a contratação de medalhões, seja pela impaciência da crítica esportiva e de parte da torcida, ansiosos por rotular os assim chamados “mimados de Cotia” como jogadores fadados ao fracasso muito antes de poderem mostrar serviço e amadurecerem.

 

Eis que em 2017, o São Paulo inicia a temporada com 14 oriundos de Cotia em seu elenco profissional, além de outros que ainda estão sob contrato e seguem no radar, como Auro, João Paulo, Banguelê e Matheus Reis, que se somam a Lucas Kal, Artur, Pedro Bortoluzo e Tormena, que devem ser emprestados. Mais importante que os indesmentíveis números é a projeção realista de que nomes como David Neres, Luiz Araújo e Shaylon tornem-se peças de referência no elenco dentro de algum tempo. Desde sua apresentação, Rogério sinalizou toda sua intenção de aproveitar a geração que enfileirou títulos nos dois últimos anos na base e foi isso que a Florida Cup comprovou. De algum lugar do cosmos, Juvenal mexe com os dedos as pedras de gelo de seu whisky e sorri. Cotia finalmente será posta à prova. Ótima notícia para um clube em dificuldades financeiras, mas habituado a revelar bem e bastante.

 

2) Breno, a fênix que toma whey

 

Dado tantas vezes como carta fora do baralho, Breno ressurgiu novamente das cinzas. Após um 2016 quase inexistente, atormentado por lesões, o camisa 33 reapareceu mais magro do que nunca e teve boa atuação diante do River. Sabe-se que seu problema nunca foi técnico, e sim físico – com histórico de lesões graves nos ligamentos e descompensação muscular. Rogério, que testemunhou ainda como goleiro a ascensão meteórica de Breno em 2007 e sua (curta, inesperada, porém excelente) experiência como volante sob a batuta de Osorio em 2015, sabe bem que um jogador dessa capacidade não deve ser descartado tão facilmente. O alto número de zagueiros no elenco dá margem para que o ingresso de Breno na equipe seja bem administrado pela comissão técnica. Ganhamos um reforço?

 

3) Habemus Jucilei?

 

Pelo que consta, a negociação com os chineses do Shandong está acordada e nem mesmo o assédio de última hora do Atlético Mineiro – ainda enfurecido por ter perdido as disputas pelas contratações de Maicon e Calleri em 2016 – deve mudar isso. A se confirmar o reforço, o ex-corintiano chega para acrescentar diversas opções de variações a Rogério e seu 4-1-4-1 da Florida Cup: pode ser o volante (posição ocupada por Rodrigo Caio nos dois jogos do ano), o meio-campista interno (onde jogaram Thiago Mendes e Cueva) ou até mesmo zagueiro. Isso mesmo, conforme bem observou o jornalista Gabriel Dudziak, da CBN, Jucilei atuou metade do Chinesão como parceiro de zaga de Gil. A campanha do Shandong Luneng, entretanto, foi calamitosa: amargaram um 14º lugar (entre 16 participantes) e sofreram 45 gols em 30 jogos.

 

4) O ataque mais canhoto do Brasil?

 

Junior Tavares, Cícero, João Schmidt, Wellington Nem, David Neres, Luiz Araújo e Chavez. São 7 atletas canhotos em nosso elenco, todos com boas perspectivas de titularidade e, sem exceção, conhecidos por seus dotes ofensivos. Vamos aguardar para saber o que Ceni e Beale farão a partir de toda essa canhotice à disposição. E houve quem dissesse que a esquerda estava em baixa no Brasil…

 

5) Finalmente, Douglas 

 

Trazido na janela de transferências do meio do ano passado, o zagueiro Douglas demorou quase um semestre a estrear. Em princípio, pela grave lesão no joelho de que se recuperava, depois pelo reduzido espaço que lhe restou num elenco que conta com os titularíssimos Maicon e Rodrigo Caio, o ídolo Lugano e a promessa Lyanco para a zaga, além do outrora esquecido Lucão e o lesionado Breno. Contra o Corinthians, porém, a oportunidade chegou e o defensor, que não entrava em campo há mais de um ano, aproveitou. Foi muito bem e agora aguarda novas chances. O fato de Rodrigo Caio vir sendo utilizado como volante pode ajudar a encurtar a longa lista de espera. Entre as muito reclamadas carências no elenco de 2016, não acho que a zaga tenha sido uma delas.

 

6) Sidão neles!

 

Em uma atípica competição em que não marcamos nem sofremos gols, inegavelmente o jogador que mais tem a comemorar é Sidão, que defendeu dois pênaltis contra o River e repetiu a dose frente ao Corinthians, na final. Por todo o contexto (de alta dele, somado à baixa de Denis, ultra-contestado desde o primeiro semestre do ano passado), é altamente improvável que o camisa 12 não inicie o ano como titular.

 

São Paulo comemoração Torneio da Flórida

 

7) Um novo começo para o “ambidestro” Buffarini

 

Justiça seja feita: o argentino foi, talvez, o maior destaque da Florida Cup. Com duas atuações muito sólidas, jogando pelas duas laterais, ele mostrou que sua disposição e versatilidade serão especialmente úteis a Rogério, que abriu mão de Reinaldo e Matheus Reis e viu o mediano Mena não renovar seu empréstimo, ficando assim apenas com o jovem Junior Tavares, recém subido do time sub 20, como lateral-esquerdo de ofício.

 

Um bom começo será importante para Buffarini, que sofreu para corresponder às altas expectativas da torcida e diretoria em 2016. Quem o viu jogar no San Lorenzo de Bauza sabia de antemão o que o atleta tinha a oferecer: imposição física, espírito de luta acima da média, liderança e polivalência. Não se trata de um jogador que prima pelo refinamento técnico nem por tomadas de decisão brilhantes, mas nas mãos de um bom treinador, nosso atual lateral-esquerdo titular pode render ótimos frutos.

 

8) O novo 9 não vem (isso é mesmo o fim do mundo?)

 

Colmán foi parar na MLS, Calleri deve seguir na Europa e delírios de consumo como Lucas Pratto são obviamente inviáveis pelo momento financeiro do clube. Entre os reforços de 2017, cabe sempre lembrar, há Cícero, que conta tanto com a admiração de Rogério Ceni que justificou uma briga do então goleiro com o ex-treinador Ney Franco em 2012 e várias vezes na carreira atuou como centroavante, com variados resultados.

 

A crescente insatisfação de parte da torcida com Chavez, no entanto, salta aos olhos e me parece um pouco demasiada para um atleta que – gostemos ou não – teve média próxima a 0,5 gol por jogo, mesmo tendo 4 treinadores diferentes em 5 meses e atuando numa equipe frágil, em crise e que se reformulou com a temporada em andamento. O Paulista será importante para El Comandante e seu reserva imediato, Gilberto, mostrarem serviço. Por ora, são as peças mais pressionadas do elenco.

 

9) Paciência com Ceni

 

Hoje, tudo são flores. É inegável que Rogério está em lua-de-mel com a torcida, que sempre o acolheu. Mas, como todo treinador, ele é um mortal com a cabeça a prêmio e está sujeito a cobranças. É, inclusive, salutar que as receba. O ponto que me preocupa é o fato de haver em diversos setores da crônica esportiva brasileira uma forte (e contagiosa) tendência ao conservadorismo.

 

A margem para que técnicos experimentem e proponham inovações metodológicas no Brasil é muito pequena. Há pouco tempo, respeitados nomes da crítica diziam no ar, em programas de grande audiência, coisas como “4-2-3-1 é linha de ônibus, não esquema de futebol!” e todos os times eram escalados no campinho da TV no 4-4-2, com 2 volantes e 2 meias, como nos anos 90. A cultura do desprezo pela tática e a crença de que individualidades puras somadas a fatores subjetivos e intangíveis como “raça”, “identificação” e “estrela” resolvem jogos e campeonatos segue firme e forte. Treinadores que se propõem a estudar, entender e repensar mimimamente o jogo logo são rotulados pejorativamente como “nerds” ou professores Pardais à primeira derrota.

 

Não é possível, ainda, afirmar qual o estilo de trabalho de Rogério, embora todos os indícios apontem para a conclusão de que ele não pretende ser mais um a nadar na correnteza de anacronismo e alienação que congelou a maioria dos treinadores brasileiros nos últimos tempos. A cultura resultadista do nosso futebol, somada ao efervescente clima de ano eleitoral no São Paulo e os holofotes que naturalmente se voltam para o trabalho de um dos maiores ídolos da história do clube podem formar uma receita fatal para Ceni – ele próprio um obcecado por resultados e performance.

 

As peças escolhidas (vide itens anteriores) aparentemente refletem a ambição do treinador: jovens em busca de escreverem as primeiras páginas de uma carreira muito promissora, como David Neres e Lyanco; atletas que visam uma temporada de confirmação após o melhor ano de suas carreiras, como Sidão, Cueva, Neílton e Rodrigo Caio; outros que lutam para se provar após graves lesões, como Wellington, Douglas, Wellington Nem e Breno; e um punhado de renegados doidos para silenciar as cornetas, como Chavez, Gilberto, Cícero e Bruno. Todos com oxigênio por competir e conquistar, sem focos de acomodação.

 

Será fundamental que nós, torcedores, tenhamos parcimônia e compromisso com nossas críticas. Nem cinco vitórias farão de Rogério um gênio, como bradarão os mais apaixonados, nem cinco derrotas farão dele uma farsa, como quererão os (muitos) detratores do ex-goleiro. O ideal (quase utópico) seria que o trabalho de Ceni fosse analisado livre de paixões e com um olhar crítico que vá além dos frequentemente enganosos placares, na medida do possível. Podemos estar diante de uma boa revelação entre os treinadores brasileiros.

 

São Paulo x River Plate Rogério Ceni Sidão

 

10) 2017: ano eleitoral

 

Se há uma lição deixada pela gestão Aidar ao torcedor são paulino, essa é: nunca fechemos os olhos para a política do clube, pois ela se refletirá diretamente no campo. Ao longo de 2016, tivemos muitos acontecimentos chamativos e reveladores, desde a invasão do CT em agosto até a demissão de Gustavo Vieira de Oliveira, passando pela própria contratação de Rogério como técnico, todos estes fatos políticos desde a raiz.

 

A temporada passada foi de reparação de danos pós-guerra (quer dizer, pós-Aidar) e reconstrução, num trabalho que segue a todo vapor. A partir de agora, o São Paulo poderá finalmente começar a respirar e mirar adiante. Na semana dos aniversários de Rogério e do clube, de presente, ganhamos o direito de, ainda que timidamente, olhar para o futuro e gostar do rascunho.