UOL
Bruno Grossi e Vanderlei Lima
Arquivo Histórico SPFC
Carreira de Waldir Peres foi repleta de provocações, irreverência e grandes defesas
Waldir Peres se foi. Aos 66 anos, sem qualquer problema de saúde, vítima de um infarto fulminante. Deixou o São Paulo órfão de um de seus maiores ídolos, o segundo atleta que mais defendeu o clube e o marco inicial de uma dinastia de goleiros vitoriosos. De Waldir, veio o título do Campeonato Brasileiro de 1977, vieram Gilmar Rinaldi, Zetti e Rogério Ceni. Fica na memória pela história no Morumbi para os tricolores, na memória de todo o Brasil pelo mágico esquadrão de Telê Santana na Copa do Mundo de 1982.
“Uma vez, nós quatro nos encontramos. Somos os goleiros que tiveram longo tempo no São Paulo. Brincamos que foram muitos anos (42) com apenas quatro goleiros no clube, e ele foi nosso modelo”, relata Gilmar, arqueiro tricolor entre 1985 e 1990. Zetti reforça: “na minha geração, tinha como referência Waldir, Carlos e Leão. Era meu ídolo e um grande professor”.
Apesar de ser tratado como exemplo, Waldir não gostava de vaidades e exaltações aos goleiros. Quando ouvia alguém dizer que tal goleiro era bom por chegar cedo aos treinos, lembrava que isso era obrigação desde seus tempos de atleta. Criticava e era respeitado por seus sucessores no São Paulo, clube que nunca abandonou. Frequentava o Morumbi e outros eventos ligados ao Tricolor sempre que possível. A relação estreita causada pelos 11 anos, 617 e jogos e quatro títulos no São Paulo está representada na comoção entre torcedores e outros ídolos.
“O futebol brasileiro perde e perde muito. O Brasil perdeu uma de suas grandes figuras, um excelente profissional. Eu sinto muito. Sempre estava de bom humor e sempre desenvolveu muito bem sua condição de goleiro. Só tenho boas lembranças e infelizmente ele se foi. Fomos campeões em 1977, ele decisivo na final contra o Atlético-MG”, lamenta o ex-técnico Rubens Minelli, de 88 anos.
A decisão sobrenatural
O São Paulo foi campeão brasileiro pela primeira vez em 1977, após triangular final com Atlético-MG e Botafogo. A partida decisiva foi no Mineirão, tomado por atleticanos, empolgados por um time melhor tecnicamente. Waldir Peres parecia não ligar. Ria, tranquilizava os companheiros e garantia o 0 a 0 naquele 5 de março de 1978. Na disputa por pênaltis, trocou a serenidade pela provocação, pelo jogo mental. Foi decisivo sem defender nenhuma cobrança, mas abalando os rivais com gracejos e tapinhas. Toninho Cerezo, Joãozinho Paulista e Mário caíram na pilha e isolaram os chutes.
“Estou muito triste por ter perdido um companheiro de muitos anos. É uma pena, mas as lembranças que ficam são daquele título no Mineirão”, recorda Serginho Chulapa. “Ninguém vai esquecer aquela conquista. Ele era um modelo pela irreverência e pela catimba, muito usada para aquele título sair. Deveria estar com a gente, e não morto. O céu ganhou um grande goleiro.
O marco são-paulino
Se Rogério Ceni permaneceu como goleiro do São Paulo por 25 anos, Waldir Peres tem grande responsabilidade. “O que mais marcou na carreira dele foi o tempo no São Paulo. Ele não trocava o time por qualquer coisa. E isso foi um exemplo para o Rogério seguir. Tanto é que bateu o recorde do Waldir. Esse foi o grande legado. Hoje ninguém dá importância, ninguém sente nada”, exalta Muricy Ramalho, companheiro de Waldir no São Paulo, na seleção brasileira e no América-RJ.
Antes de Ceni, Waldir era o jogador com mais partidas disputadas pelo São Paulo. Em 23 de julho de 2005, o Mito igualou a marca de 617 jogos, contra o São Caetano, e usou camisa cinza, como a do título brasileiro de 1977, para fazer homenagem. Depois, Ceni chegou a 1238 jogos, encerrando a carreira em dezembro de 2015.
Ídolo, atleta e amigo
“Era um goleiro discreto, simples. Ele não precisava de grandes pontes para aparecer, era pura simplicidade. Não tinha nem sequer um porte alto como hoje há uma exigência. Mas era muito rápido, seguro. As defesas eram sempre firmes”, conta Zetti, o terceiro na linha de sucessão de Waldir Peres, um ídolo que se tornou amigo do goleiro bicampeão da Libertadores e do mundo em 1992 e 1993.
“Já era muito bom tê-lo como ídolo, mas depois pude ser amigo. A gente morou no mesmo prédio, se aproximou e ele sempre estava na minha academia de goleiros (Fechando o Gol). Criamos um relacionamento de amigo e acabou aquela barreira. Sabe quando você tem um ídolo e o encontra? Você fica tremendo! Eu tive essa fase, mas passou”, continua Zetti.
Histórico canarinho
Waldir Peres está na história de Ponte Preta e São Paulo mesmo que tenha passado brevemente pelos rivais Guarani e Corinthians. O que fez, o que deixou em campo, pesou mais. Na seleção brasileira, porém, houve sempre um peso maior sobre o goleiro. Nas Copas do Mundo de 1974 e 1978, quando vivia os melhores momentos da carreira, foi reserva de Leão. Em 1982, tinha o privilégio de integrar o time fantástico de Telê Santana, mas viu erro contra a União Soviética colocar em xeque sua importância.
Críticas e pressão sobre Waldir, que meses antes havia feito história ao defender o primeiro pênalti na carreira do lendário alemão Paulo Breitner, que fez 29 partidas pela seleção e sofreu apenas uma derrota, que levou mais de um gol apenas uma vez. Justamente no dia mais ingrato para a magia de 82. A tragédia do Sarriá, diante da Itália. O Brasil perdeu por 3 a 2 e foi eliminado da Copa do Mundo disputada na Espanha.
Meu ídolo de infância. O goleiro brasileiro com o melhor senso de colocação, juntamente com o Zetti. O terror dos cobradores de penais. Alto astral e humilde. Era tão bom que atraia qualidade: formou a melhor defesa que já vi jogar, com Oscar e Dario Pereyra. Nosso goleiraço foi embora. Obrigado, Waldir Peres!