Valorizando o passe (ou parecer é melhor do que ser)

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GloboEsporte.com

Humberto Luiz Peron

Não vou discutir a qualidade técnica dos jogadores, mas a verdade é que atualmente os nossos jogadores – tirando três ou quatro exceções – estão bem nivelados. Como há esse equilíbrio, já há quem diga que determinados jogadores só são chamados para seleção, por exemplo, porque conseguem vender melhor o seu peixe, mesmo que sem ter o desempenho superior aos seus concorrentes. Relaciono algumas pequenas atitudes que alguns profissionais bem normais usam para se destacar no chamado mundo do futebol.

– Aparecer muito na edição dos melhores momentos

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Estar presente nos lances mais marcantes do jogo é uma boa maneira de ser tratado como um dos destaques da partida, principalmente para aqueles que só acompanham as partidas na base dos “melhores momentos”.

Por isso, não custa nada, se você jogar como goleiro, valorizar ao máximo uma defesa, rolando várias vezes no chão, após a intervenção ou dar aquele salto inútil para passar que fez de tudo para evitar o gol. Aos zagueiros, não custa dar um carrinho depois que o adversário chutou e para os atacantes, por exemplo, vale se jogar após um cruzamento forte do companheiro, ou dar um carinho – apenas um mesmo é necessário – no campo de defesa para mostrar que você ajuda “muito” na marcação.

Aqui também vale até fingir que está lustrando a chuteira do artilheiro, abraçar o goleiro após uma defesa ou estar no bolo em uma reclamação contra a arbitragem. Agora, na fase dos números, vale a pena turbinar os seus números com passes curtos para o lado ou para trás. Destaque com bom passador você irá receber, com toda certeza.

– Não ter medo de falar

Falar e dar entrevistas nunca é demais. Se o jogador souber se expressar ele até melhora tecnicamente. Ganha pontos se falar vários minutos de um jogo, mesmo que não diga nada absolutamente relevante. Se o esportista mostrar que conhece de outros assuntos, além do futebol, já é visto como ponto fora da curva.

Parecer comportado (ou daquele que se regenerou)

Ter um bom comportamento sempre ajuda os jogadores médios – se o cara é craque são aceitos alguns desvios. Aqui, não custa nada chegar no horário, ser o primeiro nas filas do treinos e se estiver no departamento médico é bom revelar que você está fazendo tratamento enquanto o resto do elenco está de folga. Agora, se durante a carreira toda seu comportamento não foi ideal, anuncie que você se arrependeu e que fará tudo certo. Só de anunciar isso, seu futebol será visto de maneira bem melhor. O mundo do futebol adora arrependimentos.

– Fingir que ensina e/ou cobra os companheiros

Ter a fama de líder também ajuda. Por isso, do nada, cobre um companheiro – de preferência um jogador de pouca expressão -, um juvenil ou cara que foi mal no último jogo – ou o pegue pelo braço e indique o melhor posicionamento durante um treino.

– Minimizar o erro

Assumir o erro sempre ajuda, mas você pode diminuir bem sua falha para quem te ouve. Sempre que a basteira for de um companheiro fuja da responsabilidade dizendo que o time perdeu por “uma falha individual”. Agora, se você tropeçou, comece usando frases como “errar é humano”, “só erra quem faz” ou “são coisas do futebol”. Assim, sempre vai aparecer alguém para te defender, colocando a culpa no gramado, por exemplo, para justificar aquela furada incrível.

– Jogar para a torcida

Tenha sempre o torcedor ao seu lado. Passe para o público como se você fosse um torcedor vestindo a camisa do clube. Por isso, abuse dos carrinhos inúteis – carrinho sempre ajuda – mesmo sabendo que não vai evitar a saída da bola, peça apoio para a torcida quando o clube vai bater um escanteio, dê uma peitada no principal jogador do adversário. Vale, em algumas oportunidades, jogar sua camisa para a arquibancada e chamar os seus companheiros para saudar a torcida após uma derrota. Em caso de derrota, alfinetar a imprensa e soltar alguma indireta para o adversário também ajuda.

– Passar a ideia de atualizado (serve mais para treinadores)

Técnicos são sempre questionados. Então é bom sempre falar como jogam os principais times do planeta para provar o quanto o profissional está extremamente antenado com o que está acontecendo no planeta. Cursos, estágios no exterior, criações de bordões, uso de termos da tal nomenclatura tida como moderna também ajudam muito – marcação alta, último terço do campo.. – e garantem ao profissional o direito de dar patadas na imprensa após a partida, que serão aplaudidas por muitos.

Infelizmente, valorizamos demais muitos profissionais que sabem usar bem os itens que relacionei acima. Talvez, até no futebol, hoje é mais importante parecer do que ser.

4 COMENTÁRIOS

    • vale um adendo: nossa política na última década é responsável por esse tipo de comportamento…vendemos melhor que qualquer outro clube brasileiro, e quem vem pra cá, já está com a orelhona empinada pra zoropa, justificando assim, o comportamento “parecer ser” que impregna nossos times há 10 anos.