Arbolendas

663

UOL

Bruno Grossi e José Eduardo Martins

Ele queria ser atirador, internou o pai e deu dinheiro escondido para mãe; Arboleda tem história para um livro

“Sempre falo brincando, mas por tudo o que já passei e pela curta idade, poderia fazer um livro sobre minha vida. Mas é só uma brincadeira por enquanto (risos)”.

Não seja por isso, Arboleda. No fim de 2017, o UOL Esporte sentou para fazer uma entrevista com o zagueiro do São Paulo e ouviu dele uma narrativa digna de romance. O sonho de ser atirador da polícia, os problemas que viveu com os pais, a batalha para crescer no futebol equatoriano…

Publicidade

Para fazer jus às histórias do personagem, resolvemos entrar na brincadeira. O que você lerá a seguir é uma espécie de prévia da futura biografia de Arboleda, com direito a apresentação do autor e tudo o que ele tem direito. Embarque conosco nas aventuras do gringo que ajudou a tirar o São Paulo do desespero em 2017 e já escolheu até um título para a obra: “A vida difícil (e boa) de Robert Arboleda”.

Eu tinha um sonho quando criança. Sempre quis ser franco-atirador, da polícia mesmo, porque via os filmes de ação e me impressionava. Sempre gostei! Gostava de ver Rocky Balboa e todos os filmes de Sylvester Stallone, Jean Claude Van Damme. Isso sempre me chamou muita atenção.

Ainda tinha o marido de minha irmã, que já está há 20 anos com ela. Ele é policial lá no Equador e, sempre que ia visitar minha irmã quando eram namorados, eu ficava vidrado na farda e nas armas. Minha mãe não gostava, falava que não me deixaria ser franco-atirador, que eu ficaria louco. Os anos passaram e fui prestando mais atenção no futebol, até seguir meu caminho.

Se resolvi trabalhar escondido, foi para ajudar minha mãe, Laura Escobar. Ela e meu pai se separaram, então ajudá-la era uma motivação para mim. Eu queria ser alguém na vida por ela. Até fiz uma tatuagem para homenageá-la. Representa muito para mim.

meu pai foi embora quando eu era bem menino. Tinha três ou quatro anos. E ele nunca voltou para casa. Foi embora com outra senhora, outra esposa, deixando minha mãe nos criando sozinha.

Hoje, meu irmão maior é técnico em refinaria, trabalha com mecânica industrial e fica aqui no Brasil comigo e minha esposa. Uma irmã é professora de colégio e a outra é enfermeira. Minha mãe também era enfermeira, aliás, sabe muito de medicação. Ela sempre me chamou de “morrongo”, uma forma carinhosa que uma mãe usa para chamar o filho.

Quando era pequeno, saía para trabalhar com meus tios. Eles vendiam pastéis e tortas. Minha mãe não gostava disso, falava que não tinha necessidade. Mas eu gostava! Era um dinheiro extra para poder sair e tomar um sorvete com uma amiga, encontrar os amigos.  Metade era de minha mãe, metade era minha para jogar bola e me divertir um pouco. Isso me ensinou muitas, muitas coisas.

Só que eu tinha que trabalhar escondido. E, quando voltava, minha mãe já estava dormindo e eu aproveitava para colocar dinheiro na carteira dela, embaixo do colchão. Ela não sabia de quem era o dinheiro. E eu sempre negava saber de algo.

Hoje ela sabe tudo o que fiz, mas enquanto era menino, nunca soube. Eu não contava! Certa vez, em uma reunião de família, ela contou que sempre via mais dinheiro do que tinha deixado na carteira. Eu saía de perto quando ela falava isso e não contava nada! Já mais velho, contei para a família e todos brincaram com ela. Foi uma grande surpresa para ela saber que um filho de dez anos colocava dinheiro para ajudar em casa, ainda que fosse tão pouco.

Quando comecei a jogar, eu era atacante. Jogava com a camisa número 8. Depois fui recuando de posição até chegar a ser zagueiro central, como jogo hoje. E me lembro muito bem de como tudo mudou. Isso aconteceu em 2010, quando estava no sub-20 do Olmedo. Um companheiro dos temos de base foi expulso, era um zagueiro. Nessa época eu já jogava de meio-campista. O professor da época perguntou quem poderia cumprir essa função na zaga e eu me coloquei à disposição. Terminamos esse jogo ganhando por 2 a 1, fiquei como zagueiro e nunca mais deixei de ser.

Assim que me tornei profissional, meu pai reapareceu. Curioso, não? Apareceu para tentar ganhar algo, mas não! Conversei muito com minha mãe e falei: “Ele não volta mais aqui!”. Como ele fica longe mais de 20 anos e quer aparecer do nada? Não, não, aqui não iria arrumar nada.

Ele teve muitos problemas com drogas, álcool… Então, há um ano, o ajudei levando a um centro de reabilitação. Mas ele saiu mais louco do que antes! Ele só fala de dinheiro, o tempo todo. A vida não é assim. Eu trato de ajudar, mas não dando dinheiro. Se faço isso, causo um dano muito maior a ele, não ajudo a mudar a situação. A melhor forma é ajudar na reabilitação, comprando roupa, comida, vitamina, para que possa ter mais anos de vida com saúde.

Sempre, sempre sonhei em jogar no futebol brasileiro. É onde se pratica um dos melhores estilos de futebol do mundo. Só não esperava tamanha pressão. Quando cheguei, os primeiros momentos foram difíceis. Mas graças a Deus, a meus companheiros, à diretoria, e às pessoas que trabalham no São Paulo, a minha adaptação foi muita rápida. O São Paulo é muito importante para mim. A torcida coloca pressão, quer ganhar tudo, mas compreendi a situação deles e nós jogadores temos de mudar a situação do clube.

A verdade é que meu time no Equador tem pouca torcida. Essa diferença me deixou impressionado. No São Paulo, todo jogo tem muita gente. E isso motiva muito os jogadores. Foi uma mudança de cenário que me alegrou, mas uma mudança extrema. No começo, estranhei um pouco, porque não estava acostumado com tanta gente. Depois, fui me adaptando.

No ano passado, tive problemas com algumas pessoas que sempre me ameaçavam para que eu desse dinheiro. Eram pessoas que cercavam jogadores no Equador, pediam dinheiro e ameaçavam nossas famílias. Eles queriam que eu passasse 50 mil dólares para não fazer mal a minha mãe e a meu sobrinho. Não dei o dinheiro, me apoiei na lei, mas foi difícil encarar. Por isso sempre ando com meu irmão, para ficar mais tranquilo.

Eu andava sempre preocupado. Toda minha família precisou mudar para minha casa, ninguém podia sair, tinha vigilância policial nos protegendo. Toda hora tinha mensagem de telefones diferentes. Sei que Cueva passou por isso recentemente e falei com ele. Por mais que essas pessoas falem para não chamar a polícia, o melhor é recorrer à lei, porque aí ficam com medo e desistem. Muitos jogadores passam por isso. Graças a Deus não teve nenhuma consequência, Todos denunciaram, a polícia rastreou o número e essas pessoas sumiram.

No Equador, já comecei a ser mais conhecido por conta da seleção. Quando você defende a nação, todos passam a te reconhecer. Mas é claro que agora que estou no São Paulo a fama é muito maior. Todo mundo no Equador fala de Arboleda e do bom trabalho que estou fazendo. Isso me motiva a seguir trabalhando para melhorar e fazer coisas boas.

No Brasil, muita gente já me para quando vou ao shopping, na rua. Em qualquer parte há um torcedor do São Paulo para me chamar de Arbolenda. Mas creio que não mereço esse apelido porque não conquistei nada. Alguém só pode ser lenda ou ídolo quando ganha títulos. Eu só recém cheguei, estou em uma fase boa, mas de adaptação ao clube, de recuperação do time. Se algum dia ganhar um título e continuar dando tudo de mim, aí sim poderei ser chamado de Arbolenda.

Minha relação com a música é como a de qualquer pessoa, gosto muito. E de todos os tipos. Mas especialmente gosto de reggaeton, salsa e tudo o que é típico no Equador. E, aqui no Brasil, estou gostando de funk. É muito bom! Gosto de Nego do Borel, de MC Kevinho. Estou aprendendo os nomes.

Quando cheguei ao clube, até marquei gols no início, mas o time não estava muito bem e eu evitei dançar nas comemorações, como sempre fiz na carreira. Agora, tudo está melhor. Estamos jogando em um nível mais alto e sei que podemos seguir assim. Quero fazer mais gols para dar alegrias a meus companheiros, funcionários e torcedores.

Ainda não conheço muitas coisas no Brasil porque não tenho saído. O time está se recuperando ainda e não gostaria de sair, encontrar um torcedor chateado e ter de brigar. Prefiro ficar em casa, tranquilo, com a minha família. Só fui para a praia uma vez, no Guarujá, e vou para o shopping ou janto no Paris 6, que tem muitos mariscos e frutos do mar, coisas típicas do Equador.

Mas, no geral, fico mais em casa. Eu mudei muito. Estou mais tranquilo, em um país que não saio muito, que não conheço muita gente. Isso é melhor para mim. No meu país, gostava muito de sair com meus amigos, mas agora aqui estou mais sossegado, conhecendo novas pessoas e assim estou me saindo melhor em campo. Estou tranquilo e, o mais importante, feliz. Quero ficar aqui por muitos anos.

Hoje estou tranquilo, sempre andando com meu irmão. Procurei um lugar para morar perto do centro de treinamento, o que é importante para o jogador para você não se atrasar para os compromissos, não se desgastar no trânsito.

Quando cheguei, quase sempre estava com Pratto e Jonatan Gómez, que também vieram de outro país, falam minha língua. Mas depois fui conhecendo Denilson, e toda hora estávamos brincando. Ele foi uma das pessoas que mais me ajudaram, porque fala espanhol. Então, ele me compreendia e ainda traduzia o que o treinador falava. Ele me ensinou também muitas coisas em português e me ajudou muito. Compartilhava com ele as concentrações, é um rapaz muito humilde.

No Equador, sempre gostava de ver os jogadores dos clubes brasileiros e me imaginava com eles. Com os do São Paulo também era assim. E sabia que tinham nomes fortes, como Pratto, Rogério Ceni, Lugano e Rodrigo Caio. A princípio, eu via Rodrigo como um cara um pouco cheio de si. Mas era exatamente por não conhecê-lo.

Agora, sei que ele é boa gente. Ele fala muito para melhorar o time, para melhorar minha adaptação. Fazemos dupla e tenho aprendido muito com ele. É muito bom jogador, tem muita personalidade para sair jogando, para marcar. Aprendo muito, assim como acontece com Lugano. Espero seguir aprendendo com eles, que têm mais tempo no São Paulo e sabem como as coisas funcionam. Deus queira que eu siga fazendo dupla com Rodrigo por muito mais tempo.

Meus planos sempre foram para ser alguém importante. Para ajudar minha família e para conseguir criar uma fundação para crianças. Quero cuidar de crianças deficientes, com doenças graves e poucas condições financeiras. Esse sempre foi um objetivo de vida. Por causa de documentos, ainda não consegui. No Equador a burocracia é muito difícil. Meu empresário está me ajudando a conseguir um prédio para começar a fundação. Espero ajudar logo a essas pessoas.