Saiba por que o segundo goleiro mais caro da história não vingou no São Paulo

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Atransferência de Ederson do Benfica ao Manchester City por € 40 milhões (R$ 145 milhões) o coloca como segundo goleiro mais caro da história. Perde apenas para o ledário Buffon, comprado pela Juventus do Parma por € 52 milhões (R$ 188,5 milhões, atualmente), em 2001.

Parte da formação de base do jogador foi feita no São Paulo, beneficiado pelo mecanismo de solidariedade. O clube calcula ganhar entre R$ 1,3 milhão e R$ 1,7 milhão na transação.

Mas qual o motivo para o atleta não ter sido aproveitado no Tricolor? O GloboEsporte.com conversou com um dos preparadores da época de Ederson na base, um goleiro companheiro de treinamentos e Ademilson, hoje no Gamba Osaka, do Japão, contemporâneo dos tempos de Cotia.

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Ederson foi formado na base do São Paulo e agora vai reforçar o Manchester City (Foto: AP )

Ederson foi formado na base do São Paulo e agora vai reforçar o Manchester City (Foto: AP )

Porte físico e concorrentes

Ederson, hoje com 23 anos, atuou na base do São Paulo de 2006 a 2009. Foi aprovado especificamente no dia 5 de novembro de 2006, de acordo com uma ficha guardada por Luiz Batista da Silva Junior, o Luizinho. Ele era o preparador de goleiros da base. Nem mesmo o clube possui tal documentação.

Depois de trabalhar no futebol feminino do Tricolor, em 1999, Luizinho retornou ao clube e lá permaneceu de 2002 a 2011. Em 2006, ano do título brasileiro, ele treinou Rogério Ceni no profissional, pois o preparador Haroldo Lamounier, o mesmo de agora, sofreu uma lesão.

Ficha de aprovação de goleiros do São Paulo: Ederson passou por sub-15 e sub-17 na base (Foto: Arquivo pessoal)

Ficha de aprovação de goleiros do São Paulo: Ederson passou por sub-15 e sub-17 na base (Foto: Arquivo pessoal)

À época com 13 anos, o então garoto impressionou no primeiro treino em Cotia. Detalhe: Luizinho conta que Ederson era zagueiro em uma escolinha de futebol em Osasco, cidade onde nasceu. Ele foi indicado por Toninho, antes avaliador técnico e hoje treinador do time sub-13.

– “Quer um garoto? Ele é zagueiro na escolinha, mas queria que você olhasse como goleiro”. Testamos no gol e fiquei surpreendido pela qualidade técnica e como assimilava rápido os fundamentos. Ele ficou comigo e evoluiu muito, mas não colocaram para jogar porque ainda faltava técnica. Ele era magrinho, mas longilíneo. Dava para ver que evoluiria de estatura – diz Luizinho.

Luizinho foi preparador de Ederson na categoria sub-15. Quando o então garoto avançou para o time sub-17, encontrou concorrentes mais evoluídos fisicamente. À época, ele tinha 1,75 m de altura e 56 kg, segundo dados da ficha. Não conseguiu espaço e acabou saindo do São Paulo. Depois de alguns meses, foi para o Benfica.

– Já havia três goleiros da categoria. Estavam à frente em termos técnicos e físicos. O problema dele era a parte física. Precisava de um tempo maior para desenvolver. Foi esse o motivo. Mas futebol está sujeito a isso. O pessoal da comissão técnica achou melhor dispensá-lo. Meio contra a minha vontade. Sabia como era difícil vencer na posição. Era muito dedicado aos treinos de goleiros. Às vezes, me exaltava e brigava pela permanência dos garotos. Fiquei triste na época, mas, graças a Deus, ele deu continuidade. Talvez, tenha sido bom, porque evoluiu mais rápido e teve espaço em outro lugar. Na base, às vezes, não há paciência para esperar. Os técnicos, em alguns momentos, priorizam o resultado.

Juninho, goleiro do São Paulo na base, era titular, enquanto Ederson o reserva do sub-15 (Foto: Arquivo pessoal)

Juninho, goleiro do São Paulo na base, era titular, enquanto Ederson o reserva do sub-15 (Foto: Arquivo pessoal)

Um ano mais velho do que Ederson, Idimar Zuchi Junior, conhecido como Juninho, também era goleiro da base tricolor. No sub-15, ele era titular, e o ex-Benfica, reserva. Ele confirma a versão de que Ederson não tinha o mesmo desenvolvimento físico dos outros (veja mais abaixo).

– Ele reclamava muito de não ter oportunidade. Surgiu o Benfica e ele saiu. Acho que o (motivo da saída) foi falta de oportunidade e pela chance de Portugal. O comentário na época era de que com o Rogério Ceni no profissional era impossível. Enquanto não se aposentasse, não teria vaga. O Ceni não largava o osso (risos) – afirma Juninho, com bom humor.

Ederson saiu do Tricolor em 2009, rumo ao Benfica. Juninho ficou até 2011, mas nunca atuou pelo profissional. Depois de rodar por times como Avaí, Oeste e Juventude, largou o futebol em 2015, desanimado com a dor de cabeça para receber em dia. Trabalhou como mecânico, teve um princípio de depressão e só retornou ao futebol em fevereiro deste ano.

Juninho (o goleiro, de preto, à dir.) em torneio sub-15 com o São Paulo em 2007 (Foto: Reprodução)

Juninho (o goleiro, de preto, à dir.) em torneio sub-15 com o São Paulo em 2007 (Foto: Reprodução)

“Gordo” e a escola Rogério Ceni

Ademilson, um ano mais novo do que Ederson, foi contemporâneo do goleiro. O atacante se lembra de ter treinado em algumas oportunidades com o novo reforço do Manchester City. O apelido da época era Gordo, mas não condizia com a realidade sobre Ederson. Na verdade, ele era o oposto disso.

– Todos os jogadores o chamavam de Gordo, apesar de ele nunca ter sido gordo realmente. Era magro à beça! – brinca o atacante.

– Ele era muito magro, por isso o apelido – confirma Juninho.

Rogério Ceni serviu de inspiração para treinos de garotos da base do São Paulo na época de Luizinho (Foto: Marcos Riboli)

Rogério Ceni serviu de inspiração para treinos de garotos da base do São Paulo na época de Luizinho (Foto: Marcos Riboli)

Brincadeiras à parte, a qualidade de Ederson é atestatada por Luizinho, Ademilson e Juninho. Inclusive com os pés, escola desenvolvida na base do São Paulo com inspiração em Rogério Ceni. O jeito de jogar do ídolo, hoje treinador, era o modelo a ser seguido no clube.

– Justamente porque estávamos buscando um substituto para o Rogério. Um dia, ele ia parar e precisaria de um substituto. Nosso espelho era ele. Alguns goleiros subiam (ao profissional) para treinar junto com o Rogério, em rachão. A maioria dos bons goleiros têm a mesma característica. Fazíamos treinos com os pés. O Léo, que está bem no Paraná, também tinha isso. O Ederson, com o pé, era espetacular. Seguiu a linha do Rogério. Por ter sido zagueiro, tinha uma certa habilidade acima dos goleiros – analisa Luizinho.

– Era impecável com as mãos e tinha muita qualidade com os pés. Nas vezes em que treinei com ele, me lembro bem disso. A qualidade dele com a mãos e com os pés sempre foi um diferencial. Tinha uma canhotinha muito boa – confirma Ademilson.

Tal característica, aliás, foi fundamental na análise feita por Pep Guardiola. Ele preza por goleiros técnicos com os pés e esse foi um dos pontos positivos para o City contratá-lo. Não à toa, a falta de qualidade na saída pelo chão também pesou para o inglês Hart ser preterido – após uma temporada emprestado ao Torino-ITA, o jogador está de volta ao City, mas segue à espera de uma definição sobre seu futuro.

Um lance que atesta a qualidade de Ederson com os pés aconteceu na vitória do Benfica por 2 a 0 sobre o Guimarães, pelo Campeonato Português. Em um tiro de meta, o goleiro deu assistência para Raúl Jimenez marcar o segundo gol. Nos treinos, ele também pratica cobranças de falta.

– Principalmente por ser goleiro do São Paulo, trabalhávamos reposição de bola. Treinávamos muito isso e o Ederson tinha técnica com os pés. O Luizinho e outros técnicos cobravam. É um goleiro canhoto, algo difícil. Tinha muita habilidade e todos comentavam que era bom. Mas é como dizem: futebol é ingrato (pois na época ele não foi aproveitado) e hoje está aí – comenta Juninho.

Hoje sem clube, Luizinho, aos 58 anos, dá aula de educação física em uma universidade de Barra do Piraí, no Rio de Janeiro, onde vive com a família.

Juninho, por sua vez, retomou a carreira no futebol em fevereiro deste ano. Curiosamente, uma reportagem divulgada pelo jornal “O Jogo”, de Portugal, também sobre Ederson, o ajudou a se recolocar no radar do mercado. Agora, ele joga pelo Monte Altense Atlético Clube, do interior de São Paulo, que disputará a Segunda Divisão do Paulista (equivalente à quarta divisão) em 2018. Reserva de Juninho no sub-15 do São Paulo, Ederson iniciará trajetória no Manchester City.

Luizinho (circulado de preto), atrás de Mineiro, no jogo do título brasileiro de 2006 (Foto: Rubens Chiri / saopaulofc.net)

Luizinho (circulado de preto), atrás de Mineiro, no jogo do título brasileiro de 2006 (Foto: Rubens Chiri / saopaulofc.net)