Dorival se orgulha de Neymar e Coutinho e diz como e quando terá SP forte

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Neymar e Philippe Coutinho, juntos, giraram no último semestre cerca de R$ 1,4 bilhão. As transferências para o Paris Saint-Germain e para o Barcelona, respectivamente, são as mais caras da história do futebol. E até no São Paulo há quem se orgulhe do status atingido pelos astros. Enquanto ainda tenta se afirmar como o técnico que pode recolocar o Tricolor no caminho dos títulos, Dorival Júnior permite um pouco de vaidade em seu discurso para relembrar como participou da formação dos principais craques da seleção brasileira.

“Fico feliz com isso. fico feliz porque eu acho que se tem uma característica que diferencia nosso trabalho é justamente isso: eu gosto de dar oportunidade, de proporcionar a um atleta a possibilidade de ter uma sequência em seu clube. Gosto de caracterizar e dizer que quem revela é o trabalho das categorias de base dos clubes, e não o treinador principal. Nós apenas damos uma oportunidade. E eu tive essa condição de poder conviver e, de repente, presenciar o crescimento de dois desses grandes jogadores do futebol mundial e muitos outros que fazem parte inclusive da seleção brasileira. Eu acho que é um momento que eu mesmo paro e me questiono, fico relembrando situações desse tipo. Alguma coisa de bom nós deixamos nos clube em que tenhamos passado”, destacou o treinador são-paulino, em entrevista ao UOL Esporte.

Marcio Komesu/UOL Esporte

Dorival Júnior recebeu a reportagem do UOL para entrevista no CT da Barra Funda

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Dorival trabalhou com Neymar no primeiro semestre de 2010, quando assegura que fez o Santos entrar como uma das melhores equipes de todos os tempos no Brasil. Um ano antes, foi o responsável por lançar Coutinho no elenco profissional do Vasco da Gama, que então disputava a Série B do Campeonato Brasileiro. Recentemente, em treino da seleção brasileira no CT da Barra Funda, antes de jogo contra o Chile pelas Eliminatórias, se pegou contando no elenco de Tite quantos atletas que agora estão no topo haviam passado por suas mãos no começo da carreira. Nova permissão para vaidade e até para se sentir parte da rota do time canarinho até a Copa do Mundo na Rússia.

“Acho que sim (se sente parte)! Antes de sermos torcedores, fazendo parte diretamente da formação de um ou de outro, dentro de uma equipe no futebol, é natural que você se sinta, ainda que minimamente, parte integrante dessa formação, desse crescimento. Outro dia, na visita da seleção ao CT, fiquei olhando e tínhamos ali dez jogadores que tiveram em equipes conosco. Isso é um fato muito importante e às vezes você não percebe, não tem a dimensão, até por estar vivendo o dia a dia de um clube. Você nunca para para analisar e rememorar tudo que já aconteceu. Ainda que eu me considere jovem na carreira, desde 2003 como treinador. É muito pouco, muita coisa ainda pode acontecer. Mas mesmo assim já ficou alguma coisinha plantada e algumas colheitas já começam a acontecer”, confessou o comandante tricolor, que já havia falado sobre formação de atletas na última quarta-feira.

A aposta de quanto tempo Neymar precisa para ser melhor do mundo, o prazo para o São Paulo engrenar na temporada e lutar por títulos e até o sentimento por ser citado no segundo livro sobre Pep Guardiola (Guardiola – A Evolução, de Martí Perarnau) são outros assuntos abordados nesta entrevista de Dorival Júnior.

Um ano ou dois, talvez (será o melhor do mundo). É uma geração difícil, porque pega dois grandes jogadores vivendo um momento diferenciado (Lionel Messi e Cristiano Ronaldo). E que estão disputando o posto há quase dez anos. É um fato a se respeitar. Tivemos jogadores que poderiam ter tido uma carreira superior ao que vemos hoje e que conseguiram apenas uma ou duas vezes ser os melhores do mundo. Por isso esses jogadores merecem nosso respeito e consideração. De um modo geral, Neymar vem evoluindo muito. É um jogador que sabe mais do que ninguém o que individualmente pode realizar. Quando pensa coletivamente, ele fica quase que imbatível nas suas ações. Porque quando todos esperam a jogada coletiva, aí sim ele parte para a jogada individual, algo que acontecia muito no Santos de 2010. E nos momentos em que ele pensa dessa maneira, ele se supera e busca uma jogada diferenciada, algo que ninguém espera. Por isso que não tenho dúvidas de que ele está muito próximo da briga direta por essa condição (de melhor do mundo).

Tamanho do Santos de 2010 no futebol brasileiro

É muito grande. Poucos talvez tenham percebido naquele momento. Só depois de passar é que percebemos o quanto determinado atleta ou profissional foi importante. Naqueles momentos eram só questionamentos, dúvidas e poucas certezas com aquela equipe. E a cada novo desafio ela ia comprovando, ia buscando. Primeiro era porque fazia muitos gols e se aquilo se repetiria em grandes jogos contra grandes equipes. E acabou acontecendo. Depois, era porque em alguns jogos tomava gols. E aquilo de repente passou a não ser importante porque fazíamos muito mais. Depois era se conquistaríamos, quando chegássemos a uma final, um campeonato paulista. E aquilo se confirma. Depois, eram as mesmas dúvidas se a equipe teria experiência para ganhar uma Copa do Brasil e aquilo aconteceu. “Ah, será que porque saíram dois ou três jogadores vai conseguir ir bem no Brasileiro?”. E a equipe era a terceira colocada quando eu acabei saindo, mesmo com jogadores importantes indo embora. Teve a saída do Robinho, a lesão do Paulo Henrique Ganso e as vendas do Wesley e do André. A equipe se reinventava e alguns meses depois era campeã da Libertadores com o Muricy Ramalho. Aquela equipe e a manutenção do Neymar durante muito tempo mostrou que a manutenção de grandes jogadores poderia fazer com que alcançássemos um novo patamar.

Tempo para o São Paulo engrenar

O prazo ideal, para qualquer outra equipe que joga em países em que os períodos são respeitados, o ideal é somar 40, 45 dias de trabalho. No Brasil, tivemos um ganho muito importante de 20, 25 dias iniciais de pré-temporada, que nunca tinha acontecido. Sempre tivemos uma defasagem grande e por isso tínhamos problemas com as equipes que disputavam séries inferiores. Nós tínhamos que cumprir o mês de férias, voltar no início de janeiro e encarávamos dificuldades contra os times do interior por terem treinado em um período maior. Quando conseguimos essa conquista, que perdemos por ser um ano de Copa do Mundo, tivemos que fazer um replanejamento. O ideal ainda não é. Vamos saber com o transcorrer do campeonato. Estou tranquilo que estamos trilhando um caminho considerado correto. Se os resultados acontecerão ou não, é questão de tempo e do que acontecer nas partidas. Mas, de maneira sóbria, o que tinha que ser feito, fizemos para respeitar os jogadores e dar uma condição maior até do que o planejamento inicial nos mostrava.

Trabalho da diretoria no mercado e a presença de Raí

O São Paulo está trabalhando forte no mercado e temos ciência de que as dificuldades são grandes. Trabalho com os que aqui estão e tento valorizá-los ao máximo. E extrair de cada um o melhor. É minha obrigação. Não fico pressionando, cobrando. Jamais fiz e faria na minha carreira. Tenho que respeitar o que tenho no momento e fico feliz com esses atletas. Não tenho dúvidas de que faremos uma grande competição. Eu acho que o Raí, tanto interna como externamente, é uma figura muito importante para clube, até por tudo o que já fez pelo São Paulo e a própria carreira. Acima de tudo, antes até do profissional, é um cara que passa credibilidade e seriedade de trabalho. Deixou uma história marcada nos clubes onde jogou, na seleção. É uma pessoa que tem um respeito muito grande em todos locais em que nós chegamos. Isso é importante, porque são profissionais que deixaram história nos clubes e que poderiam estar um pouco mais inseridos nesses clubes para continuar a dar algo com seu conhecimento, com suas experiências.

Urgência por títulos no São Paulo

Tudo acontecendo com calma, no momento certo, desde que tenhamos merecimento e continuemos trabalhando de maneira correta. É natural que seja muito importante e venha a coroar o trabalho que está sendo desenvolvido dentro do clube.

Definições de um bom treino e de um bom jogo

Para mim um bom treino, dentro dos conceitos apresentados, aquilo que nós queremos que seja implantado ou cumprido em determinado momento. O determinado momento que eu falo acho que é a obrigação do treinador de levar a equipe até o terço final de campo, o momento final. O momento em que o jogador tenha que ser decisivo, usar da habilidade, da técnica, que ele tenha que fazer uma jogada que ninguém espere. Até aquela parte do campo, acho que é uma obrigação de todos nós treinadores posicionar nossa equipe, não só para o ataque, mas acima de tudo que ela esteja posicionada para o inverso, para ser contra-atacada. Isso é fundamental para que você complemente tudo aquilo que está sendo trabalhado. E quando você percebe que tudo isso começa a dar liga, o que não é do dia para a noite, não com 12 dias de trabalho para apresentar algo diferente, é que as pessoas precisam de paciência e calma, porque o caminho é difícil, moroso e exige muita repetição é prática.

Intensidade, a palavra da moda

Intensidade é tudo aquilo que talvez nós nunca tenhamos feito lá atrás quando nossas equipes tinham na posse da bola um jogo intenso. Nossa posse de bola fazia com que jogássemos de maneira intensa, sem muita velocidade, mas com precisão e a todo tempo chegando. Porque criávamos e criávamos porque tínhamos a posse da bola. Nós passamos a perder posse de bola e tornar o jogo intenso. Por quê? Porque estamos correndo a todo momento para tirá-la do adversário. Então isso passou a ser a intensidade no futebol. Para mim é um caminho muito ruim e um erro muito grande que estamos cometendo há alguns anos. Por isso prefiro minhas equipes com intensidade com a bola nos pés. Que ela troque passes e saiba o momento certo das penetrações, de ser decisiva e letal. Isso sim é uma equipe intensa, porque ela faz com que a outra equipe se desgaste. Que tenha que correr muito mais. Ao contrário, a sua vai fazer com que a bola corra. Que foi o que nós fizemos durante anos e anos.

Posição x função

Importa muito mais a função de um atleta em campo. Porque, queira ou não, começamos a trabalhar muito mais taticamente do que acontecia lá atrás. Eu sou muito sincero. Tive N treinadores na minha carreira e dois ou três trabalhavam taticamente nas equipes onde passei. E às vezes os próprios jogadores reclamavam que os trabalhos eram repetitivos, queriam fazer a todo momento. E naquele afã de ficar com a bola, não se atinha à importância daquele tipo de trabalho. Só depois que você para ou passa a ter outra função no futebol, você passa a ver o quanto foram importantes os trabalhos que não se dava o valor necessário, não tinham o reconhecimento necessário. O engraçado é que em todas essas equipes que eu passei e que tinham treinadores que se atentavam para esses detalhes, o que na época para nós jogadores não era importante, eram equipes organizadas, equipes muito bem conduzidas. E tem um fato importante que aprendi com um treinador lá atrás, Lula Pereira, que deixou uma frase que não sei se era dele ou se trouxe de algum outro profissional, que uma equipe pequena bem organizada, vira uma equipe média. Uma média organizada, ela se torna uma equipe grande. E uma grande organizada, ela se torna uma equipe quase imbatível. É uma verdade quase absoluta dentro do nosso esporte.

Formação e reciclagem de treinadores

Falando particularmente em relação a meu trabalho. Até nove, dez anos de carreira, nós tínhamos no mínimo um título por ano. De repente tive obrigação e necessidade de parar por quase um a no e meio. Nesse intervalo, me preocupei em tentar buscar algumas coisas que eu estivesse vendo e sentindo naquele momento. Nós não temos uma formação dentro de nosso país. Agora, há dois anos, é que a CBF começa a implantar alguns cursos, as licenças C, B, A e Pro, que é algo importante. Cobravam uma reciclagem dos treinadores brasileiros, mas sem formação como vai se reciclar? Parece que comentam desconhecendo o fato, então fica pior a emenda do que o soneto.

Sempre era um questionamento que eu tinha. Me preocupei e pude sair do país buscando novidades, entender aquilo que se passava com nosso dia a dia. Eu constatei muitas coisas. Primeiro que a tal defasagem não é tão grande. Muitos dos conceitos desenvolvidos lá fora, do que se joga e se trabalha, de uma maneira ou outra já vivíamos dentro do país. Mas lá fora eles não possuem essa ciranda de treinadores que acontece dentro do Brasil. E queira ou não você implanta o trabalho, mas não colhe os frutos. Vem um e colhe, vem o terceiro e colhe. E assim você pode colher o trabalho de um outro que tenha deixado. Então, não se completa o ciclo. Na grande maioria das vezes, não. A média do treinador brasileiro é de apenas 90 dias no clube. Isso me incomodava.

Pude perceber algumas coisas bem alteradas e algumas outras bem defasadas ao que a gente fazia aqui no país. É natural que passei a me questionar sobre o que vinha fazendo. Se da maneira que estávamos entregando o trabalho acontecia de ter um título a cada ano, era natural que eu me sentisse em uma situação difícil de mudar algo que vinha dando certo. Por que iria mudar? A todo momento, a todos os anos, eu procurava acrescentar detalhes, algo a mais, mas a possibilidade de um treinador dentro do país ter essa condição de observar lá fora e ter essa reciclagem, uma formação, é algo difícil, escasso e árduo. Fico feliz por ter sido atleta por quase 20 anos, o que me deu uma vivência muito importante de vestiários. Mas a minha formação como professor de educação física muito pouco me ajudou, quase nada. Então, é para ver o quanto é difícil para alguém que não fez carreira no futebol estar ou vivenciar a oportunidade de ser treinador em nosso país.

Marcio Komesu/UOL Esporte

Dorival Júnior comanda o São Paulo desde julho de 2017

Citação no livro “Guardiola – A Evolução”

Fiquei sabendo, fiquei sabendo (risos). Olha, primeiro que eu admiro o trabalho. É um dos grandes treinadores do futebol mundial, talvez de toda a história. E como todo cara que tem uma visão lá na frente, acho que sempre me chamou a atenção. Sempre acompanhei as equipes dele pelo prazer de vê-las jogando. Sempre me interessei muito e não tinha noção de como ele conseguia implantar aquilo que víamos. E de repente convivendo um certo período lá pudemos perceber que muitas das coisas que fazíamos às vezes não se completavam porque ele tinha uma sequência muito lógica de trabalhos, que iam se completando e dando aquele padrão que vemos. Tem um fato importante. Você tem que respeitar muito as características de cada jogador. E de repente você nunca vai encontrar equipes semelhantes, muito próximas. Por isso você tem que ter um poder de tentar mudar ou adaptar determinadas situações. E para que isso aconteça é preciso estar muito atendo, principalmente conhecendo o quanto antes e possível as características do seu novo grupo de trabalho.

Comissão técnica democrática e divisão de tarefas

Para quem comanda, isso é muito importante. Você, queira ou não, estará atento a tudo que se passa. A única forma de estar mais próximo de um trabalho é um trabalho mais coletivo, com duas equipes trabalhando em confronto ou com objetivos. A presença de uma pessoa resolve a situação. No mais, você tem que estar trabalhando a todas situações a sua volta. É muito importante que o pessoal de análise esteja participando do dia a dia, porque vão saber que tudo aquilo que estamos propondo e em cima daquilo, as observações que farão dos adversários. É fundamental. Além do que, o próprio poder de síntese e análise de cada um deles servirá para observar um pouco mais os trabalhos que estão sendo desenvolvidos e trocando ideias e informações, o que para quem comanda é muito importante. No mais, os auxiliares trabalham tudo dentro de um planejamento, dentro de alguma coisa que já tenha sido pré-determinada. E para que eles se sintam importantes nesse processo é fundamental que participem diretamente.

Bate-bola

Uma série de TV: (risos) não assisto nenhuma série, por incrível que pareça. É interessante. Não quer substituir essa?

Um filme: Não sou muito bom para nomes. Mas é aquele filme da escravidão nos Estados Unidos, que o cara tem uma vida própria, é um… É mais recente. 12 anos de escravidão!

Um tipo de música e uma música: Eu gosto muito de samba, mas ultimamente uma música que me chama muito a atenção é aquela do Trem Bala. Linda, linda letra, linda música. Foi muito feliz a compositora.

Uma comida: Sou bem basicão: arroz e feijão (risos).

Uma bebida: Eu gosto de vinho.

Uma viagem: Nova York é uma cidade fantástica.

Uma viagem que não fez: Eu já fui, mas não detalhei como quero. A Toscana.

Um sonho de vida: eu queria ver um dia eu poder caminhar dentro do nosso país com tranquilidade. E as pessoas se respeitando. Eu acho que dificilmente vai acontecer nessa vida atual. Quem sabe numa reencarnação.

Eleições presidenciais: Lamentável. Com os nomes que temos hoje? Sinceramente, não colocaria nenhum deles. Temos poucas pessoas sérias no país. No meio político? Talvez uma pessoa: Alvaro Dias. Não sei se vai ser candidato, se não vai. Mas talvez seria o único em que eu apostaria minhas fichas, porque a pobreza espiritual da grande maioria não me faz acreditar em ninguém. Nós não temos um grande líder no país. Esse é um problema muito sério. E os que estão querendo disputar… Por favor, meu povo, não vamos colocá-los, não!

FONTE: UOL