Ex-auxiliar inglês de Ceni dá detalhes da crise do SP e detona Leco

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  • Rubens Chiri/saopaulofc.net

    Rogério Ceni e Michael Beale durante a pré-temporada nos Estados Unidos

  • Rogério Ceni e Michael Beale durante a pré-temporada nos Estados Unidos

“Se tiver a oportunidade de voltar a trabalhar no São Paulo no futuro, em outra gestão, volto sem pensar”. A frase do inglês Michael Beale, ex-auxiliar de Rogério Ceni, resume bem o balanço que ele faz da experiência que teve no Morumbi. Mas atente-se para a ênfase de Beale à conjuntura que o faria retornar ao Tricolor: outra administração. Entenda-se presidente Carlos Augusto de Barro e Silva e seus aliados fora do clube.

O ex-braço direito do Ceni versão técnico conversou com o UOL Esporte em Liverpool, na Inglaterra, para onde retornou após pedir demissão do São Paulo, no fim de junho, quatro dias antes de ver o treinador ser mandado embora com o time afundado na zona rebaixamento do Campeonato Brasileiro.

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Reprodução/Instagram Pintado, Beale e o francês Charles Hembert

Na entrevista a seguir, Beale detona o comando do presidente Leco e suas “decisões amadoras”, sobretudo na debandada de jogadores, conta bastidores inéditos da crise tricolor e revela o real motivo por que decidiu abortar o projeto desafiador no futebol brasileiro.

Experiência no Brasil foi “fantástica”

Foi uma experiência fantástica de futebol, um motivo de orgulho para a minha família, especialmente quando os meus filhos olharem para trás. Sinto saudades das pessoas, dos jogadores. Fiz amizade com diversos atletas, principalmente os mais jovens. Sinto falta da amizade com o Rogério, eu era muito próximo do Pintado também.

Frustração com desmanche determinou saída

Não via planejamento e rumo do clube. No começo da temporada, tínhamos um time jovem, com energia e fome de vitória. E perdemos vários desses atletas com ambição e de energia brilhante para o time. No ano anterior, o São Paulo tinha sido décimo no Campeonato Brasileiro, então não era um time maravilhoso. Claramente tínhamos de reforçar a equipe. Então eu via jogadores saindo, e os que chegavam não era necessariamente aquilo que precisávamos. Eu não queria ser um problema, porque sou uma pessoa positiva. A direção que o clube estava tomando não era a que eu queria.

Problemas com passaporte. SP não soube ajudar

Quando saí, disseram coisas sobre a minha família não ter se adaptado. A verdade é que houve um erro em relação ao visto que iria fazê-los voltar para a Inglaterra e não poder retornar ao Brasil até fevereiro de 2018. Viajei para Foz do Iguaçu por causa do visto, e minha família tinha de ter me acompanhado para dar andamento no processo. Não fui orientado por ninguém. Só fui avisado que eu tinha de viajar, e o visto da minha família foi feito por uma empresa indicada pelo clube. Pelo erro, a minha família teve de ir embora do Brasil. Só poderiam ficar no Brasil 180 dias por ano como estrangeiros, e depois dos primeiros 90 dias teria de ser feito o pedido de ampliação. Esse tipo de erro não pode acontecer em um clube da grandeza e da história do São Paulo. Não quero dizer que as pessoas não eram prestativas, só não sabiam o que fazer. Tive a ajuda de três pessoas no clube: Alexandre Pássaro (advogado), Rogério e Charles (Hembert, supervisor francês). Os três eu já conhecia antes de ir para o São Paulo.

Falta de confiança em Leco e relação com Pintado

Quando comuniquei a minha saída, pediram para eu reconsiderar a minha decisão com o argumento de que não haveria mais mudanças até dezembro. Senti que Leco não me queria no São Paulo. Se um inglês é o problema do São Paulo e, se ele sair, tudo se resolve, é melhor sair. A venda do Thiago (Mendes) foi a gota d’água. Com as saídas, o time foi ficando mais lento. Acho que até a derrota para o Palmeiras, no Paulista, nós tivemos maior posse de bola em todos os jogos. Os adversários nos respeitavam e aguardavam a nossa proposta, mas a velocidade era muito importante para nós. Na primeira parte da temporada, a maioria dos nossos gols saiu em contra-ataque. Quando vendemos o Thiago (Mendes) e analisei a situação, o comportamento do presidente, os rumores da desconfiança com o Pintado…Passou a ser uma situação que não queria mais para mim. Jogadores estavam saindo sem o conhecimento do treinador, e outros chegando sem a aprovação. Você ouve de diretores que não pode confiar em um dos auxiliares (Pintado), vê o Rogério sob pressão e sabe que em alguns dias sua família tem de ir embora por oito meses… Isso é uma loucura!

Thiago Mendes vendido de surpresa

Estávamos em preparação para enfrentar o Flamengo, um grande jogo. Cheguei para o treinamento, e estava acontecendo a coletiva de imprensa do Thiago, com anúncio para o mundo, de que ele estava sendo vendido. Eu não estava sabendo de nada…Parei e pensei “Não tem como isso dar certo”.

Nem mesmo o Rogério sabia da negociação?

Não sei, foi ele que me disse sobre a saída do Thiago. Acho que o Rogério também não sabia que ele estava se despedindo naquele dia.

Divulgação / Site Oficial do Lille Thiago Mendes foi vendido ao Lille por

Último papo com Rogério Ceni

Procurei o Rogério imediatamente depois do treino. Expliquei que gostaria de sair pela direção que o clube estava tomando. E que não tinha confiança nesse rumo. Ao mesmo tempo senti que estavam colocando Rogério em uma posição da qual ele não conseguiria sair vitorioso. Meu conselho foi para que ele considerasse o cargo dele também. O Rogério ama demais o São Paulo. Ele defendeu o clube por 25 anos, mas não deram a ele 25 semanas como treinador.

Acusado de frieza no dia a dia

Não é verdade. Ainda falo com o Jardine (técnico do sub- 20), de Cotia, Pintado, Zé Mario (preparador físico). Conversei com jogadores recentemente, com os mais jovens, sempre dando conselhos. Às vezes as pessoas não são inteligentes. A imprensa acompanha os treinos todos os dias. Também dá para pegar as entrevistas dos atletas quando eu estava lá. Pintado já disse, depois da minha saída, sobre a minha influência nos treinamentos, da falta que passei a fazer. Nós éramos muito próximos, tomávamos café da manhã e almoçávamos juntos todos os dias. E ele é um ídolo do clube. Mas entendo porque as pessoas dizem isso. Na noite que comuniquei a minha saída, deixei claro que gostaria que dissessem que saí por razões pessoais. No São Paulo, existe o problema que muita coisa é vazada para a imprensa. Comuniquei a minha saída às 16h, e às 19h já tinham passado mentiras para a imprensa. E não foi o Vinicius (Pinotti, diretor de futebol) que passou as histórias. Alguém acima dele que criou. Fiquei 10 anos no Chelsea, cinco no Liverpool e ninguém fala nada negativo sobre mim.

Mal-quisto por Leco

Senti que o presidente não me queria no São Paulo de jeito nenhum. Ouvi que ele não gostava de mim pessoalmente. Não tinha nada contra ele, mas talvez eu estivesse tentando impedir a saída de alguns jogadores e ele achasse que não deveria fazer aquilo. Pelo respeito que tenho pelo Rogério, foi melhor sair. Se eu tivesse ficado mais cinco dias, eu teria recebido muito dinheiro do São Paulo por ser demitido, assim como Rogério e Charles foram depois.

Falta clareza a Leco, que não foi “amigável”

Não tive muito contato com o Leco. O que posso dizer é que ele não foi amigável. Quando não existe clareza no rumo do clube… Esse é o grande erro dele, (falta de) clareza. No São Paulo existem muitos diretores que gerenciam o clube como se fosse um jogo de computador: vende, contrata e pensa que vai funcionar. É só demitir o Ceni e trazer o Dorival que vamos ganhar todos os jogos. A verdade é que os resultados são exatamente os mesmos. O que posso dizer é que o Vinicius tentou ajudar. Jacobson (ex-diretor de futebol) era um cara legal, de muito bom trato com os jogadores e de ótima gestão. Aí chegou o Vinicius. Talvez ele não soubesse o tamanho dos problemas e o quão difícil é o cargo. Estaria errado se fosse tão crítico, porque venho de uma cultura diferente.

Ricardo Moreira/Fotoarena/Estadão Conteúdo Leco está na presidência desde 2015 e fica até o fim de 2020

Rusgas com Pinotti

Pinotti era um funcionário do departamento de marketing que conheci quando fui ao Brasil em novembro. Ótima pessoa, fala inglês fluentemente, então nossa comunicação era frequente. Ele apoiou o Rogério, mas também trabalha pela própria carreira, o que é natural. Só que ele questionou o legado de homem que jogou 25 anos pelo clube, com mais de 1250 partidas. Um cara que sempre quis vencer e não falou mal uma vez sequer desde que saiu do clube. Rogério poderia falar muita coisa, mais do que qualquer um. Ele não vai fazer isso, porque ama o clube. Quando saí, disse para o Vinicius que as pessoas estavam usando o Rogério, e o único que sairia perdendo daquela situação seria o Rogério.

O principal culpado pela fase má fase

No Brasil, quando o time não joga bem, é culpa do técnico. Foi o que aconteceu com o Rogério. Mas se o planejamento não é bom, quem você troca? Se o Ceni tivesse assumido o melhor time do país, com o melhor elenco, tudo bem. Mas ele pegou o décimo do último Brasileiro. Além disso, saíram David Neres, Luis Araújo, Lyanco, Thiago Mendes, Maicon. Esses jogadores não podem sair do jeito que aconteceu, e o elenco não era o mais forte da história do São Paulo. Quantos desses jogadores estariam nos times vencedores que teve o Ceni como capitão? Todo mundo poderia ter feito melhor, mas as constantes mudanças não ajudam. E quem decide no São Paulo é o presidente.

“Você olha para quem chega, era melhor ter mantido quem estava”

Eu não fazia parte disso e era uma das últimas pessoas a saber. O São Paulo está numa situação de vender qualquer jogador que tenha proposta. É uma pena. É o único clube no Brasil que só vende, vende, vende…E quando você olha para quem chega, seria melhor ter mantido quem estava. A única coisa que soube é que, se vendêssemos Neres e Lyanco, não teríamos de negociar mais ninguém durante o ano. Outra coisa sobre planejamento: quantos jogadores pertencem ao São Paulo? Quantos vão estar lá no próximo ano? Quantos estão lá por empréstimo? Jucilei, Hernanes…Metade do time! Isso não funciona a longo prazo. Sinto que em Cotia tem talento suficiente para o clube não precisar contratar alguns dos jogadores que chegaram.

Érico Leonan/saopaulofc.net Lugano renovou contrato por seis meses

Ídolo usado no jogo político

O Leco precisava ganhar a eleição (em abril). Quem melhor do que o Rogério para ser contratado como treinador? Dê às pessoas aquilo que elas querem. Depois, não dê ao treinador os jogadores no momento que ele quer, em janeiro, para montar o time para a temporada, mas contrate no tempo certo para ser eleito. Para mim, tudo foi muito bem planejado pelo Leco.

Beale reclama do tratamento a Lugano e Lucão

Lugano é um nome gigante na história do clube. Um excelente profissional. A história da renovação dele foi interminável. Vai renovar? Não vai renovar? Eles tiveram um ano para resolver isso e não mostraram nenhuma responsabilidade. Falta de respeito com um ídolo. Aí você tem um garoto talentoso, o Lucão, capitão do Brasil sub-20, valorizado na Europa. Ele vai lá e comete um erro e não é tratado pelo clube da maneira que merece. O cuidado é necessário nessas horas, porque os companheiros veem tudo isso. Enquanto o Lucão ainda estava no clube, deram o número dele para um jogador que foi contratado (Arboleda). Se você trata um jogador que cresceu no clube desse jeito, o que isso retrata da sua gestão? Quem comanda o clube tem de ter valores, honestidade, integridade. E o clube é gigante, olha o que a torcida está fazendo em um momento tão ruim.

Cotia serve para o São Paulo ou para fazer dinheiro?

É o maior ativo do São Paulo e a melhor categoria de base do Brasil. Há ótimos jogadores. Mas ótimos jogadores para o São Paulo ou para os diretores fazerem dinheiro? Esse dinheiro das vendas está realmente sendo direcionado para pagar a dívida? Para mim não está claro.

Fair play de Rodrigo Caio

Eu estava na Inglaterra fazendo meu curso Pro Licence da UEFA quando a história se tornou pública. O Rodrigo é um excelente profissional. Ele se comportou da maneira que achou que fosse a melhor. O time estava frustrado no intervalo por estar perdendo de 2 a 0 em um jogo que não merecíamos estar atrás. Era uma semifinal contra o nosso maior rival, então muita coisa estava acontecendo ao mesmo tempo. Nem eu sabia, antes do jogo, que o Jô estava pendurado, e também não sabia quando cheguei ao vestiário. Só falamos cinco minutos naquele intervalo. O Rogério perguntou se o Rodrigo sabia da questão do cartão, e o Rodrigo disse que não. Continuamos nosso trabalho normalmente. O caso não merecia todo esse drama. O que acontece é que vim para a Inglaterra para o curso, e quando voltei para o Brasil, o ambiente no clube estava diferente, era de pressão.

Encontro com Rogério pós-demissão

Almoçamos logo depois que ele foi demitido, na mesma semana. Fomos a um restaurante perto da casa dele, conversamos sobre aprendizados para o futuro, porque podemos voltar a trabalhar juntos. Obviamente que ele estava triste. O São Paulo é a vida dele. Ele poderia muito bem ter jogado por um grande clube da Europa para ganhar mais dinheiro, mas decidiu ser leal com o clube onde morou quando era mais jovem. Ele ama tanto o clube quanto os torcedores. Mas as pessoas não sabem que o Rogério tem uma personalidade brilhante, com ótimo senso de humor. Todos os dias nós fazíamos piada e dávamos risadas. Ele gostava de fazer churrasco, cantar no karaokê, tocar violão. É mentira quando as pessoas dizem que brigamos ou que eu não acreditei na direção em que ele estava levando o time.

Wilton Júnior/Estadão Conteúdo Ceni treinou o São Paulo em 37 jogos, com 49,5% de aproveitamento

Patamar de Ceni entre os técnicos brasileiros

Se você compará-lo com os outros, não é verdade que foi um fracasso. Acredito que um dia ele vai voltar para o São Paulo. Ele tem o profissionalismo e a competência para ser o presidente. É complicado ele ter de ser o treinador, o diretor…ele fazia o trabalho de 20 pessoas!

Futuro com Dorival

Ainda tenho fé que ele possa encaixar uma sequência de vitórias para tirar o São Paulo de baixo da tabela. Mas talvez esteja sofrendo com o lado político do clube. Se eu fosse diretor, daria três anos de contrato para o Dorival e deixaria ele fazer o trabalho. Sabe por quê? Porque ele é o profissional. Quando estávamos no São Paulo, os profissionais corrigiam as decisões dos amadores. Todos os dias. Este é o resumo da minha passagem no São Paulo: os profissionais tentando corrigir o que os amadores faziam.

Brincadeiras sobre o Mundial de 2005

Falei com algumas pessoas no clube e, por eu ter trabalhado no Liverpool, era uma piada pronta para os torcedores que me abordavam (risos). Apesar de na Europa não ter o mesmo valor atribuído na América do Sul, é um grande feito. Ah, e o Rogério me deu a miniatura que retrata a defesa dele na falta do (Steven) Gerrard.

Nova geração salta aos olhos

O melhor jogador que vi no Brasil, em termos de juventude, foi o Douglas, que foi para o Manchester City (e está emprestado ao Girona-ESP, clube parceiro dos ingleses). Lembro de estar assistindo a alguns jogos dele pela TV e pensar “Uau! Esse cara é muito, mas muito bom!”. Thiago Maia e Thiago Mendes também me impressionaram. Sei que parte da torcida do São Paulo não gostava do Thiago Mendes, mas se Marcelo Bielsa gosta de um jogador, é porque ele é bom. No São Paulo, Lucas Fernandes joga com os dois pés e é um talento excepcional. Teve alguns problemas por retornar de lesão, mas ele tem nível para jogar no Liverpool e no Chelsea. Da base, eu amo Igor Gomes, clássico camisa 10 que sabe explorar os espaços com toques de extrema classe.

Igor Gomes tem 18 anos e é o camisa 10 do time sub-20 do Tricolor

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