Menon: Carille, Ceni, o feijão e o sonho

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Carille tem muito mais chances de chegar à final do Paulista, mas Ceni deve ir mais longe no Brasileiro. É a tese que aqui defenderei, usando até um livro da minha infância e também os argumentos de Pelado Lopes, corintiano até a alma.

Fábio Carille e Rogério Ceni são duas esperanças de renovação do futebol brasileiro, não, exagero, são duas esperanças de renovação dos treinadores brasileiros. Há outros. 2017 é pródigo em gente nova que está deixando veteranos na dramática fila do desemprego na Pindorama de Michel Temer: Zé Ricardo, Jair Ventura, Roger Machado, Eduardo Batista, Antonio Carlos, Mílton Cruz…

Todos assumem com o beneplácito da dúvida, com a torcida para que dê certo, afinal estamos muito atrasados no banco de reservas. Nossos professores são alunos quando comparados com os argentinos, por exemplo, brilhando na Europa.

Mas o que é dar certo, no fanatizado futebol brasileiro? Dar certo está muito ligado a resultado, os sonhadores que me perdoem. Ficar fora dos seis primeiros do Brasileiro é considerado fracasso para dez de onze concorrentes de Rio, São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul. Não coloco o Vasco, porque Eurico Miranda, tão execrado, tem uma atitude mais pragmática neste sentido.

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Então, domingo, estarão frente a frente Carille e Ceni. Um dos dois conseguirá o passaporte para a final do Paulista. É o que a torcida espera de um grande, é o ”fracasso” aceitável. Mesmo a torcida são-paulina ficará um pouco insatisfeita com o desempenho do maior ídolo do clube, caso fique fora. E nem adianta lembrar que no ano passado, o time nem ficou entre os quatro primeiros.

Os dois tem apresentado trabalhos díspares, com conceitos bem diferentes. Ceni é mais ousado. Assumiu o São Paulo e resolveu correr riscos, montando um time para jogar sempre na frente, em busca de gols, pressionando o campo rival. Carille assumiu o Corinthians para evitar riscos, para a transformar a peneira deixada por Osvaldinho em uma defesa confiável.

Os conceitos são diferentes não apenas pelo modo de encarar o futebol de cada um. Carille sempre cita Tite como exemplo e Ceni já disse que considera Osorio um grande treinador. Mas não é só isso: Carille sabe que não tem um capital inicial de apoio da torcida minimamente comparável com o que tem Ceni. O treinador do São Paulo pode errar muito mais do que ele. E, por poder errar, pode ousar. A ousadia (ousadura?) é irmã do brilhantismo, mas também é prima do erro.

Ousadia x pragmatismo. Ataque x defesa. Posse de bola x transição. Desarmonia x e-qui-lí-brio. Feijão x sonho, lembrando o escritor Orígenes Lessa e a história de Campos Lara, professor preso na contradição entre ser escritor e poeta e cuidar bem da casa, da mulher Maria Rosa e dos três filhos. Poesia não da camisa a ninguém, dizia-se antigamente.

É enorme a possibilidade de Carille levar o Corinthians à final. O primeiro passo – passo de Thiago Splitter – foi dado ao vencer o primeiro jogo por 2 a 0 na casa do São Paulo. É a classificação que resta, após a eliminação na Copa do Brasil para o Inter. Uma classificação que ficou no caminho porque faltou um pouco de sonho e de ousadia. O Corinthians dominou o jogo, teve muitas chances, poderia ter feito 2 a 0 com dez minutos, mas depois se acomodou. Recuou e apostou no contra-ataque. Não pressionou. Mesmo assim, poderia ter feito mais gols. Levou um e aí está o problema.

É uma questão aritmética. Quem faz apenas um gol por jogo, está perto do empate. É uma segurança muito pequena. É difícil que dê certo eternamente. Fazendo um gol por jogo e tendo uma defesa forte, o time pode se classificar muito bem no Paulista, um campeonato cheio de times fracos. Pode avançar até o título, pois as fases finais são eliminatórias. Pode ser campeão, sem dúvida. E o Corinthians é candidatíssimo ao título. Mas, no Brasileiro, não vai longe. ”Lutaremos para ficar entre os seis primeiros”, me diz o amigo Pelado Lopes, cujo sonho na vida é voar na máquina do tempo e estar debaixo daquele lampião com Miguel Battaglia e outros, em 1910. Aliás, só havia lampião na época. ”Vamos fazer 19 jogos em casa e cada um vai ser um martírio para vencer”, diz, já com todas as viagens a Itaquera planejadas. Estará em todos os jogos, sabendo que poucos gols gritará.

A questão aritmética também assusta Ceni. Um time não pode ir muito longe se sofrer dois gols por jogo. É um sonho tão pernicioso quanto o feijão pragmático de Carille. E neste sentido, ele tem caminhado mais celeremente em busca de equilíbrio. Foram cinco gols nos últimos três jogos – 1,67 por jogo, já abaixo da terrível média – mas antes estava há cinco jogos sem sem sofrer gols. Ceni, contra o Cruzeiro, abriu mão da ideia de ter dois atacantes espetados e passou a ter mais gente no meio. O time tem melhorado. Do mesmo jeito que os corintianos podem lamentar tantos gols perdidos contra o Inter, os são-paulinos podem dizer que foram eliminados pelo Cruzeiro com um gol de cabeça de Pratto e um outro, de bunda, de Cueva. Seus dois melhores jogadores.

Ceni x Carille. Carille x Ceni. No domingo, o feijão tem grandes chances de desclassificar o sonho. No Brasileiro, o sonho tem mais chances de avançar. Mas ambos precisam ser ajudados pelas diretorias para que estejam na lista de quem brigará por titulo no Brasileiro.

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