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Nelson Almeida/AFP
O Liverpool Football Club aguça o passado vitorioso na memória do torcedor do São Paulo, pela conquista do tricampeonato mundial, no Japão, em 2005. A cidade dos Reds, por sua vez, marcou a trajetória de um ex-técnico são-paulino, cuja passagem pelo clube do Morumbi foi tão intensa quanto curta. O colombiano Juan Carlos Osorio, 56, comandou o Tricolor por quatro meses em 2015, antes de aceitar o convite de dirigir a seleção do México, uma das primeiras classificadas à Copa do Mundo da Rússia de 2018.
Duas décadas antes do tão sonhado carimbo para o Mundial, Osorio escolheu o Reino Unido a fim de dar sequência na sua formação acadêmica, após estudos nos Estados Unidos. Em 1997, desembarcou em Liverpool para cursar pós-graduação em Ciência e Futebol, na Universidade John Moores, famosa pela sua grade em esportes. No entanto, os certificados não eram suficientes. Ele queria enriquecer os métodos de treinamentos.
Por isso, logo na primeira semana foi a West Derby, no norte da cidade, com o objetivo de ter acesso às atividades do Liverpool em Melwood, CT do clube. Barrado no portão de entrada, não desistiu. Percorreu a vizinhança em busca de um ponto que pudesse ter visão por cima do muro de mais de dois metros que ainda cerca o complexo esportivo.
“Cheguei em casa do trabalho”, conta ao UOL Esporte Tom McManus, carpinteiro de 66 anos, “E a minha mulher Mary disse que um rapaz tinha batido à porta de manhã para pedir algo emprestado em que pudesse subir para assistir o Liverpool treinar. Mary contou que ele foi muito educado e até limpou a mesa, onde pisou, antes de devolver”.
No dia seguinte, Osorio voltou ao número 11 da Crown Road. E no outro também. Até apontar para a janela no segundo andar casa e pedir permissão para morar no quarto de 7 metros quadrados cuja janela tinha vista privilegiada dos treinos realizados pelo inglês Roy Evans e pelo francês Gérard Houllier, então juntos à frente da comissão técnica.
Dessa época, Osorio leva consigo, entre diversos aprendizados, a ideia de rodar bastante o elenco e mudar o time continuamente – algo implementado por Houllier no futebol inglês do fim da década de 90 e que era motivo de crítica ao colombiano no São Paulo.
“Nós sempre acompanhamos a trajetória dele e procuramos saber em que time está, qual título ganhou. Ficamos surpresos por ele ter ficado tão pouco tempo no São Paulo, que na Inglaterra é conhecido como um clube muito grande. Mas Juan sabe o que ele quer para a carreira dele, e a oportunidade de ser treinador de uma seleção era muito tentadora para ele recusar”, pondera o primogênito Peter, 41, em conversa com a reportagem na sala de estar da residência.
Nos dois anos que conviveu com os McManus, Juan Carlos Osorio os impressionou pela dedicação ao futebol, pelos hábitos minuciosos e pelo comportamento irretocável.
“Como uma família, nós pensamos que a maioria das pessoas do mundo é boa, e a Mary é excelente em sentir isso. Como ela estava feliz, eu sabia que não teríamos problema algum em tê-lo em casa. Percebemos logo de cara que era um homem de família e de excelente caráter”, elogia Tom, sentado confortavelmente em uma poltrona de couro, acompanhado pela mulher e por Peter, que, assim como o caçula Thomas, 37, desenvolveu uma relação carinhosa com Osorio.
“Era um irmão mais velho para nós e sempre seguiu com as suas convicções”, relembra. “Assim que ele acordava, já se alongava dentro de casa e tudo era cronometrado com muita precisão. Durante o dia, se qualquer ideia nova surgisse, ele já anotava num caderninho. O curioso é que ele escrevia em inglês, espanhol e usava símbolos que só ele sabia o significado”, confidencia.
Sem TV a cabo na casa e ávido por acompanhar o futebol inglês, o novo integrante da família recorria ao pub local, onde assistia às partidas. Do bolso, tirava os inseparáveis bloquinhos e caneta, sempre a postos se quisesse tomar nota de algo. “Ele socializava com todos, mas não bebia cerveja, era só água e foco total na televisão”, explica Tom.
Quando possível, o então estudante aproveitava o fim de semana para se deslocar pelo país e assistir às partidas in loco. No entanto, uma visita a Old Trafford, casa do Manchester United, teve um contratempo, revela o chefe da família, às gargalhadas. “Ele foi enganado, comprou um ingresso falso de cambista e passou o jogo todo preso no estádio”.
Os apetrechos de Osorio eram onipresentes até na academia. “Apesar de as outras pessoas terem achado ele estranho no começo, Juan estava sempre em forma, então os outros perceberam que ele sabia o que fazia”, relata Peter. “Depois de pouco tempo, ele já tinha um fã clube na academia que sempre o procurava para fazer perguntas.
Experiência no Manchester City
Após se formar em Liverpool, Osorio voltou a Nova York como assistente do MetroStars, que viria a se tornar o que atualmente é o New York Red Bulls, da Major League Soccer (MLS). Mas logo surgiu a proposta para retornar à Inglaterra, na preparação física do Manchester City, então treinado por Kevin Keegan. A família McManus fez questão de convidá-lo com sua mulher para as noites de Natal.
A primeira oportunidade como treinador se deu depois do período de cinco anos em Manchester: o Millonarios (COL) foi o primeiro clube que Osorio dirigiu, em 2006. Em seguida vieram Chicago Fire (EUA), New York Red Bulls, Once Caldas (COL), Puebla (MEX) e Atlético Nacional (COL) antes do São Paulo e da seleção mexicana.
E se acontecer Inglaterra x México na Copa?
Passado o hiato de anos sem contato, o treinador e os McManus voltaram a se falar durante a Copa das Confederações. “Ele disse que quanto mais o tempo passava, mais difícil ficava para ele quebrar o gelo”, esclarece Tom.
Torcedores do Everton, os ingleses têm um pedido para o Mundial da Rússia: que Inglaterra e México não se enfrentem. “Vai ser difícil se isso acontecer, porque obviamente somos ingleses. Mas ficaríamos felizes se essa fosse a final (risos)”, brinca o pai. “Torceremos para quem vencer (risos)”, retruca o filho, que ouve a tréplica definitiva. “Em todo o caso, nós não torceremos para o México, mas para o Juan”.