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Gabriel Carneiro
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Aos 36 anos, revelação pendurou as luvas e começou a trabalhar na base do São Paulo
Depois de 19 temporadas como profissional, 16 clubes defendidos e experiência na seleção brasileira de base e todas as quatro divisões do Campeonato Brasileiro, o goleiro Marcio anunciou o fim de sua carreira. Aos 36 anos, o ex-jogador com passagens por São Paulo, Grêmio e Atlético-PR não ficou nem uma semana parado e já encara um novo desafio fora dos gramados: ele agora é preparador de goleiros das três menores categorias de formação do São Paulo (sub-9, sub-10 e 11 e sub-12 e 13), além de responsável pela captação de jogadores da posição.
De seus 36 anos, Marcio passou 12 dentro do São Paulo: chegou ao clube na antiga categoria “Dente de Leite”, cumpriu toda a base e subiu ao elenco profissional para seis temporadas à sombra de Rogério Ceni. Antes de se despedir do clube, em 2006, ele era apontado como sucessor do ídolo tricolor pelo próprio Mito: “Ele dizia que passaria o bastão para mim, que eu era o único jovem com esse perfil”, conta, ao UOL Esporte. Agora, a missão de Marcio dentro do Tricolor é justamente formar jogadores com este mesmo caráter.
“Estou voltando ao São Paulo porque corre sangue tricolor na minha veia e é isso que eles querem de mim, que eu passe isso adiante. Não consegui jogar no São Paulo, mas dei certo. Passei por três clubes grandes, fiz mais de 500 jogos, então deu certo. Fizeram um goleiro lá. E agora o São Paulo quer voltar a formar goleiros novamente. Hoje o titular e o reserva (Sidão e Jean) são de fora do clube, sendo que nossa escola de goleiros sempre foi boa. Por isso eu cheguei para pegar do sub-13 para baixo, porque ali que começa a formar de verdade. Eu sou treinador de goleiros, mas meu principal papel é captação, é ter o feeling de analisar que um menino pode ser goleiro do São Paulo”, conta Marcio Aguiar, antes de completar relatando suas missões dentro do clube.
“O que eles querem é não perder mais jogadores como o Ederson, que hoje está no Manchester City. Porque às vezes falta muito para os jogadores na questão física, mas é possível evoluir. Isso vale para goleiros e para jogadores de linha, e faz parte de um projeto do São Paulo, de formar o menino com DNA são-paulino, para o menino sair dali e dar frutos ao São Paulo”.
Há uma semana, Marcio tem passado mais ou menos 12 horas por dia no Centro de Formação de Atletas de Cotia. Ele coordena o setor de captação de goleiros, dá treinos para três categorias e também acompanha o trabalho dos times maiores, do sub-15 ao sub-20, como uma espécie de estagiário destas categorias. Ele planeja parcerias com ex-goleiros do São Paulo que têm academias de jogadores da posição, como Zetti (em São Paulo) e Alencar (em Londrina), para captação, e quer ser mais que um treinador de goleiros dentro do clube onde foi criado.
“Entrei no São Paulo aos 12 anos. Trabalhei com quatro preparadores: Toninho, Rojas, Moreira e Haroldo um pouco, pessoas que nunca saíram da minha memória, fazem parte do meu crescimento. Agora, eu quero sempre ficar do lado desses meninos, para ajudá-los a se tornarem homens e ser o que aqueles caras foram para mim. Quando eu cheguei era considerado muito baixo, não fiquei no clube. Mas um ano depois voltei e fiz tratamento, o médico disse que eu chegaria a 1,92m e fiquei no clube. Hoje eu vejo isso: se tem talento você tem que fazer um investimento, um trabalho em conjunto, confiar no garoto”.
Veja outros trechos da entrevista com Marcio:
CARREIRA
“Campeonato Paulista foi o que eu mais joguei, foram nove Série A1 e três Série A2. Campeonato Brasileiro eu joguei cinco Série A, três Série B, duas Série C e quatro Série D. Passei por todas as divisões e também uma Segunda Divisão em Portugal. Foram 17 clubes e lembro de todos: São Paulo, Paulista, Grêmio, Paysandu, Ituano, Barueri, Atlético-PR, Botafogo-SP, XV de Piracicaba, Beira-Mar, Uberlândia, Red Bull, Portuguesa-RJ, Sertãozinho, Itumbiara e Mogi Mirim. Para dar 17 faltou a seleção brasileira sub-20. Eu vivi a realidade do futebol brasileiro. O que passei no Mogi Mirim ano passado, Itumbiara sem receber até hoje, tenho ação rolando contra o Botafogo-SP de 2012, já ganhei e não me pagaram, Portuguesa também, causa ganha que não me pagaram, ação contra o Beira-mar, Barueri… A realidade do futebol é essa, de sofrimento, lesões, calendário ruim, joga quatro meses e se desespera para arrumar outro clube. Tudo isso que eu vivi. Vivi o que é bom também, não foi muito, mas foi intenso. Sei bem o que é o futebol brasileiro, e é um absurdo. A realidade não é o que vemos na TV.”
ROGÉRIO CENI
“Convivi muito tempo com ele. Eu era tratado por ele como sucessor, ele dizia que passaria o bastão para mim, que eu era o único jovem com esse perfil. A diretoria falava isso para mim também. Mas quando fui emprestado eu tomei gosto por jogar, aí acabei saindo de vez em 2006. Se for pensar eu ia ter que esperar uns 10 anos pelo Rogério se aposentar, eu ia assumir a titularidade com 32 anos (risos). Faz tempo que não falo com ele, depois que ele virou treinador não falei mais, tínhamos contato por Whats. Quando ele veio para o São Paulo disse que eu tinha portas abertas para ir lá. Sempre me tratou muito bem, considerei amigo meu, sempre que jogamos contra era uma alegria. Eu treinava falta com ele, conhecia as técnicas. Aí nos jogos contra ele queria bater, mas nunca fez gol (risos). Eu achava que ele ia ser presidente ou diretor do São Paulo, mas treinador não passava pela minha cabeça. Capacidade ele sempre teve para qualquer função, é um cara muito inteligente e com muito tempo na bola.”
LESÕES
“Tive algumas de joelho. Duas no direito e uma no esquerdo, todas de ligamento cruzado anterior, e ainda mais uma no menisco, mais leve. Hoje, apesar de ter parado, preciso do meu corpo, então vou ter que continuar fortalecendo, exercitando, fazendo trabalho de recuperação, senão minha vida útil como treinador de goleiros não será grande. São lesões que me atrapalharam um pouco, porque fiquei parado um tempo, mas mesmo com essas coisas eu me considero um cara que nunca desistiu e jogou em alto nível até 36 anos. Eu parei porque quis, não porque fui obrigado. As lesões me atrapalharam sim, mas eu estava aí. Me profissionalizei em 1999, tive 19 anos como profissional, mas vivo no futebol desde os seis. Eu considero uma carreira bonita, vitoriosa, apesar dos percalços que todos têm nas suas profissões. Eu sei que deixei um legado e portas abertas no clube onde comecei e estou começando de novo do zero, em outra profissão, com minha bagagem para usar nessa nova profissão. Vou passar para os meninos que nunca deixei de estudar, me formei, trabalhei, ganhei, mas que ninguém sabe o dia de amanhã. Eu não consegui fazer meu pé de meia por causa das lesões, dos clubes que não pagam, mas não me arrependo de nada. Foi uma carreira que conheci muita gente, aprendi, ganhei muitos amigos, sou cara que se falam “ah, o Márcio goleiro”, muitos lembram, então isso para mim não tem preço, é o legado que eu deixei.”
DECISÃO DE PARAR
“Eu já estava conversando com o pessoal do São Paulo fazia um ano, eles me chamaram e fizeram a proposta de eu parar de jogar e começar a treinar os meninos da base. Não que eu não tenha aceitado há um ano, eu aceitei, mas disse que queria jogar mais um pouco. Eu estava bem e queria jogar. Então fui jogar no Sertãozinho e quando eu decidisse parar conversaríamos de novo. Dois meses atrás o Seu Canassa (José Roberto Canassa, diretor de futebol de base) me chamou de novo e perguntou se eu queria. Eu disse que tinha contrato, mas o momento podia estar chegando, porque faltava pouco para o meu contrato acabar. Na verdade era o seguinte: eu fiz um belo campeonato ano passado, com 35 anos, e achei que podia fazer mais um como última cartada para tentar voltar a um time de médio ou grande porte. Mas não aconteceu, acabou meu contrato e eu já vinha matutando na minha cabeça de parar. Então falei para o Seu Canassa e para o Pita, que foi meu treinador na base e hoje está na captação de Cotia, que aceitava. O último jogo da minha carreira foi na segunda rodada da Série A2 de 2018, entre Sertãozinho e Taubaté (20 de janeiro). Depois disso me machuquei, o time foi desclassificado e estou aqui.”
MISSÃO
“Eu deixei uma porta aberta no São Paulo e hoje estou podendo aproveitar porque eu tenho diploma. Sem diploma eu não conseguiria trabalhar hoje, então foi muito útil eu ter me formado, meu pai foi essencial exigindo que eu estudasse. Hoje só consigo trabalhar por ter o Cref. É algo que tenho que passar para os meninos. Nosso primeiro trabalho não é como treinador, é como educador.”
GOLEIRO MODERNO
“Os meninos desde o sub-9 já são treinados para isso, sair jogando, aparecer para o jogo, porque o futebol mudou. Eu sou da geração do balão para frente e tive que me habituar durante a carreira a dar lançamento, fechar uma linha, dar opção. Faz 6 dias que estou aqui e os meninos sub-13 me surpreendem porque já jogam com pé, trabalham com a bola, coisas que na minha época nessa idade não era feito. Eu era treinado para não perder a bola e só. Mas temos que acompanhar essa evolução, os meninos desde agora precisam ter essa atenção.”