Edivaldo – O homem que viveu dobrado

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Namoros, resenhas, gols e o polêmico impacto da morte do “atacante-papagaio” da Copa de 1986

Gabriel Carneiro e Vanderlei Lima Do UOL, em São Paulo
Acervo pessoal
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Galã dos anos 80

Jogador da seleção com passagem por grandes clubes do Brasil, empresário e, ainda, um jovem bonito. Edivaldo Martins da Fonseca era o que se chamava, nos anos 80, de um “partidão”. Não foi à toa que sua vida pública chamava mais atenção do que o que ele fazia dentro de campo. Celebridade, ocupou muitas manchetes de jornais e revistas por suas conquistas…na vida pessoal.

Ao longo da década de 80, o jogador que defendeu clubes como Atlético-MG, São Paulo e Palmeiras teve relacionamentos amorosos com algumas das brasileiras mais famosas daqueles tempos. Quer um exemplo? Mariette, assistente de palco do “Viva a Noite”, de Gugu Liberato, no SBT, era sua namorada e uma das mulheres mais cobiçadas do país na época. A fama de mulherengo acompanhou Edivaldo até 1993.

Foi nesse ano que ele morreu, aos 30 anos, solteiro e sem filhos. Vinte e cinco anos depois do trágico acidente de carro nunca esclarecido, o UOL Esporte revisita sua trajetória. Namoradas, resenhas, gols, títulos e até a Copa do Mundo de 1986, da qual fez parte pelo Brasil. Ou quase isso…

As 3 conquistas

Mariette

Foi assistente de palco do programa “Viva a noite”, comandado por Gugu no SBT. Popularidade a fez uma das mulheres mais desejadas do país nos anos 80. Sex symbol, chegou a ser capa da Playboy de 88.

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 Reprodução/Garota de Placar

Ana Paula

Filha mais velha do cantor Roberto Carlos com Nice, foi um romance admitido por Edivaldo nos anos 80. Ana Paula ainda namorou o cantor Antônio Marcos e mais adiante se casou com o guitarrista Paulinho Ferreira, da banda do pai.

 Divulgação Divulgação

Cíntia

“Filha número 1”, como o apresentador Silvio Santos gosta de chamar até hoje em dia. O suposto relacionamento estampou manchetes de jornais da época, mas Edivaldo se limitou a dizer que “deu rolo”.

 Danilo Carvalho/Ag. Fio CondutorDanilo Carvalho/Ag. Fio Condutor

Ele gostava da mulherada. Ele se relacionou por exemplo com muita gente conhecida. Filha do Roberto Carlos, filha do Silvio Santos… Ele gostava de contar isso nos treinamentos, nas resenhas. O Edivaldo era isso. Uma pessoa que está faltando muito no futebol de hoje. Na época, dizia que era filho de pai rico e namorava todas as menininhas. Coisas de jovens daquele tempo

Zé Teodoro, hoje técnico de futebol, que jogou com Edivaldo no São Paulo

A única coisa que eu comentava era que namorar tudo bem, mas tinha que respeitar as famílias. As mulheres viam que ele era jogador, muito bonito… Ele namorou muito. Quando faleceu, tinha umas oito meninas em volta do caixão. Ele mexia com o coração das mulheres. Quando estava em Ipatinga, eu falava que ele tinha de me pagar para atender telefone. Toda hora era uma ligação

Izabel Martins da Fonseca, 81 anos, mãe de Edivaldo

Reprodução/Revista Placar Reprodução/Revista Placar

Nem tão regenerado, né, Placar?

Uma vida no sofá-cama

Se até a mãe de Edivaldo brincava com o filho pelo comportamento, digamos, fora da curva, imagina o quanto de história os amigos contam…

Em 1987, ele chegou ao São Paulo mais ou menos na mesma época do também atacante Lê. Enquanto um vinha do Atlético-MG, o outro havia sido contratado da Inter de Limeira. Por comodidade e desconhecimento da capital paulista, os dois decidiram alugar um apartamento e morar juntos. Até aí tudo normal. O problema, como conta Lê anos depois, é que o imóvel só tinha um quarto com cama. Um dos moradores sempre acabava no sofá-cama da sala. Quer dizer, um problema para Edivaldo, não para Lê.

“Nós combinamos que quem chegasse primeiro dormiria no quarto. O outro, na sala. O que aconteceu é que ele passou todo o tempo dormindo na sala. Só chegava tarde, enquanto eu só dormia na cama do quarto”, diverte-se Lê, hoje empresário e gestor de futebol na cidade de Limeira, no interior de São Paulo.

ArquivoArquivo

Na imagem do São Paulo campeão paulista de 1987, Edivaldo é o último agachado à direita. Lê, o dono da cama na época em que eles moraram juntos, é o terceiro agachado da esquerda para direita.

Acervo pessoalAcervo pessoal

“Ele era porra louca”

Zé Teodoro, contemporâneo de Edivaldo no São Paulo e hoje treinador de futebol, descreve o amigo como “uma alegria constante”. A fama de mulherengo era sua principal característica, mas não fica por aí. O atacante era considerado um cara econômico, que procurava benefícios tradicionais a jogadores, como almoços e jantares de graça, só para não gastar dinheiro. Com o que economizava, fazia seus investimentos, como em uma empresa distribuidora de água mineral e um curtume (onde o couro cru é processado para ser destinado às indústrias).

Se fora do clube Edivaldo tinha cabeça boa, dentro dele a situação era meio diferente. “Ele era ‘porra louca’, largado. Mas acima de tudo, uma pessoa extrovertida, alegre, descontraída, que tirava aquela tensão do grupo por ser gozador, brincalhão”, diz Zé Teodoro. A revista Placar, em 1988, escreveu a seguinte frase sobre Edivaldo: “se diverte contando histórias nem sempre verdadeiras para os colegas”.

Mas, afinal, que diabos alguém precisa fazer para ser considerado “porra louca” por seus companheiros? “Ele gostava de desfilar no vestiário, dentro do ônibus, imitava veado, fazia aquela palhaçada”, ri Zé Teodoro. Em seu trabalho como treinador, aliás, o ex-lateral acha que faltam jogadores assim. “Hoje em dia está faltando um palhaço, um jogador que descontrai o grupo, melhora o ambiente, um moleque tipo o Neymar. O Edivaldo era aquilo ali, era um Neymar”.

Reprodução/TV GloboReprodução/TV Globo

Boa noite a todos

Edivaldo era considerado falante e irreverente pelas pessoas próximas, o que gerou o apelido “Papagaio” que o acompanhou por toda a vida. E foi por falar e brincar tanto que surgiu uma das diversões mais recorrentes do dia a dia na Copa do Mundo de 86: apresentar o Jornal Nacional, da TV Globo. Edivaldo era Cid Moreira, um dos mais longevos apresentadores do programa. Enquanto isso, Edson Boaro, o Edson Abobrão, interpretava o repórter Hélio Costa. Walter Casagrande Júnior fazia as vezes de outro repórter, Paulo César Araújo. Na concentração, às 23h, Edivaldo dava boa noite como se fosse Cid Moreira. E todos iam dormir.

“O Edivaldo era um cara super divertido, brincalhão o tempo todo, gente boa para cacete. Era sem maldade nenhuma, um puta companheiro. Estive com ele na Copa de 86 no México e depois que eu saí do time do Telê nós ficamos bem próximos, porque ele também não jogava. Nesse lance do Cid Moreira, que ele imitava, eu fazia um repórter e também fazia a sonoplastia”, conta Casagrande, hoje comentarista da Globo.

Divulgação/São Paulo

Uma vida abreviada

14 de janeiro de 1993

Depois de brilhar no São Paulo, Edivaldo teve passagens por Puebla (MEX), Palmeiras e Atlético-MG antes de fechar com o Gamba Osaka, do Japão. Por lá, vivia um momento de estabilidade da carreira: sem ambição de seleção, mas recebendo um bom salário e encaminhando o fim da carreira, já que estava com 30 anos. De férias, passou as festas do fim de 1992 com a família na cidade mineira de Ipatinga, voltou ao Japão rapidamente para negociar um novo contrato e retornou ao Brasil. Em São Paulo, passaria o fim do período livre em seu apartamento no bairro do Itaim Bibi.

Já na capital paulista, o jogador foi convidado a disputar um jogo festivo em uma cidade chamada Cesário Lange, a cerca de 140 km de São Paulo. Era um evento patrocinado pela Prefeitura, que se estendeu por tarde e noite. A organização da festa queria que Edivaldo ficasse por lá e dormisse em um hotel. Mas ele decidiu retornar para São Paulo de madrugada.

Edivaldo não bebia, mas naquela noite chovia e a visibilidade era baixa. Ainda havia outra razão, até então desconhecida, para aumentar o perigo, e que parte da família não aceita mesmo 25 anos depois. Próximo de 3h da manhã, no sentido interior-capital da Rodovia Castello Branco, à altura do km 130, o Tempra do jogador colidiu com a parte traseira de um caminhão que carregava lenha. Edivaldo, sozinho no carro, morreu no local.

As despedidas

O Edivaldo nunca deixou a chave do apartamento com ninguém. Nem para o irmão. Naquele dia, deixou pra mim a chave, cara. O que mais marcou foi isso. Ele ligou antes e disse: “Estou indo para aí. Onde você está?”. Eu fui para o apartamento e, de madrugada, toca o telefone com essa notícia. Eu pensei que fosse trote, mas logo aceitei a verdade. E foi um grande choque

, ex-companheiro de Edivaldo no São Paulo

Ele me ligou duas vezes naquele dia, às 23h e às 2h30, pouco antes de tudo. Queria que eu fosse para São Paulo. Contou que estava em Cesário Lange e eu falei para ele ficar por lá. Mas ele avisou que estava voltando. Eu acredito, piamente, que ele quis fazer uma despedida. Ele não era de elogiar, mas naquela ligação disse que eu era parceiro, o cara em quem ele confiava

Célio José Martins da Fonseca, irmão mais novo

DivulgaçãoDivulgação

Família x Fiat

“Um belo dia, uma semana após o falecimento do Edivaldo, eu chego no apartamento dele e vejo uma correspondência da Fiat dizendo que precisavam fazer um recall dos freios”.

O relato de Célio, irmão caçula de Edivaldo, desencadeou uma longa batalha judicial entre a família Martins da Fonseca e a Fiat, fabricante do carro em que o jogador morreu. Foram 20 anos de intimações e recursos, porque os familiares diziam que a carta do recall era uma prova de existência de defeito que teria causado o acidente. Segundo os advogados, a convocação dos proprietários para troca da peça era uma espécie de confissão.

A Fiat negou e ainda respondeu no processo que a maior possibilidade é que Edivaldo tivesse dormido ao volante. Lê não acha a teoria absurda: “Eu acho que foi por causa do fuso horário. Ele tinha acabado de chegar de viagem e pelo que o motorista (do caminhão) falou, ele dormiu e entrou debaixo do caminhão. O cara tinha acabado de chegar, saiu de São Paulo, foi lá no churrasco, jogou pelada e ainda voltou de madrugada… Ele era uma pessoa muito, muito intensa, ele vivia mesmo. Ele morreu com 30 anos, mas viveu 60, porque ele vivia dobrado, bem mais que a gente”.

A família rejeita essa versão. “Não foi uma fatalidade. E eu concluí isso pela perícia: o braço dele fraturou em várias partes, o que mostra não só que ele viu o acidente, como segurou e tentou evitar. Se ele estivesse dormindo, o que aconteceria? Ele soltaria as mãos do volante do carro e ia de cabeça. Tinha um corte na cabeça que mostra que a pressão veio até ele, não que ele que foi até ela. Agora, amigo, Brasil, né? Você desacredita no sistema? E os custos tornam você muito pequeno para brigar com alguém tão grande. Eu fiz minha parte”, diz Célio.

Trechos da sentença

Processo da família Martins da Fonseca contra a Fiat está arquivado desde 2012

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“Todos os trabalhos se baseiam em dados hipotéticos, partindo de suposições e informações não comprovadas concretamente”.

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“Apesar do equívoco quanto à data da realização do recall, esse dado não é suficiente como prova do defeito no veículo”.

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“A apelante (família) (…) não conseguiu comprovar a existência do defeito da peça que equipava o veículo acidentado”.

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“… não se tem certeza de que o sistema de freios tenha sido acionado pela vítima, principalmente pela constatação de que não foram encontradas marcas de frenagem na pista”.

O carro era zero e, antes do acidente, a Fiat envia uma carta para fazer um recall do sistema de freios. A Fiat disse que era urgente, mas a carta chegou depois de tudo. Mesmo assim, não deu em nada. No Brasil não dá nada. A Justiça não funciona. Quer dizer, funciona para os grandes ninguém vai preso. É só ver a política hoje como está. Isso está enrolado há mais de 20 anos, minha mãe tem 81 anos e tinha a prioridade no processo, mas não deu em nada. Não recebemos nem pedido de desculpas

Paulo Roberto da Fonseca, também irmão do jogador

O dia da tremedeira

Célio foi informado da morte de Edivaldo pouco depois do ocorrido. Ele estava em Ipatinga, na casa da família, e não avisou à mãe, Izabel, que havia acontecido um acidente. Ele só acordou Kiko, seu outro irmão (que morreu alguns anos depois), para contar com calma e preparar a mãe para o pior. Célio disse que tinha uma reunião fora da cidade e precisava sair com urgência. Kiko também saiu para buscar uma farmácia e possivelmente um médico, que auxiliariam no apoio à mãe assim que ela recebesse a notícia. Nem precisou. O telefone de casa tocou enquanto os dois estavam fora e alguém, provavelmente da imprensa, perguntou sobre a morte de Edivaldo.

“Eu estava sentado na cama e me deu uma tremedeira. A cama pulava. Quando chegaram com o médico, ele me disse: ‘Dona Izabel, teve um acidente com o Edivaldo, ele está bem, já foi encaminhado para o hospital’. Então eu falei para o médico: ‘Não precisa me enganar, porque ele faleceu. Eu já tenho a notícia que ele faleceu’. Aquilo, pra eles, foi um choque, mas eu aguentei firme. Na hora, a gente fica meio aéreo, mas Deus sabe de todas as coisas”.

Célio e o corpo de Edivaldo vieram de avião do interior de São Paulo, enquanto dona Izabel e o restante da família aguardavam no aeroporto de Ipatinga, onde o jogador foi sepultado em 1993.

Passado tanto tempo, só posso dizer que ele foi um bom filho e que eu gostaria que ele estivesse aqui entre nós. Mas Deus sabe de todas as coisas. E se, no acidente, ele ficasse numa cadeira de rodas? Eu sofreria muito mais, não? Do jeito que era o Edivaldo, espirituoso, não gostava de ficar parado, eu ia morrer junto com ele

Izabel Martins da Fonseca, Mãe de Edivaldo, 81 anos

Ele era um filho muito bom. Lembro que sentavam os quatro filhos para contar piada com o pai. E ele, o Edivaldo, mandava até eu sair de perto. Naquela época eles respeitavam. Hoje em dia não, as coisas estão muito liberais. Eu saía, mas depois o Juca (seu marido, que morreu em 1988) contava tudo pra mim

Izabel, rindo das lembranças

Divulgação/Atlético-MGDivulgação/Atlético-MG

Dentro das quatro linhas

Edivaldo começou no futebol com oito anos na Associação Esportiva e Recreativa USIPA, em Ipatinga. Aos 11 anos, foi tentar a sorte em Belo Horizonte, mas acabou rejeitado pelo Cruzeiro porque o consideraram “raquítico”. No Atlético-MG, ficou. No time de aspirantes, jogava como ponta esquerda, mas sabia que não ia ter chance no time principal porque a lenda Éder Aleixo era a estrela da posição. Por isso, ficou um ano emprestado ao Taquaritinga. Só voltou para Belo Horizonte quando Éder não era mais titular do Galo.

Foi pelo Atlético-MG que recebeu a convocação de Telê Santana para a Copa do Mundo de 1986, mas o auge técnico da carreira viria mesmo a partir de 87, quando foi contratado pelo São Paulo: foram três temporadas, 123 jogos, 26 gols e os títulos estaduais de 1987 e 1989. Depois, saiu para jogar no Puebla, do México, voltou para o Brasil no Palmeiras, com quatro gols em 22 atuações em 1991. Ainda teve mais uma passagem discreta pelo Galo antes de ir para o futebol japonês.

Ao longo da carreira, Edivaldo passou da ponta esquerda para o meio campo e, do meio, para o centro do ataque. “Sempre gostei de jogar só atacando e os treinadores veem que eu sou disciplinado taticamente”, disse à Placar, em 88, quando foi “adotado” por Cilinho no São Paulo e viveu a melhor fase em 11 anos de carreira. Só 11 anos.

Acervo pessoalAcervo pessoal

Na Copa, ele + 10

Edivaldo vivia bom momento pelo Atlético-MG quando foi convocado para a Copa do Mundo de 1986, no México, como bicampeão estadual. A lista de Telê Santana tinha grandes nomes do futebol nacional, como Junior, Casagrande, Careca, Sócrates, Falcão, Muller, Zico e Leão, e algumas jovens apostas. Edivaldo era uma delas.

Ele foi um dos seis jogadores que não entraram em campo entre os 22 jogadores levados por Telê ao Mundial. O grupo tinha ainda Oscar, zagueiro do São Paulo, Paulo Vitor, goleiro do Fluminense, Mauro Galvão, zagueiro do Internacional, Valdo, meia do Grêmio, e Leão, goleiro do Palmeiras.

A convocação era para completar o elenco, mas Edivaldo não deixou barato. Na apresentação do elenco, brincou com os jornalistas: “Na seleção, seremos eu e mais dez”. O Brasil caiu para a França nas quartas de final, Edivaldo não jogou um minuto sequer, mas o apelido de “Papagaio” foi honrado como nunca.

FONTE: UOL

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