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Pedro de Luna
A paciência é, definitivamente, mais do que um refrão quase budista cantado e assobiado languidamente por Axl Rose na MTV nos anos 90. É mais também do que o nome do jogo de cartas que fazia meu pai ocupar o PC de casa por horas a fio, coçando lentamente seu bigode e me impedindo de jogar FIFA 98. Pensando bem, talvez a paciência seja aquilo que uma geração antiga de são-paulinos tenha demonstrado ao esperar 13 anos na fila para voltar a ganhar um título, enquanto o Morumbi era construído tijolo a tijolo. Sentimento semelhante ao que minha geração encarou, na rebordosa da Era Telê, desfrutando de uma década de vacas magras e assistindo seus dois maiores rivais, turbinados por poderosos patrocínios, levarem diversos troféus que até outro dia eram sempre nossos. Mesmo ali, jogadores inicialmente desacreditados e muitas vezes cornetados se estabeleceram e fizeram seu nome. Como esquecer de Serginho, Belletti, Edmílson, Dodô, Marcelinho Paraíba e, claro, o maior de todos, França?
A sensação de já vi esse filme antes me veio à mente nos degraus do Tobogã enquanto o São Paulo era dominado pela Chapecoense quinta-feira. O clima de parceria inquebrável entre arquibancada e campo dos últimos meses deu lugar a uma empolgada ode de impaciência, com apupos que faziam a bola queimar nos pés de jovens como Araruna, Shaylon e Lucas Fernandes. Meninos que, em partidas como as contra Atlético-PR, Atlético-MG e Grêmio, entraram feito gente grande e ajudaram a resolver problemas sérios da equipe. Mas garotos que, oras, são ainda garotos e não merecem receber a pecha apressada de que não servem para jogar no São Paulo, tampouco irem para o fim da fila do Professor Dorival, conhecido como o maior lançador de talentos do Brasil. No fundo, o torcedor sabe disso, mas é refém de suas altas expectativas. A sequência de três merecidíssimas vitórias elevou o sarrafo de exigência e o time, como um todo, claramente não estava preparado para responder a isso.
Frente a um São Paulo ainda menos criativo do que os nomes de músicas do CPM 22, a Chapecoense se mostrou dominante no primeiro tempo, impedindo a circulação de bola e sabendo reter a pelota quando preciso. Os poucos momentos de ameaça de pressão do time da casa foram rapidamente cessados pelo time do índio Condá. O vaiado Reinaldo, talvez o maior ícone dos excomungados pela Soberania, fez enorme partida, controlando amplamente o corredor esquerdo e fazendo com que o isolado e perdido Araruna fosse substituído no intervalo, após péssima atuação. Falando em Reinaldo, foi de um preciso cruzamento seu, aliás, que Wellington Paulista abriu o placar, calando momentaneamente o nervoso Pacaembu. A única fonte de inspiração tricolor nos primeiros 45 minutos era Hernanes, um oásis de lucidez, ousadia e alegria, com seus costumeiros chutes surpreendentes e uma genial assistência para um desligado Marcos Guilherme deixar escapar um gol certo. Shaylon, substituto de Cueva, esteve tímido demais e pouco contribuiu para a escassa produção ofensiva de um Tricolor que mereceu descer para o vestiário em desvantagem no placar.
A segunda etapa voltou com uma certeza: Buffarini apenas cumpre hora extra no elenco são-paulino. Preterido por Militão, Araruna, Petros e Marcos Guilherme, o argentino é hoje a sexta opção da lateral-direita tricolor, se considerarmos Bruno. O time de Dorival voltou ligeiramente melhor, embora Hernanes tenha desaparecido completamente da partida. O perdido Araruna deu lugar a Lucas Fernandes, deslocando Petros (e depois Marcos Guilherme) para a ala destra. Em erro de Shaylon, porém, a Chapecoense ligou rápido contra-ataque e obrigou o “lateral” Marcos Guilherme a cometer um pênalti, maldosamente cobrado por Reinaldo, o dono do jogo.
Os 2×0 eram um castigo doloroso demais para uma torcida que, nesse momento, pareceu se lembrar do espírito que trouxe o Tricolor a sua improvável reação no campeonato. Com incentivos vindos da arquibancada e um abafa promovido pelo treinador, que lançou mão de Maicosuel e Gilberto, o time pegou no tranco, sem a bola queimar nos pés. É bem verdade que o talismã Giba contou com a valiosa colaboração de Jandrei, em falha grotesca, que nos permitiu diminuir o placar e enxergar o empate mais próximo no horizonte, mas àquela altura o domínio da partida já era tricolor.
E aí o São Paulo voltou a usar elementos simples que estiveram nitidamente presentes nas últimas rodadas: bola girando horizontalmente, de uma lateral à outra, de pé em pé, em passes curtos, até achar um espaço para infiltrar ou chutar de longe. Sem a posse, pressão para retomá-la rapidamente. E num preciso escanteio cobrado por um até então imperceptível Lucas Fernandes, Arboleda, excelente descoberta da temporada, empatou o duelo, faltando 10 minutos. Na comemoração, uma carismática dança representou o espírito de Macunaíma deste time que criticamos, mas amamos. No tempo restante, o Tricolor apertou, mas não conseguiu a milagrosa virada. O sabor agridoce do empate é curioso, mas diante das circunstâncias e da má atuação, pode se considerar o 2×2 um bom resultado, até um pouco melhor do que merecíamos.
À torcida que se empanturrou da famosa pizza de 10 reais na saída do estádio, restou lembrar de Axl Rose para não sermos vítimas de nossa própria pressa: “All we need is just a little patience“. Com o time e com os garotos, é preciso paciência – e nem acho que isso seja tão difícil, vindo de uma massa fanática que acaba de passar por um turbilhão muito pior. Com mais 3 míseros pontos, o ano está prestes a chegar a um desfecho: uma temporada horrorosa, mais uma para nossa fila, com um desastre de gestão extra-campo, mas (e vamos nos concentrar no “mas“) com boas descobertas que precisam ser trabalhadas e mantidas. Isso não cabe apenas à diretoria e à comissão técnica: nós, torcedores, somos a outra ponta do triângulo e somos capazes de dar ou tirar a estabilidade da equipe.
A paciência sempre pautou o DNA são-paulino e nos diferenciou dos outros times. Há talento brotando em Cotia (Militão, Shaylon, Junior Tavares, Brenner, Rodrigo Nestor, Léo Natel, Araruna, Lucas Fernandes) e chegando em algumas contratações que podem render frutos duradouros num futuro próximo (Arboleda, Petros, Marcos Guilherme). O mito simplista do “elenco fraquíssimo” como explicação dos fracassos cai por terra quando comparamos nosso plantel com os de vários times do topo da tabela, ou quando simplesmente nos lembramos que em meados dos anos 90 e 2000 o discurso míope era o mesmo. Faltam reforços pontuais, sim. Mas sobretudo, falta tempo de trabalho para elenco e treinador, pois já há um potencial muito mal explorado em casa. Antes de pensarmos em 2018, porém, temos contas a acertar com a temporada 2017. Três pontos em São Januário amanhã serão instrumentais para dar um ponto final à sofrência e inaugurar um novo capítulo nessa história. Que aprendamos com os erros.
Muito boa associação, especialmente porque o LG não gostou.
Ele nos ensina como ficar parecido com Nicete Bruno, gordo e sem voz